Bergson Farias. Morto pela ditadura. |
Não existe
unanimidade quando tratamos de política. Num País continental como o Brasil,
muito menos. Tem-se, sim, lutado por direitos e deveres constitucionais, por
liberdade e justiça. Essa luta por
igualdade tornou-se evidente a partir de 1979, com a Lei da Anistia, e
gostaríamos que hoje estivéssemos vivendo em paz. Pelo contrário, a desigualdade
social se evidencia com o fortalecimento das elites, e a ambição muito mais.
Frustra-nos, mais ainda, convivermos com a violência, o assédio e a vigilância preconceituosa.
Infelizmente continuamos assistindo a ação da polícia direcionada à repressão aos
negros, aos pobres, aos que levantam a voz por eles, abordagens repressoras que deveriam ter sido sepultadas
pelos oficiais.
28 de março de 1968:
ao tomar conhecimento de que estudantes organizavam uma passeata contra os
Estados Unidos, o general Osvaldo
Niemeyer Lisboa orienta a polícia a invadir o restaurante Calabouço, no Rio de
Janeiro, assassinando Edson Luís de Lima, desencadeando forte reação popular,
que, após vigília noturna na Assembleia Legislativa, acompanhou a marcha
fúnebre de sessenta mil pessoas rumo ao cemitério. Nas principais cidades do
País os protestos contra a barbárie impuseram um recuo momentâneo da repressão.
Em Fortaleza, na manhã de domingo seguinte, 31, foi realizada uma missa, em
memória do estudante, na Igreja do Carmo. Ao seu término, foram fixadas faixas
pretas, sob observação severa de policiais da 10° Região Militar, no que
resultou na dispersão dos enlutados.
Estudantes inauguram praça na Faculdade de Medicina e a denominam com o nome d colega morto no RJ. (Gazeta de Notícias - Acervo Lucas) |
Tribuna do Ceará junho 1968: choque na Praça J. de Alencar. (Acervo Lucas) |
24 de junho de 1968: estudantes, que desde o dia anterior
promoviam campanha contra o crime do Rio de Janeiro, concentraram-se na Praça
José de Alencar, iniciando uma passeata até a Praça do Ferreira, sendo
acompanhada pela polícia, que usava rádios para se comunicar. Aos gritos de
“Universidade para o povo” e “Abaixo a ditadura!”, portando faixas e cartazes,
fizeram o percurso de volta, e quando se posicionaram ao lado do busto de José
de Alencar, foram recebidos pela violência policial, que procurava a sua
dispersão. Em pleno final de tarde, quando os trabalhadores voltavam para suas
residências.
Fez-se uso de gás
lacrimogêneo, sendo que parte dos transeuntes saiu em socorro dos estudantes,
que apanhavam da polícia, como Antônio Juvenal Farias, ferido com dois tiros da
PM. Durante os espancamentos, que incluíram inclusive o fotógrafo Sabino
Henrique, do jornal Gazeta de Notícias, muitos correram para dentro do Teatro
José de Alencar, enquanto outros para o prédio ao lado, então Faculdade de
Odontologia, outrora Escola Normal. Os vitimados fisicamente foram encaminhados
à Assistência Municipal, inclusive PMs, alvos de coquetéis molotoves lançados
pelos estudantes e dos confrontos com populares indignados.
GN denuncia massacre, mostra estudantes correndo e repórter ferido . (Acervo Lucas) |
O Nordeste, abril 1964: Murilo Borges, prefeito-general afasta os "comunistas". (Acervo Lucas) |
Foram presos e
encaminhados ao DOPS trabalhadores, comerciantes e lideranças estudantis como
Milton Barreto, José Gonçalves, José Jair Monteiro e Bergson Farias, vice
presidente do DCE da UFC, este detido no hospital. Devido à gravidade, a UFC
decretou feriado no dia seguinte, diante de provável reação do meio acadêmico revoltado. Apesar da solidariedade
do Arcebispo de Fortaleza, Dom José Medeiros Delgado e dos Sindicatos dos
Jornalistas e dos Bancários, resultando na divulgação de documento de repúdio à
violência policial, Bergson Farias acabou expulso da Faculdade de Química pelo
Reitor Fernando Leite. Partiu naquele ano, com a crise social aprofundada pelo
A. I-5, para o Araguaia (TO), de onde desapareceu em 8 de maio de 1972, ferido em
combate. Levado para Xamboiá (TO), seu corpo, deformado após assassinado por
baioneta, foi pendurado numa arvora de cabeça para baixo.
Sobre esses tristes episódios da nossa história, contra o
advogado e Juiz do Trabalho aposentado,
Inocêncio Uchôa, presidente do Centro
Acadêmico de Direito em 1968:
“As torturas eram bárbaras: espancamentos, choques elétricos.
Independentemente da sua participação de esquerda, se estava na luta armada ou
não, a tortura era comum a todos. Muitos espancamentos, muitos choques
elétricos e muitas humilhações. A tortura não é uma sessão, é um período”. “Na
hora da tortura, eu olhava para os torturadores e não acreditava que aqueles
caras tinham a coragem de praticar tantas barbaridades. É tão inacreditável que
o ser humano seja capaz de praticar tantas barbaridades que você não acredita
que aquilo esteja acontecendo”.
