quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Esboço Histórico de Trairi CE. Vol I. Até 1799

Por João Batista Santiago e J. Lucas Jr

Apresentação



Destacamos neste primeiro volume o princípio do povoamento branco em uma terra de formação indígena, compreendendo o período entre a presença humana no Brasil à separação administrativa de Pernambuco, em 1799, quando o Ceará tornou-se independente, com foco em Trairi.

Acesso às fontes desses fatos históricos talvez possa ser simples em se tratando do conjunto, da história dos desbravamentos marítimos, das primeiras expedições, das tentativas de povoamento de uma capitania abandonada, debruçada em batalhas entre índios e invasores estrangeiros. Mas em se tratando especificamente de Trairi o trabalho não foi fácil.

Lendo sobre o histórico município cearense, constatamos, diante dos contos orais, uma relação amistosa entre os povos primitivos e europeus; a chegada de uma rica portuguesa após uma tempestade, uma súplica ante a eminencia de um naufrágio com a promessa de construção de uma capela onde ancorasse. 

Sua chegada, salva, e consequente deslocamento pelos morros desertos em busca de ajuda faria sentido se a maioria dos índios não morasse naquela faixa litorânea, com vários pontos de observações, devido aos morros colossais . Quem sabe, porém, os próprios a transportaram ao rio Trairi, dependendo da  amabilidade e das caridades econômicas (presentes) da náufraga.

Por sua vez, este registro procurou analisar as datas das sesmarias, e outras, além dos seus protagonistas, a fim de se posicionar sobre o fato. Em Trairi, a primeira tentativa de concessão de terras ocorreu em 1706 pelo tenente-coronel Estêvão Vicente Guerra, que faleceu em 1711 sem o título da terra, certamente por não cumprir as exigências, principalmente a de estar presente e viver nela. Então, a sua esposa, Maria Furtado de Mendonça, requereu as ditas propriedades em 1725, partindo para a sua posse imediatamente após a legalização.

Com o passar dos anos, carecendo o povo de instrução e de fontes escritas, contou a história oral que Dona Maria Furtado encontrava-se negociando com as Índias Ocidentais quando, por acaso, após a tempestade, foi parar entre Flecheiras e Guajiru, coincidindo com as terras tratadas nas sesmarias. 

Mas, caso esse naufrágio tivesse ocorrido antes ou no ano de 1706? Ela teria no máximo dezenove anos, seria muito amadora, diante de navegações arriscadas, para se envolver em comércio marítimo, até porque as Índias Ocidentais, criadas em 1621 pelos holandeses, assassinaram seus dois tios-bisavós frades franciscanos, como destacamos no livro. 

Os primeiros registros que encontramos da Capela de Nossa do Livramento são de 1727/28. O período seria muito longo para pagamento de promessa por uma religiosa como Maria Furtado de Mendonça, que adotou o nome de beata, Maria de Jesus e José.

Respeitando o outro lado da história, diante da atenção que o pesquisador deva ter, e por isso não descartamos a hipóteses de naufrágio, esta opinião dos autores tem como parâmetro o estudo de fontes históricas escritas. 

Com base neles, descrevemos, cronologicamente, o máximo de acontecimentos, como o povoamento discreto e distante da futura sede; os casamentos, batizados de escravos, comércio, famílias coronelísticas e escravagistas, e principalmente a importância que já tinha o templo, embora simples, de Nossa Senhora do Livramento, pertencente à Diocese de Olinda PE, mas capela imponente como o Forte de Assunção.  Portanto, para Trairi seguiam, com terços às mãos, as senhoras fiéis do Curral Grande ao Aracatiaçú; do Curu e Tururu ao Paracuru.



Capítulo 1. Há algo sobre Trairi e a Pré-História?



 Antes de apontarmos quaisquer indícios que marcaram fatos ou passagens do homem pré-histórico por Trairi, o que indiscutivelmente aconteceu, consideramos oportuno reeditar pequenos trechos sobre os períodos da história da humanidade, especificamente da Pré-História.


1.1. Período Paleolítico.


O primeiro e mais extenso período que se conhece da história da humanidade foi o período “paleolítico”. Nele, surgiram os primeiros hominídeos antepassados do homem moderno.

Com o desenvolvimento da mente e acumulação de experiência e conhecimentos, os homens primitivos foram aperfeiçoando seus instrumentos, utensílios domésticos e armas, suas técnicas e meios de subsistência. Também sua vida em sociedade, suas atitudes e hábitos sociais, como a vida familiar, a vida em grupos, a participação coletiva, introdução de cerimônias religiosas, aperfeiçoaram a arte, o artesanato, passaram a construir casas e abrigos, descobriram o fogo e inventaram os meios de comunicação e transporte.

Esse período também ficou conhecido como a Idade da Pedra Lascada.


1.2. Período Neolítico.


Também chamado Idade da Pedra Polida. Começou em 10.000 anos antes de Cristo e terminou em 6.000 anos a.C. Houve nesse período uma predominância de instrumentos feitos de pedra lascada e polida. Destacou-se um intenso crescimento da agricultura, acompanhado da pecuária e aumento da população.


1.3. Idade dos Metais.


Último período da Pré-História: 6.000 a 4.000 anos antes de Cristo. Foi marcado pela invenção da escrita. Durante o seu desenvolvimento o ser humano adquiriu seus primeiros conhecimentos sobre a técnica de fundir, ou derreter metais. Processo que se chama metalurgia.


1.4. Sítios arqueológicos comprovam presença humana em Trairi.


De todas as etapas ou períodos da pré-história, os elementos que nos comprovam terem existido a ocupação de grupos humanos diversos e sua evolução desde o passado remoto, são as descobertas de vestígios e fosseis.

No Ceará, de acordo com dados do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), existem pelo menos 582 sítios arqueológicos, cuja área mais rica de descoberta de antigos povos que viveram no Estado é a litorânea, onde está concentrada a maioria desses sítios. Sendo que, o mais antigo registro de ocupação humana no Ceará foi encontrado nas dunas de Sabiaguaba, em Fortaleza.

Trairi, com cerca de 35 quilômetros de litoral e muitas dunas, certamente contém sítios ainda não conhecidos, além dos poucos que já foram descobertos.

Não temos como apresentar comprovação sobre que tipos grupais de homens pré-históricos habitaram Trairi. Porém, evidentemente que não duvidamos da passagem deles e até permanência em nossa terra em determinados períodos da pré-história, com base na teoria sobre a origem do homem americano e brasileiro, segundo a qual, o ser humano chegou ao Continente Americano, vindo da Mongólia e Sibéria, na Ásia, atravessando uma ponte de gelo ou terras emersas na região do Estreito de Bering, entre os Estados Unidos e a Rússia. Isso teria ocorrido a cerca de 20.000 anos, segundos os pesquisadores.

Outros afirmam que grupos humanos já estavam aqui há 12.000 anos. Trabalhos mais recentes mostram que a há 10.000 anos o Brasil não era um deserto de gente. Diferentes povos já haviam se espalhado em todas as nossas regiões, sobretudo no Nordeste. Claro que essa presença humana no Nordeste brasileiro também marcou nossa terra, provavelmente de uma forma nômade.


1.5. Vestígios em Trairi.


Não há movimentos organizados nem pelo poder público, nem pela sociedade, para fazer busca e estudar os vestígios deixados pelos seres humanos pré-históricos. Sabe-se, no entanto, que a partir dos últimos 11.500 anos, com destaque maior a partir do início da história há 4.000 anos, foi marcante a presença de grupos indígenas no Vale do Curu.