Assistência médica a comunistas era proibido. TC Jun 1972. (Acervo Lucas) |
Em março de 1974, a
Polícia Federal prendeu, no Ceará, doze integrantes do Movimento Comunista
Internacional, entre os quais operários, estudantes secundaristas e professores
universitários, lutadores incansáveis pela democracia, como Francisco Auto
Filho e Nelson Campos. Jovens sonhadores que se reuniam às escondidas num sítio
em Pajuçara, pois seus direitos, e dos brasileiros, por liberdade, estavam proibidos.
Chamados de “subversivos”, tiveram seus nomes expostos à população como
criminosos, porque era crime pensar diferente dos poderosos, ter direito a uma
opção política, num País onde para se viver “em paz” não deveria contestar o
autoritarismo, tampouco denunciar a corrupção abafada. Naquele fatídico dia,
Gilvan Rocha, que se apresentava como Clóvis Tavares Pinheiro, conseguiu
escapar como “bandido”, sendo caçado pela Federal para prisão preventiva, junto
com sua companheira, Professora Ester Barroso Pinheiro, funcionária da
Delegacia do Ministério de Educação.
Correio do Ceará: Auto Filho, Gilvan Rocha e professores universitários são presos. (mar 74 - Acervo Lucas) |
Pode parecer
inacreditável, mas nos dias atuais, apesar de tantos avanços constitucionais
dos direitos do cidadão, vê-se uma polícia ainda repressora e vingativa,
obviamente não no seu conjunto, pois sabemos da integridade da maioria, mas
preocupante a participação de setores superiores do seu quadro em casos como a
“Chacina de Messejana” ocorrida no bairro do Curió em 12 de novembro de 2015.
Segundo o GAECO, Grupo de Atuação Especial de Combate às
Organizações Criminosas, à frente o Procurador Geral de Justiça do Ceará,
Plácido Rios e demais promotores, tratou-se ação de maneira planejada e
intencional, envolvendo cerca de 100 militares, protagonizada por 44 PMs, uma
vingança pela morte de um policial que resultou na execução sumária de onze jovens inocentes, além de sete
feridos a tiros. As entradas do bairro foram fechadas para que não houvesse
chance de defesa. Pessoas que se encontravam nas calçadas não tiveram tempo de
correr diante das balas atiradas pelos policiais encapuzados, que foram
identificados através de conversas pelas redes sociais, telefonemas ou rádios
de comunicação. Ou seja, o crime se tornou tão banal que bandidos, civis ou
militares, não se intimidam em comentar sobre ele. Presos recentemente no
quartel 5° Batalhão, os evolvidos têm recebido a solidariedade de colegas,
alegando falhas nas investigações. Mais preocupante
foi a posisão de um deputado militar, candidato à Prefeitura de Fortaleza,
reclamar da conclusão do inquérito em plena campanha, ao que parece duvidando
da intenção do Ministério Público. Não vimos, entretanto, a sua posição a
respeito dos responsáveis pelo atentado que chocou o Estado.
7 de Setembro de 2016: Flagrante da PM na Beira mar revolta a sociedade. Foto Kid Junior (Diário do Nordeste) |
7/9/2016: por volta das 16 horas, manifestantes começam a se
aglomerar no aterro da Praia de Iracema, no Dia da Independência, num ato
contra o presidente recém-eleito indiretamente, Michel Temer. Por todos os dias
de conclamação para o evento, via redes sociais, orientava-se para um
comportamento pacífico e atenção para prováveis infiltrações. Conforme o jornal
Diário do Nordeste, há noite, as 20 mil pessoas que participavam ordeiramente da
defesa do direito da liberdade e respeito à Constituição, começaram a se dispersar,
após caminhada até o anfiteatro da Volta da Jurema, sendo surpreendidas com a
chegada brusca da polícia. Equipes do BPRaio e do Ronda do Quarteirão encararam
as pessoas presentes no calçadão, cearenses e turistas, fazendo uso de spray de
pimenta e bombas de efeito moral, detendo inocentes e ferindo indefesos como um
fotógrafo do O Povo. A reação da sociedade veio de organismos como a OAB,
Secção Ceará e da Defensoria Pública Geral exigindo imediata apuração e punição
aos policiais que se excederam.
Conclui-se que fatos
dessa natureza vão além do preparo policial, que de fato passa por jornadas de exercícios
e aulas, procurando a defesa do cidadão, desde que não cruze com um esquerdista.
Uma história aberta em jornais e livros mostra que, independente do governo ao
qual é subordinado, o Brasil não superou o ódio e preconceito às pessoas que
têm um pensamento socialista. Não importa se chamados de “comunistas”, “agitadores”,
“subversivos” ou “baderneiros”, parte da sociedade tem complexo por isso. São
cidadão que têm direito de difundir suas ideias.
Por traz de tudo está
o militarismo atrelado ao capitalismo dos Estados Unidos e seus interesses
econômicos (vide o pré-sal), danando-se a luta das classes estudantis e
operárias por uma vida digna e desatrelada da elite fascista que se perpetua no
poder. A desculpa de “mensaleiros” e do “petrolão” não encobrirá a corrupção
que a história não pode contar, pois a ditadura militar e seus filhos fecharam
os cadeados da realidade. Foram-se o Bergson, os meninos do Curió e tantos outros,
barbaramente, mas acima de tudo sempre existiu a esperança, e como ela é interna,
guardada no âmago, invencível, jamais se apagará a chama da liberdade.
Fontes:
“Foi Assim - O Movimento Estudantil no Ceará de 1928 a 1968” (Braulio Ramalho).
Jornais Gazeta de Notícias e Tribuna do Ceará (1968); O Povo e Diário do Nordeste (2016).