No breve histórico das descobertas arqueológicas no litoral do Ceará, de responsabilidade do Núcleo de Estudos de Etnologia e Arqueologia (Neea) da Universidade Estadual do Ceará, encontra-se registrado o seguinte: 

“Concentrações mais significativas foram evidenciadas no litoral oeste, em sítios localizados nos municípios de Paraipaba e Trairi, a 90 e 110 quilômetros, respectivamente, da cidade de Fortaleza. Os grupos pré-históricos que ocuparam o trecho relacionado à atual Paraipaba, precisamente a praia da Lagoinha, deixaram como testemunho de sua presença extensas oficinas líticas de lascamento identificadas pela presença de produtos residuais desta atividade como lascas, fragmentos, pequenas estilhas, além de instrumentos que são caracterizados pela persistência do fino acabamento como se verifica nos raspadores distintas formas exemplificados pelos plano-convexos (lesmas), os circulares ou semicírculos, além de lâminas, furadores de ombro e uma diversidade de facas e pontas.

A singularidade dos materiais arqueológicos identificados em Trairi, nas proximidades do rio do mesmo nome, é representada pela ocorrência de sítios arqueológicos pertencentes a grupos ceramistas que habitaram essa região. As informações arqueológicas vão de encontro às informações históricas que apontam o espaço atual como um território circunscrito na área da antiga aldeia do líder Cobra Azul" . 

Essa conclusão está na tese de Doutorado do arquiteto Clóvis Ramires Jucá Neto, de 2007, pela Universidade Federal da Bahia.

Outros vestígios identificados em Trairi, precisamente na comunidade  Boa Esperança, por ocasião do preparo da terra para o plantio da mandioca, são representados por grandes vasilhas cerâmicas de paredes grossas, decoradas em vermelho, marrom e branco, tratadas particularmente com a técnica do alinhamento e, em menor proporção, do polimento. Materiais arqueológicos com essas características tem sido atribuídos aos grupos tupi que habitaram à Zona costeira do nordeste brasileiro. Além dessas significativas concentrações de sítios arqueológicos, evidenciados nestes municípios da costa ocidental cearense, já foram identificados concentrações esparsas nos municípios do litoral leste como Icapuí, Beberibe, Cascavel, Aquiraz, nas proximidades de Sabiaguaba, em Fortaleza, e nos municípios de Camocim, Acaraú, Itarema, Itapipoca e Caucaia, localizados no litoral oeste.

Destaque-se ainda, que em 2016, conforme publicado no Jornal O Povo, através de uma matéria especial enviada pelo professor Célio Alves Ribeiro, ocorreu a descoberta de um Sítio Arqueológico em Mundaú, assim editado: “Sob as areias das dunas de Mundaú, praia do município de Trairi (a 150 quilômetros de Fortaleza), um novo Sítio Arqueológico do Ceará foi identificado a cerca de um mês. Moedas do ano de 1860, um machadinho, vasos de cerâmica, cachimbo, pedras talhadas e até parte de um crâneo.

Trairi ainda tem muito a explorar no que se refere a vestígios, fósseis e sítios arqueológicos. Necessita, todavia, nas atuais circunstâncias, que o Poder Público Municipal priorize e invista nas pesquisas correspondentes. Esta ação, sem dúvida traria à nossa terra inestimáveis benefícios, entre os quais, identificar nossa verdadeira origem no passado.

      

Capítulo 2. Os índios de Trairi.


2.1. Tarairiús.


Como destacamos, o princípio do povoamento de Trairi remonta à época da chegada dos primeiros aborígenes nas Américas, período não preciso pelos historiadores, uma vez que ainda se questiona os trajetos e as épocas em que imigraram de outros continentes, notadamente da Oceania. Sabe-se, contudo, que seus índios descendem dos tarairiús, o grupo característico do Nordeste brasileiro, a princípio nômade, praticante da caça, flecheiro, cultivador da agricultura, fortemente difundido pelo europeu como tapuias.

Dos tarairiús, no Ceará, encontramos os kanindés, jandoins, tremembé, paiacus, jenipapos, jenipapoaçus, javós, camaçus, tocarijus, arariús ou irariús, e os xucuros, ou xocós, quase todos extintos.

Os holandeses, a partir de 1637, grafaram os tarairiús como tarairyou e tararyuck, que, como citamos, eram as subnações dos jandoins, estes jaguaribaras, e dos kanindés, ambas enormes. Confundidos com os cariris, falavam língua travada. Tinham o costume de comer assado, ou seus ossos muídos, os parentes mortos para que estes tivessem sepultura condigna, segundo relatou o padre jesuíta Luiz Figueira em Relação do Maranhão.

Artistas da cerâmica dormiam em redes e eram hábeis nadadores. Isso é perfeitamente compatível aos costumes tremembés e, por conseguinte, aos anacés, que eram os habitantes genuinamente daquela região, em direção ao Maranhão, cuja história se resume em mortes via genocídios ou em expulsões durante o povoamento pernambucano, nos séculos XVIII e início do XIX. 


2.2. Pitiguaras e Anacés.


Os tremembé, predominantes no Maranhão, dominaram o nosso litoral e eram exímios pescadores. Esses índios de Trairi com o tempo passaram a ser denominados “pitiguaras”, uma caracterização dos potiguaras, fugitivos da Paraíba e Rio Grande do Norte, liderados por Jacaúna, por conta dos massacres dos europeus. Portanto, vício de linguagem por questão de pronúncia.

Entre os grupos expressivos descendentes dos tapuias, os primitivos e sem influência dos brancos, já misturados com os tupis (potiguaras) e com a singularidade da cultura e da língua, os anacés justificam plenamente a constituição de uma família ético-linguística que compreende todas as tribos que se expressavam na mesma linguagem dos jandoins (região jaguaribana), por exemplo, ou outro dialeto, ou seja, a formação dos tarairiús. Sua resistência, em Caucaia e em São Gonçalo do Amarante, mesmo diante dos agravantes das perseguições, evidencia a história secular da raça originária cearense, em meio a mártires anônimos, em defesa da sua posse, do seu sustento, das suas terras.

Todo a “Ribeira do Curu” era dominada por tribos e elas mantinham a sua cultura, inclusive em se tratando de artesanato. Machados encontrados em Itapipoca, entre 5,45 Kg a 20 kg de massa (peso), tinham formas variando de acordo com os pesos. Uns de formatos ovoides, poligonais, cilíndricos ou triangulares, outros achatados, de bordas laterais, ora cortantes ora arredondados. Eram usados para as guerras, porém, por outro lado, de maneira simbólica e ornamental, ou a trabalho como desmatamento e lavoura. Somado aos achados em sítios arqueológicos em Trairi e Mundaú, comprovados pelo Iphan, citados no primeiro capítulo, todas as evidências levam a uma região genuinamente ligada às origens do Ceará.




Capítulo 3. Antes e depois de Cabral.



Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, em 22 de abril de 1500, como aprendemos na escola, no sul da Bahia, os espanhóis não apenas já haviam avistado como pisado em terras brasileiras, no Nordeste, e, no nosso entendimento e de vários historiadores, no Ceará.

Em 1494, o papa Alexandre VI reverenciou um acordo para pôr fim à disputa referente às conquistas marítimas entre Espanha e Portugal, com o Tratado de Tordesilhas, segundo o qual haveria uma linha imaginária a 370 léguas de Cabo Verde como referência, onde seu território, primeiro a leste, pertenceria a Portugal.

Na época de Cabral, partiram três expedições de Palos, Espanha, uma sob comando de Alonso Hojeda, auxiliado por dois dinâmicos cartógrafos: Américo Vespúcio (italiano) e Juan de la Cosa, autor dos primeiros mapas da costa brasileira, ainda que imprecisos; outra à frente Vicente Pinzón, e a de Diogo de Lepe.

Pinzón, seus dois irmãos e la Cosa participaram da famosa esquadra do genovês Cristóvão Colombo, em 1492, rumo à América do Norte, segundo o historiador Caldeira sabedores dos seus destinos, que não para as Índias. E embora os reis de Castela os proibissem de aportar, não os impedia de se abastecerem, notadamente com madeiras. Assim, fato e lógico concluir que praticamente todos pisaram em “terras estrangeiras”.

Segundo vários historiadores, como Mártir e Mõnoz, no dia 26 de janeiro de 1500 Pinzón desembarcou no Ceará, aguardando até o dia 2 de fevereiro para denominar o local de Santa Maria de la Consolación, dia da purificação de Nossa Senhora. Seguindo na direção sudoeste, a 3,5 graus ao sul do Equador, conforme orientação da Coroa, os espanhóis procuraram contornar o litoral poente cearense, entre as fozes do Rio Pará (Curú) e Mundaú, evitando as correntezas do norte, contrariando vaga presunção de um mapa confuso de la Cosa, que indicava o Cabo Corso (Icapuí), quase na divisa com o Rio Grande do Norte.

Em 4 de fevereiro de 1500, Pinzón estava no Mucuripe, morro de Fortaleza, onde o almirante fincou uma cruz, a quem deu o nome de Rostro Hermoso. Dias depois, Diogo de Lepe foi testemunha desse humilde e histórico monumento.

Em “Protohistória Cearense”, de Pompeu Sobrinho, um pouco sobre a persistência europeia pela exploração do solo nordestino após a chegada de Cabral.  No início de 1501, o rei de Portugal, Dom Manuel, preparou duas modestas expedições, com destinos aparentemente mercantilistas. Uma sob comando do fidalgo João da Novame, e outra a frente André Gonçalves, com os navios Quatuor Navigationes e Mundus Novus, respectivamente, para reconhecer as costas da Terra de Santa Cruz e enfrentamentos com nativos.

Partiram do Tejo em 10 de maio e de Lisboa no dia 14 seguinte, com parada programada em Dacar, na África, segundo o documento redigido pelo navegador italiano Américo Vespúcio, convidado por Portugal para a empreitada quando estava em Sevilha, capitaneando o Lettera, o que consagraria a sua terceira navegação à América. Após forte tempestade, o florentino, independente, seguiu na direção da Linha do Equador, aportando em 17 de agosto em local identificado como Curumicoara pelo citado pesquisador cearense, segundo ele a “Enseada do Parazinho”. Nessa bela barra, a tripulação desceu e recuou após avistar habitantes. Pisou na terra no dia seguinte em busca de mantimentos, contentando-se com água, apenas, a fim de evitar o confronto com os índios que os observam dos morros.

Os brancos jogaram quinquilharias, como espelhos, a fim de um contato amistoso nos dias seguintes. Foram recebidos a flechas. Na correria, conforme escreveu o comandante, um jovem que ficara para trás foi morto e sua carne “comida assada”, no que Pompeu Sobrinho qualificou como inverossímil.

Analisando as cartas náuticas, o historiador Tristão de Alencar Araripe, natural de Icó CE, e relacionando distâncias, focando-se na longitude e na latitude, sustentou o local (Curumicoara) como Mundaú, no Ceará. Portanto, 17 de agosto de 1501 caracteriza-se como uma data histórica. Embora saibamos que era costume a presença de estrangeiros, a citação em documento de viagem marítima coloca o atual município de Trairi como o primeiro local a ser pisado no Ceará pelos europeus, quiçá o vizinho Paracuru (defendido por Pompeu Sobrinho), este com comprimento litorâneo bem inferior em relação ao outro, a quem pertenceu, assunto para adiante.




“...pois diz que, nas ditas expedições (de Vespúcio), avistara terra a 17 de agosto de 1501, a 150 léguas do Cabo de Santo Agostinho, embora dê errada a latitude para essa distância; e a ser assim deveria essa terra jazer na costa do Ceará, no sítio Mundaú, que fica em três graus e meio ao sul do Equador”. (Tristão de Alencar Araripe).

“Nos mapas quinhentistas mais antigos, já a toponímia e as inscrições descritivas atestam os lugares de leição para semelhantes atividades. O mapa de Juan de la Cosa, confeccionado no trecho em análise segundo os informes das expedições de Pinzón e de Lepe (1500), registra a costa de arboledos entre os estuários dos rios Mundaú e Aracatiaçu, mais ou menos onde Reinel, em 1516, localiza a “terra da pescarya”, que também se encontra anotada no mapa de Descaliers, “tierre de pescacherie” e em vários outros”. (Pompeu Sobrinho).

Observação: Pinzón (Vicente Pinzón); Lepe (Diogo de Lepe); Reinel (Pedro Reinel).

“G dos Parcéis”, que, pela posição relativa e denominação indicativa da presença de parcéis, tanto pode ser a enseada do Mundaú como a sua vizinha das Flecheiras. Continuando para leste, o mapa regista o “G. dos Negros”, que deve ser a enseada do Parazinho, ou melhor, a Curumicoara”. (Pompeu Sobrinho sobre um mapa de Fernão Vaz Dourado, 1580).

 


Capítulo 4. Mundaú na História. 



Muitos historiadores procuraram escrever, com o máximo de atenção e consequentes comprovações, o curso do nosso passado. Pompeu Sobrinho, porém, aparece como o mais lógico. Além da presença humana, concentrou-se na natureza, no contato com o meio ambiente e nos estudos detalhados sobre os índios e os “invasores”, como os holandeses. Com isso, disponibilizou dados sobre Mundaú.

Com salinas naturais e uma enseada perfeita para porto. No leito do seu rio, fugindo da proibição de contato com o Brasil por conta do Tratado de Tordesilhas, os holandeses escondiam seus navios. E mesmo na época das sesmarias, concessão de terras a portugueses e aos seus descendentes, onde os agraciados dificilmente apareciam, por ali ancoravam.

Em carta de 1612, Diogo de Mendonça Furtado, governador geral do Brasil, citou ao rei as características da enseada, a qual escreveu como Mondahu, a primeira citação sobre a localidade, o mesmo nome usado em sesmarias nos anos de 1682, 1683, 1694 e 1706, ficando consagrado, na mudança ortográfica do século XIX, Mundahú e o outro Trahiry. Antes da correção ortográfica do século XIX, Trairi se escrevia como hoje, e às vezes com dois pingos sobre o último “i”, ou com a troca por “y”: Trayry.

E sobre o rio, era geralmente confundido com outros vizinhos a ele, inclusive com o Riacho das Frexeiras, grifado como Molytatuba ou Mondeituba, o que nos parece relação entre mundaú e tatajuba.

Na corrida por um território propício para variadas áreas econômicas, ali se acomodaram as primeiras famílias oriundas de Pernambuco e de origem portuguesa, no século XVIII, como os Ferreira da Cunha, que introduziram canaviais, condição para obtenção de terras, e assentamento de um porto para o exportação de sal e da produção agrícola da Uruburetama, tendo como foco o algodão. Somente no século seguinte, tardiamente, um pequeno comércio de charque.

Descreveram os holandeses sobre o nome Mundaú:  K. Resenlaer, “Pendahug”, em 1628; Hondius, “Mondahub”, em 1636; Laet, “Mendahug”, e Santa Tereza, “Mundahug. Já o brilhante historiador Paulino Nogueira traduz a palavra como “Rio Tortuoso”, sendo “mondé" armadilha e “hu” rio. Nasce na Serra da Uruburetama e desemboca na foz homônima.



Enseada do Macurive: Apesar dos nomes comuns, não é possível fazer esta enseada corresponder a do verdadeiro Mucuripe. Do Aracatiaçu ao Mucuripe, pelo mar, vão 96 milhas. Isto é, de fundeadouro, cerca de 26 léguas, que, de fato, se não podem coadunar com as onze datas pelo cronista. Esta última distância nos levaria apenas aproximadamente à enseada das Frexeiras ou do Mundaú. Não obstante a discordância ser maior, preferimos identificar essa enseada como a de Mundaú, em vistas de ser maior e comportar bom surgidouro e abrigo para os navios daquela época; "A enseada do Mundahú é boa para qualquer navio ancorar bem aomeio della", dia CollatinoMarques em 1883. (Pompeu Sobrinho. “Protohistória Cearense”)





Capítulo 5. A Primeira Bandeira Cearense.



A criação da Capitania do Siará Grande, em 1535, não introduziu quaisquer vantagens aos seus poucos moradores. Por ali o seu donatário, Antônio Cardozo de Barros, não apareceu e às terras a mercê dos estrangeiros. Apenas décadas depois algo relevante deu origem às tentativas de colonização.

Proposta de uma bandeira (expedição) por Frutuoso Barbosa, governador da Paraíba, e seus conselheiros ao governador geral do Brasil, Diogo Botelho, em vista notícias de riquezas além do Rio Grande do Norte, e consequente incursão ao Maranhão, passando pelo Ceará, de onde se partiria a pé rumo ao norte, foi aceita e posteriormente relatada por escrito.

O capitão-mor Pero Coelho, cunhado de Frutuoso Barbosa, com seus 65 soldados e cerca de 200 índios, teria estacionado os três navios na Barra do Ceará, rio chamado pelos índios de Piranji, e dali até a “Enseada do Âmbar”, ou “do Parazinho”, entre Trairi e Paracuru, em 1603, onde fez amizade com o líder indígena Jacaúna. Entre os soldados, o jovem português Martim Soares Moreno.

Documentos do século seguinte revelam que tais terras pertenciam, na época, a Trairi devido às presenças, primeiramente, dos portugueses entre o Soure (Caucaia) e o rio Aracatiaçu, além de forte influência dos católicos povoadores, pernambucanos, junto ao bispado de Olinda, ao qual eram subordinadas as freguesias cearenses. Indicam o povoamento em torno dos templos católicos entre Siupé, onde os portugueses fundaram a capela de Nossa Senhora de Soledade, até São Bento de Amontada.

Liderava os índios do Parazinho o cacique Acajuí, cuja tribo era acolhedora e por sua vez colaboradora para com os portugueses e seus interesses de se chegar à Serra da Ibiapaba e de lá ao Maranhão para investigar a presença de franceses e as riquezas minerais locais. Caminharam pelo litoral dos índios tremembé, aparentemente sem resistências, até o rio Camocim e a partir dali uma difícil e fracassada jornada ao topo da Ibiapaba, onde confrontos com os franceses impuseram o retorno à Barra do Ceará pelas praias cearenses.

Outra corrente de historiadores defende o primeiro desembarque da bandeira de Pero Coelho na foz do Rio Jaguaribe. De lá, a pé até o Parazinho e pelo sertão até a Ibiapaba, rota de ida seguida em 1607 pelos jesuítas Francisco Pinto e Luiz Figueira, saídos do Recife e caminhando ao Ceará desde Mossoró. Nesse caso, o chefe indígena seria Cobra Azul, de quem os brancos desconfiavam de feitiçarias. Sua aldeia provavelmente se localizava em Boa Esperança, entre os morros e o rio Trairi, conforme entendemos pelos relatados do Pe. Luiz Figueira em Relação do Maranhão, de 1608, e das urnas encontradas durantes escavações a partir da década de 2000.


Capítulo 6. A conquista do Maranhão e o abandono do Ceará.



Em Fortaleza, o forte de São Sebastião, de madeira, fundado brevemente por Martim Soares Moreno com a ajuda dos aliados de Jacaúna (e provavelmente dos índios de Trairi) a 20 de janeiro de 1612, é um marco na história do Ceará pelo caráter de tentativa de conquista efetiva pelos portugueses. Não se consolidou como a concretização da colonização cearense proposta pelo governador geral por conta da visão desprezível e subalterna da parte do El-Rei.

Um ano após, eis que Moreno partiu, ao lado de Jerônimo de Albuquerque (Filho), capitão-mor do Rio Grande (RN), fundador de Natal, para a jornada no Maranhão, onde se tornaram heróis após novos embates contra os franceses. Entre outras paradas, Trairi foi ponto de apoio e de recruta se guerreiros. Certamente foi ele quem enviou para o governador geral os detalhes sobre Mundaú.

A capitania cearense, apesar de ficar em mãos de governantes, Estêvão de Campos (tio de Moreno), Manuel de Brito Freire e Domingos Lopes Lobo, consequentemente, apresentou mais um período de abandono.

Nesse período de pouca atenção de Portugal, destaca-se a carta de doação, por dez anos, da Capitania do Ceará, a Martim Soares Moreno. Por conta de tarefas no Recife, onde morava, só assumiu em 23 de setembro de 1621, como capitão-mor do Ceará, sendo recebido com festa nas aldeias do litoral. Ele que, como primeiro governante após a frustração de 1612, procurou vigiar a costa através da parceria com os índios, e ir atrás das riquezas, como as pratas, para com elas a obtenção de recursos financeiros para a capitania. Mas, diante da administração do vizinho Maranhão (1621 - 1680), os retornos eram mínimos, prevalecendo a miséria e a fome, e consequente deserções militares e insatisfações do clero.

Moreno, que anteriormente procurou tornar a Barra do Ceará local da presença portuguesa, com um forte (1612), uma ermida e o padre Baltazar como vigário, seguido de coadjutores, muito mais que um executivo, era militar, tendo que partir novamente, em 1631, para batalhas contra “invasores”.

Não foi valorizado a contendo, conseguindo poucos retornos dos superiores diante das recorrentes cartas com súplicas aos problemas do Ceará.  Após o seu falecimento, por volta de 1649, o litoral cearense tornou-se campo aberto para a exploração por outros europeus.

Os índios atentavam para outra bandeira nos mastros dos enormes veleiros com mais de quarenta canhões; o mar estava livre para os neerlandeses, que pelas aquelas terras aportavam desde 1637, na época em que se vivenciava o “Brasil Holandês”.


Capítulo 7. Terras para os brancos.



“Em benefício da povoação e lavoura das terras do Brasil, as dessem de sesmarias a todas as pessoas que, com mulher e filhos, viessem para qualquer parte do Brasil”. Após a restauração da independência de Portugal da Espanha, o rei D. João IV, em alvará de 8 de dezembro de 1650, determinou concessões de nossas terras. Porém, as mesmas eram praticadas desde 1554, regidas por legislações imprecisas, favorecendo as suas ineficácias. Ou seja, ganhavam-se léguas de terras e nelas os seus proprietários não apareciam.

A fim de conter tais abusos, Cartas Régias orientaram ordenações dos tamanhos das concessões com objetivo de “ficar lugar de se acomodarem outros pretendentes de igual merecimento”. Isso atraiu mais interessados, que nas observações dos requerimentos geralmente mencionavam o sesmeiro de origem como “defunto”, “não povoou” ou a propriedade como “terras devolutas”, em face que não cumpria os objetivos exigidos pelo rei.

Fato que, na época do Ceará subordinado a Pernambuco (1681 - 1799) atraiu-se muitos lusitanos, sendo, no caso específico do Ceará, em maioria formada por famílias de portugueses que se fixaram em Pernambuco, capitania que administrava os cearenses. Tratando-se de Trairi e da “Ribeira do Curu”, especificamente  Itapipoca e Amontada, destacavam-se os oriundos do Arcebispado de Braga e das ilhas dos Açores, da Madeira e residentes em Ipojuca, Olinda e Goiana, em Pernambuco, como comprovam os livros e documentos consultados.

As sesmarias eram outorgadas “mediante pedido escrito em que o pretendente declarava o seu nome ou do beneficiário, o lugar de sua moradia, localização geográfica da terra solicitada e o objetivo que tinha em mente, este, em geral, na região nordestina, visando a criação de gado” (Raimundo Girão). Sobre as terras de Trairi, as expedições de suas cartas foram feitas por capitães-mores, destinadas aos governantes de Pernambuco e por sua vez ao rei.

Após a Resolução de 17 de julho de 1822, dando findadas as sesmarias, ficaram os registros daqueles que, com muita facilidade e generosidade das autoridades amigas, poderiam, hoje, ser donos de um município de grande área. No Ceará, o líder dos Inhamuns, coronel Lourenço Alves Feitosa, por exemplo, foi o maior contemplado, com vinte e duas sesmarias.

Trairi estava no rol dos primeiros casos no Ceará. Inicialmente, as sesmarias foram concedidas no Mundaú e imediações, terras concorridas devido à localização privilegiada e propícia a porto e salinas. Favoreceram a um grupo de quinze pessoas, a começar por Manuel Pinto Correia, entre os quais quatro mulheres.  Todos sem pisar nos sítios, que iam até o Acaraú.

Conforme os livros de Sesmarias do Ceará, sob as guardas do Arquivo Público do Estado e publicado por historiadores como Thomaz Pompeu Sobrinho, Estêvão Vicente Guerra foi o primeiro sesmeiro do rio Trairi. No livro volume 2, número 103, de 12/03/1706, alegando “riacho deserto e desaproveitado”, solicitou três léguas das terras do rio Trairi “a começar a água salgada para cima”. Na mesma data, no volume 6, número 421, ele complementou: “principiando onde acaba a água salgada” e “o Trairi estava então deserto”. Ano em que a Câmara de Vereadores de São José de Ribamar se localizava na Barra do Ceará até 1713, quando foi transferida para Aquiraz.

Já em 04/04/1725, com 19 anos, a viúva de Estêvão Vicente Guerra (falecido durante a Guerra dos Mascates, em Pernambuco, em 1711), Maria Furtado de Mendonça, pernambucana e com 33 anos, conforme registra o volume 11, número 134 do livro, solicita “as terras que correm da água salgada para cima, até encontrar com a água doce do rio Trairi até topar com as terras que se supõe de José Fernandes, que não as povoou”. Duas léguas e meia, ou seja, tamanho inferior à concessão anterior a seu marido, embora se suponha a mesma propriedade.

Antes, em 20/05/1718, José Fernandes Manuel Rabelo, alegando que morava a três léguas da barra do rio Trairi, também reivindicou terras. Certamente trata-se do citado “José Fernandes” por Dona Maria Furtado.

No volume 4, número 116, de 10/10/1738, a concessionária Maria Furtado de Mendonça, comprovada moradora de Trairi, alega que seu falecido marido, embora beneficiário há trinta anos do Sítio São Domingos, em Acaraú, por ter-se perdida a data e consequente traslado para o livro de terras, solicita a regularização em seu nome das três léguas de terras. Portanto, Estêvão Vicente Guerra teria sido sesmeiro em Acaraú, porém não houve o registro legal.

Manoel de Moura Rolim (Junior), morador dos primeiros canaviais de Trairi, propriedade de herança da família, foi outro sesmeiro, como indica o livro 8, número 610, de 09/01/1786, onde pede a confirmação de posse de meia légua de terra e promete deixá-la de herança à Nossa Senhora do Livramento, segundo testamento em posse de Tomé Ferreira Chaves, sobrinho de dona Maria Furtado de Mendonça e que teve uma irmã com o nome da prestigiada tia. Houve a concessão, sendo a mesma, com a citada promessa, documentada em cartório, muito tempo depois, como doação das terras à Nossa Senhora do Livramento, certamente sob orientação do coronel Antônio Barroso de Souza (II).

Voltando às terras do rio Mundaú, do lado proveniente ao atual município de Trairi, constatamos duas sesmarias: no volume 4, número 198, de 15/01/1707, onde Custódio Mendes de Oliveira reivindica três léguas de terras no “Riacho Fleixeiras” pela costa abaixo do sul, buscando o norte, a entestar com o rio Mundaú”; e no volume 6, sem número, de 20/01/1718, concessionários João de Sá, Brandão de Oliveira Pinto e João Gomes da Silva citam “o Riacho Mundaú, perto da aldeia dos anacés”. Essa aldeia, portanto, conforme os sítios arqueológicos existentes, indica a provável presença de lideranças e descendentes indígenas destacados por autores cearenses como Jacaúna e Poti, mais Cobra Azul (como citamos Canabrava outra indicação), já que os cruzamentos sanguíneos eram constantes.

Ainda que com ordem imprescindível de que as posses dessas terras só ocorreriam na presença física dos sesmeiros e consequente moradia, a maioria não seguiu tais critérios. Muitas terras continuaram sob domínio dos legítimos donos, os índios. Foi quando a monarquia incentivou essas posses aos descendentes europeus mediante casamentos entre brancos e índios, futuramente tornando o laço mais atrativo ao conceder patentes na Guarda Nacional, o que na prática resultou em genocídio indígena.



Capítulo 8. Povoamento oriundo de Portugal e de Pernambuco. 



8.1. O Capitão do Ceará.


Foi na época da chegada dos Furtado de Mendonça que a história do Ceará passou por transformações. Em 4 de junho de 1720, em vias de disputas com a Vila de Aquiraz, Manoel Francez foi anunciado capitão-mor do Ceará, cuja patente de nomeação recebeu em 26 de agosto do mesmo ano. Capitão de infantaria do 3° da guarnição de Olinda, onde era mestre de campo Antônio Borges da Fonseca. Sua posse ocorreu em 11 de novembro.

No início 1726, o bispo de Olinda, D. José Fialho, em visita pastoral ao Ceará, conferiu os estudos para a transferência da freguesia de São José de Ribamar de Aquiraz para Fortaleza, que se preparava para a transformação em vias com os vereadores da vila, então capital do Ceará. Na época, o padre Alexandre da Fonseca surgia como o segundo vigário geral, substituindo João de Matos Serra, fato que viria a assinar os primeiros atos religiosos da capela de Trairi.

Das mãos de Manoel Francez surgiu a Vila de Fortaleza em 13 de abril de 1726, proporcionando otimismos administrativos para ela, assim como para as freguesias.  Não apenas Aquiraz e Fortaleza alcançaram progressos econômicos, como as povoações interioranas passaram por processo de povoação e incentivos ao se contemplarem as sesmarias de então. Não se inclui aí, entretanto, a parte social, que sofreu para obter os primeiros avanços.


8.2. A fixação dos brancos.


A metrópole tinha interesse em equilibrar a sua população, notadamente da povoada Açores, e ao mesmo tempo evitar o crescimento da crise econômica, como escassez de alimentos, e enviar parte dela ao Brasil. Em solo cearense, os portugueses chegaram após passagens por Pernambuco ou Bahia, mas também por via direta, destacando-se pessoas mais simples, moradoras de aldeias, endividadas e até julgadas na forma criminal. No Ceará tentariam a sorte.

Em terras dos “tapuias” do Trairi, dos tremembé, assim como dos “forasteiros” potiguaras (tupis), aos poucos “amansados” pelos religiosos cristãos, os brancos começaram a chegar naquele território litorâneo, com rios, riachos e lagoas, propício para agricultura e tendo como orientação, como citamos, iniciar o seu povoamento e consequente colonização pretendida por Martim Soares Moreno.

Isso, entretanto, se deu com muita morosidade, diante da escassez de mão-de-obra, aos poucos incrementada mediante chegada dos escravos, e uma vez que, mesmo com a construção da Capela de Nossa Senhora do Livramento, os novos moradores se fixaram em sítios distantes da mesma, saindo de uma seca de cinco anos: 1721 a 1725.

Naquele período de transformações, 1725/26, ou mesmo no anterior, tão logo se confirmou a sesmaria, concretizaram-se várias caravanas pernambucanas ligadas à Maria Furtado de Mendonça, que incluíam parentes de Goiana e Ipojuca (PE), seu futuro genro e escravos rumo a Trairi.

Percorreu da foz do rio até o final das terras a ela concedidas, construindo a capela, tendo como orago Nossa Senhora do Livramento, pela qual mantinha devoção, e a consagração através da oferta de sua imagem, a menor, chamada de Milagreira, ou Livramentinha Milagreira, pelos fiéis. Presenteou a Santa com brincos, braceletes e cordões de ouro; dinheiro em libras esterlinas, pratas e fazenda de gado, que, na fase da paróquia, a partir de 1874, passaram a ser vendidos pelos padres, a mando dos bispos, alegando falta de recursos para a sua manutenção

O templo, na forma física atual, contou com a colaboração dos jesuítas, franciscanos, ou da monarquia, não possuindo precisão quanto a data e por quem foi ampliada. Por sua vez, lembremos que a construção da primeira Catedral da Sé, de Fortaleza, foi autorizada por Ordem Régia de 12 de dezembro de 1746. A terceira, e atual, foi concluída em 1978.

Ressaltem-se, também, as missões jesuítas pela Ribeira do Curu até a Ibiapaba, ainda que de passagem, que foram várias (1744 a 1759, e de 1795 a 1798), as últimas com o Frei Vital da Penha, pernambucano.

A localização da capela, no formato que conhecemos, paralela ao rio, com frente rumando para a Ilha, é compreensível, pois indicava o então esvaziamento da atual sede de Trairi. Os casebres certamente se encontravam ao seu lado, na estradinha que contornava o rio.

Uma mata acompanhava a subida onde atualmente localiza-se o centro comercial, e dali começava o areal, em meio às árvores frondosas, em direção à Boa Esperança e, por outro lado, ao Carrapicho, na beira-rio. Não se imaginava que no subterrâneo a água seria de excelente qualidade para o consumo. O fato é que os poucos casebres se localizavam à beira dos alagamares e no curso do Rio Trairi, uma tradição dos índios. Aquela área verde seria de fato explorada e administrada após a presença dos portugueses no século seguinte.

Destaca-se o registro, em formato de diário, relatado ao rei João V, do missionário João da Maia da Gama, de uma jornada a partir do Maranhão, onde chegara em 1719, cortando o litoral cearense a pé com a sua comitiva, contando com cerca de cem índios da Serra da Ibiapaba (tabajaras), pisando nas areias do Mundaú a 17 de fevereiro de 1728, onde tivera a ajuda dos tremembé para atravessar o barra em meio às chuvas.

No dia seguinte, seguindo para Trairi, à tarde, foi traído pelo temporal que fez parte do seu comboio se perder do grupo na noite molhada e escura. Deu-se, enfim, o encontro com a poderosa do povoado, Maria Furtado de Mendonça, que providenciou a procura com o devido êxito: 


...viemos dormir num sítio chamado Trairy, aonde assiste a viúva D. Maria e chegamos já de noite e com chuva todo o dia, e se perdeu parte do comboio pela muita chuva e escuro, e mandamos guia buscá-lo, e nesse dito sítio uma engenhoca que faz algum açúcar, muita aguardente e tem terras bastantes para canas.



Esse interessante documento, publicado em Portugal somente em 1944, nos dá a certeza da existência da primeira indústria trairiense, em tempos tão longínquos, anterior ao algodão, idealizada por uma mulher que conheceu de perto o sistema econômico da época, no progressivo Pernambuco, onde seu esposo era produtor de cana de açúcar e morrera numa guerra entre senhores de engenhos. Confirma-se que ela chegou em Trairi devidamente estruturada, com maquinário pesado, e imediatamente posto em prática a cultura açucareira em sua nova moradia. 

Assim, a rapidez do encontro da viúva com a comitiva, que se retirou no dia seguinte, evidencia dona Maria Furtado presente no dito engenho, que se localizaria entre a Canabrava e Barrinha, à beira-rio, com a possibilidade de que ela morasse no local ou mesmo nas proximidades da sua igreja. Reforça a citada solicitação de Manoel de Moura Rolim (Junior) de mais terras ao lado desse canavial e a promessa de doá-las à Nossa Senhora do Livramento. 

Já o historiador Antônio Bezerra, que pisou nessas terras em missão para a Província, conta em Notas de Viagem (Typografia Econômica, 1889) que o primeiro povoador de Trairi foi Desidério da Costa Araújo de Matos. Por certo, alguém o revelou, mas prova disso desconhecemos. Apenas a existência da família Costa Araújo, por sinal histórica e do povoado Córrego dos Costas. Portanto, a percepção de que os descendentes de Dona Maria se fixaram num sítio mais distante, denominando-o de Córrego dos Furtados.


8.3. Escravos batizados na Capela de Nossa Senhora do Livramento.


Em 17 de agosto de 1728, uma nova constatação da presença dos Furtado de Mendonça em Trairi e da capela, quando Dona Maria Furtado foi madrinha durante cerimônia de batizados de quatro crianças, sendo uma delas filha de seus escravos que a acompanharam de Pernambuco. Padre Alexandre da Fonseca, vigário geral da Freguesia, o Reverendo da capitania, conforme citamos acima, assinou o batistério celebrado pelo frei Lourenço de São Francisco. Isso vem de tradição da família de Maria Furtado de Mendonça, uma harmonia religiosa com os franciscanos. Muitas mortalhas com referência a São Francisco eram usadas durante os sepultamentos na Capela de Nossa Senhora do Livramento.

A propósito, registrou-se o batistério de outro escravo, forro, com o nome de Francisco Furtado Mendonça, e ao filho deste, nascido em 1732, batizou Estêvão. Isso nos deduz concluir que a fundadora de Trairi homenageou em memória, com o nome de criado negro e do filho deste, seu bisavô, Francisco, casado com Antônia de Moura (da Casa dos Alcaides-mores de Mourão), e seu marido, Estêvão. 

Mas até o padre, neto da fundadora do povoado, possuía escravos. Em 1775, Pe. José Furtado de Mendonça casou um senhor de sua propriedade, Gervázio, natural de Amontada. 

O nome Francisco Furtado de Mendonça também coincide com o patriarca da família no norte cearense, que se estabeleceu, na mesma época, na Ribeira do Acaraú. Nasceu na Ilha da Madeira (Portugal) em 1684, Em Sobral, residiu na fazenda Poço Dantas até a sua morte em 1750. Sua primeira filha do segundo casamento, Izabel, nasceu em 1736. 

Incluem-se outros batizados, de filhos de índios com negros, na Lagoa dos Tapuias (Lagoa de Dentro), terras que passariam para Nossa Senhora do Livramento. Ou seja, embora escravagista, uma forma de domínio e poder na sociedade conservadora e fechada de então, Dona Maria Furtado doutrinava o catolicismo entre os negros, e não tinha preconceito em dar nomes de parentes a eles. Conclui-se que os Furtado de Mendonça de pele escura descendem de escravos e não dos portugueses.

Isso coloca Trairi entre as mais antigas localidades cearenses a possuir escravos, em posses de todos os “coronéis” uma vez constar no inventário do capitão Antônio Mendes Lobato, na Ribeira do Icó, datado de 1719, o registro de propriedade de um escravo avaliado em 160 mil reis. Lembrando que para a manutenção desse sistema, de fazer de uma pessoa seu bem, em forma de aprisionamento em terras habitadas por índios, era necessário o uso da força e da violência, tendo como vítimas índios e negros, o que evidenciou, com o tempo, verdadeiro genocídio. No século XVIII, o Siará Grande contava com 47,97% de população negra (obviamente incluindo os pardos), contra 11,17% branca e 40,86% indígena, mostrando o crescimento do comércio escravo e queda brusca do número de índios, conforme livros eclesiais.

A existência de um porto onde Dona Maria Furtado se mantinha frequente, ainda que nas proximidades, constituiria a prática do comércio, entre outros, com Pernambuco e com o continente africano, notadamente Angola, colônia portuguesa e origem dos negros da citada senhora. 


8.4. Os laços dos Furtado de Mendonça.


Já em 13 de julho de 1733, o casamento, na Capela de Nossa Senhora do Livramento, do sargento-mor Manoel de Moura Rolim, natural de Ipojuca PE, parente do governador de Pernambuco, 16° Senhor de Azambuja (e que também governava o Ceará), com Francisca Xavier de Moura, ela natural de Goiana (PE) e filha única de Estêvão Vicente Guerra (homônimo do pai) e de Maria Furtado de Mendonça.



1725. Governador de Pernambuco pede ajuda a D. João V quanto à resistência indígena no Jaguaribe.


Foram testemunhas o seu tio, sargento-mor Tomé Ferreira Chaves, e o filho deste, Leandro Teixeira Escorcio Dormond (Neto), portando sobrinho de Dona Maria Furtado de Mendonça por parte da irmã, Maria Madalena de Moura.

A repetição de nomes confunde, mas a atenção nos leva à compreensão. Leandro Teixeira Escorcio Dormond era pai de Dona Maria Furtado de Mendonça, Juliana de Dormond (a mais velha), Gabriel Teixeira Bezerra, Antônia de Moura (Bisneta, faleceu criança), Maria de Aveiros, Francisco de Mendonça (também faleceu criança), Maria Madalena de Moura (Neta) e de Manoel Escorcio Dormond, que possui o nome do avô, pai do primeiro Leandro Teixeira Escorcio Dormond, esposo de Vitória de Moura, que por sua vez perdeu seus dois irmãos, frades franciscanos, durante as lutas contra os holandeses.

Dona Vitória de Moura era filha de Maria Madalena de Moura e de Francisco Fernandes Braga, natural de Braga, capitão-mor durante a guerra contra a Holanda. Portanto, neta de Francisco Furtado de Mendonça e de Antônia de Moura, casal que fugiu de Lisboa, antes da invasão holandesa ao Brasil (1630), casando-se em Pernambuco.

Numa época primitiva, o meio de comunicação de então era a correspondência postal via embarcações marítimas. Isso confirma a existência, como citamos, de um porto da família, provavelmente em Frexeiras, onde havia uma capela que pertenceria a Francisca Xavier de Moura.  Nesse pequeno ancoradouro, seu marido comercializava os produtos do seu engenho e o algodão da região. Manoel de Moura Rolim, no nosso entendimento, foi o segundo fundador de Trairi, e por mais tempo, pela geração de filhos e descendentes, além de participações constantes em atos religiosos.

Dessa forma eram convidados os padres para as missões afins. A propósito, constam, no ano seguinte, 1734, alguns batistérios celebrados pelo mesmo Reverendo (Manoel Guerra), que conduziu o citado casamento. Um dos batizados foi o de José Furtado de Mendonça, futuro padre, tendo como madrinha a sua avó Maria Furtado e como padrinho o segundo esposo desta.  Já noutro batizado, os padrinhos foram os irmãos Manoel Escorcio Dormond e Maria Furtado de Mendonça.

Do nome da filha de Dona Maria Furtado, Francisca confirma a devoção a São Francisco de Assis, Já Xavier porque parte da família era Xavier Furtado de Mendonça, portanto parente de Francisco Xavier Furtado de Mendonça, governador do Grão-Pará (atual Estado do Pará) e do Maranhão (1751 - 1759), irmão do Marquês de Pombal, cuja mãe se chamava Teresa Luísa de Mendonça.  Concluindo, a primeira família a se fixar em Trairi tinha ligação com os governantes do Pará e daqueles que administraram o Ceará: Maranhão e Pernambuco.

Dona Maria Furtado casou-se novamente, dessa vez com o sargento-mor Tomé de Aguiar Rocha, do qual também enviuvou, não deixando descendência. Tornou-se beata de Nossa Senhora do Carmo durante a enfermidade da filha, adotando o nome de Maria de Jesus e José, a instituidora e dona da Capela de Nossa Senhora do Livramento, como ficou registrado por longo período naquele templo, inclusive citado pelo historiador Antônio Bezerra em Notas de Viagem (1889).


8.5. Maria Furtado. Devoção, dor e morte aos 60 anos.


A morte prematura da filha Francisca, em 17 de maio de 1743, com aproximadamente 35 anos, mãe de um garoto de dez anos, José, futuro padre; de Estêvão Vicente Guerra (Bisneto, com dois anos) e de uma garota, Ana Maria da Conceição, com certeza abalou a vida de Dona Maria Furtado de Mendonça.

No registro de óbito consta que sua filha foi sepultada na Capela de Nossa Senhora do Livramento, com hábito de São Francisco, deixando como testamenteiro seu primo Tomé Ferreira Chaves (Filho), homônimo do pai citado acima, uma capela e outros bens para o marido.

A saudade feriu sua alma, um passamento doloroso que por certo a isolou. Os documentos históricos indicam, por prolongado período, poucas atividades religiosas em Trairi, inclusive aparentemente sem aparições oficiais de Dona Maria Furtado, precursora da devoção por nossa Senhora do Livramento em toda a região. 

Outro falecimento que a amargurou foi a de sua conterrânea, que com ela chegou a Trairi, da beata Francisca de Jesus e Maria, a 12 de maio de 1945, irmã de orações durante o período em que o padre Felix de Azevedo pregava em sua capela. Uma época de clausura, que contrastava com o seu passado participativo em atividades religiosas.

Seu genro Manoel de Moura Rolim, contudo, estava mais presente em casamentos e batizados. Viúvo, o mesmo firmou outro casamento, do qual nasceu o filho homônimo (Junior), que se casou com Francisca Rodrigues de Almeida, natural de Goiana (PE), tendo nascido fruto do casal, em 19 de fevereiro de 1771, Joana, nome que homenageava a sobrinha de Dona Maria Furtado.

Maria Furtado de Mendonça faleceu em 7 de maio de 1747, após dois anos consecutivos de seca, vitimada provavelmente por uma das pragas do passado, a doença da bexiga, como era conhecida a varíola, “afogada em sangue”, como cita a sua certidão de óbito, e, em resumo, relata o historiador e escritor de Uruburetama Soares Bulcão:




“...deixando testamento e, como testamenteiros, seu irmão Manoel Escorcio Dormond e seu sobrinho Tomé Ferreira Chaves. O testamento desapareceu, mas do seu inventário, feito a doze de maio daquele ano, em que foi inventariante o seu genro Moura Rolim e herdeiros os seus netos, filhos deste, consta que o “sítio Camurupim (como está escrito), na Ribeira do Curu, com uma légua de comprido e outra de largo para uma banda do poente e da parte do nascente, com meia de comprido e uma de largo, pegando de Estêvão Furtado para cima, avaliada pelos avaliadores em cento e cinquenta mil réis”, foi dado em partilha a diversos herdeiros”


.



8.6. Terras de sesmarias doadas à Santa.


O sítio Camurupim citado no testamento foi adquirido por Pedro Barroso de Souza Valente, do Curral Grande, durante negociação com familiares herdeiros. Mas parte desse patrimônio foi denominada Rosário, pertencente a Nossa Senhora do Livramento. A légua quadrada citada no testamento abrange atualmente a zona urbana da sede de Trairi, coincidindo com a mesma faixa de terra que consta na certidão da matrícula do terreno patrimonial de Nossa Senhora do Livramento, pertencente à Diocese de Itapipoca a partir de 1993, de acordo com o Livro de Registros recolhido ao Arquivo Público do Ceará em 10 de janeiro de 1859 e tendo como transmitente Maria Mendonça Furtado, solteira e residente em Campo Grande, na época entre Caucaia e São Gonçalo do Amarante, uma das beneficiárias, por descendência, do testamento deixado por Maria Furtado de Mendonça. Seria filha de Ignacio Escorcio Dormond e de Mariana Maria Dormond, tendo falecido em Siupé a 27 de agosto de 1847. Verifica-se, portanto, um longo período para a concretização do registro do terreno a favor da Diocese e cuja área é bem inferior à citada na sesmaria de 1725.


8.7. Os “Escoceses”


Como percebemos, Dona Maria Furtado, de cujos Furtado de Mendonça eram provenientes da Ilha da Madeira (Portugal), e no Ceará mais distribuídos em Sobral, Granja e Jaguaretama, possuía outra descendência. O nome Dormond (Dromond, Dormundo ou Drumondo), é aportuguesado como Drummond e sua origem húngara, porém com domicílio escocês após um naufrágio, antecipado por Escorcio (ou Escorcia, Escóssio, Escóssia, como mencionam variados registros) devido ao cruzamento sanguíneo naquele país, conforme “A Origem Brasileira da Família Drummond”, de Afonso Costa (Revista Nacional, 1934):



“O primeiro a usar o nome Drummond foi o príncipe Maurício, descendente de duques e de reis da Hungria. Comandava, em 1066, a embarcação em que Edgar Atheling, em companhia de suas irmãs Margarida e Cristina, fugia da perseguição de Haroldo e Guilherme, que lhe usurparam a coroa da Inglaterra.
Vítimas de naufrágio, pararam na Escócia, onde foram abrigados pelo rei Malcolm III, que se casou com a princesa Margarida.
Maurício, nomeado senescal hereditário de Lounox, teve brasão de armas parlantes. Casou-se com uma das damas de honor da rainha, obtendo vastas concessões de terras que abrangiam nove paróquias e granjeando o apelido de Drummond dado pelo rei, juntamente com o Castelo de Drummond.
Do príncipe Maurício Drummond descendia Maria Pimentel Drummond, filha de Pedro Rodrigues Drummond e Isabel Dias Ferreira, esta filha de Gonçalo Nunes Ferreira e Isabel Pereira de Lacerda, que foram dos primeiros colonizadores da Ilha da Madeira.
Maria Pimentel Drummond matrimoniou-se com Simão Acioli, pai de Gaspar Acioli, que constituiu família em Pernambuco”.
 


Durante o advento das sesmarias, encontramos, no Ceará, conforme o Memorial Colonial do Ceará (1721 - 1731), Domingos Escorcio, pretendente a três léguas de terras a partir do Rio Pirangi (depois Rio Ceará) ao norte, o qual teria relatado ao rei o seu povoamento “por mais de quarenta anos”, fato não trasladado para o Livro de Registros na época, 1692, e, consequentemente, perdida a data. Após o seu falecimento, a viúva, Maria, pediu nova data, alegando, como fez Maria Furtado de Mendonça anos após, que o finado de fato povoara as terras. O despacho acabou deferido em 12 de junho de 1722:



“Dizem a madre abadessa do convento do calvário extramuros desta cidade de Lisboa Ocidental, por cabeça da madre Catarina da Costa Maia Lourença Escorcia e Antônio Escorcio, filhos e herdeiros do defunto Domingos de Escorcio, que o vice-rei do Brasil lhes deu de sesmaria seis léguas de terra de comprido e uma de largo, meia por cada banda do rio chamado Pirangi na capitania do Ceará as quais terras haviam dadas ao dito Defunto Domingos de Escorcio pelas haver povoado e estar delas de posse mais de 40 anos como tudo se vê no alvará junto e porque quer haver confirmação por Vossa Majestade da referida data. Pede a Vossa Majestade lhes faça mercê mandar passar sua carta de confirmação na forma do estilo. Espera receber Mercê”.


O filho único e natural do irmão de Dona Maria Furtado, com o nome do pai, Manoel Escorcio Dormond, que era solteiro, casou-se, em 1766, com Antônia Josefa dos Santos, filha do alferes português Pedro de Villas Boas e de Francisca Gomes Pessoa, pernambucana.

Do casal nasceu Antônio Furtado de Mendonça. Morava no sítio Burrinha, em Uruburetama, onde veio a falecer em 15 de outubro de 1781. Teve um filho chamado Manoel Escorcio Dormond (III), introdutor da cultura do algodão naquela serra, considerado o de melhor qualidade do Ceará.

Segundo Soares Bulcão, de Manoel Escorcio e Antônia Josefa “descendem todos os Escóssio do norte do Ceará”, sendo que um dos seus filhos, Leonardo, nasceu na Fazenda Fogareiro, em Quixeramobim, em maio de 1772, época em que o casal negociava algodão por gado.

Por serem muito antigos, os Dormond foram motivos, durante décadas, de uma questão sobre os primeiros estrangeiros de Trairi, afinal se difundiu a lembrança de que os “escoceses” seriam os tais. Mas Soares Bulcão, respaldado pela sua sabedoria e paciência, tirou-nos a dúvida através dos documentos minunciosamente analisados.

Maria Madalena de Moura, irmã de Maria Furtado de Mendonça e de Manoel Escorcio Dormond (ou Dormundo, como ele escrevia), casou-se em Goiana (PE) com o sargento-mor Tomé Ferreira Chaves, natural de Chaves (Portugal), ele que faleceu em Siupé (atual distrito de São Gonçalo do Amarante, na época já com a capela de Nossa Senhora da Soledade) em 13 de setembro de 1788, aos 80 anos, onde residia. Seus filhos foram Leandro Teixeira Escorcio Dormond (Neto), Tomé Ferreira Chaves (Filho) e Maria Furtado de Mendonça (Sobrinha). Já o irmão de Dona Maria Furtado, Manoel Escorcio faleceu no Sítio São Pedro, Ribeira do Curu, em 23 de agosto de 1755.

Tomé Chaves (Filho), casado com Joana de Jesus Sousa, filha de portugueses de Lisboa, foi vereador da Vila de Fortaleza, falecendo em Flecheiras em 26 de julho de 1794.

Maria Furtado de Mendonça (Sobrinha) casou-se com Manoel Ferreira Duarte, cujos pais eram de Santa Clara dos Passos, bispado do Porto (Portugal). Viúva desde 1746, dois anos depois perdeu a filha Maria (a segunda homônima), então com quatro anos, quando morava em Trairi, onde era devota da santa local. Faleceu em 26 de novembro de 1788, em Siupé.

Da família, quem mais se notabilizou no Ceará foi o jornalista pernambucano Antônio Drummond, diretor do jornal Gazeta de Notícias, assassinado, no seu interior, enquanto trabalhava, na rua Senador Pompeu, Fortaleza, na noite de 11 de maio de 1930 por conta de matéria supostamente "injuriosa". 


8.8. “Hurtado de Mendoça”.


Em 1664, partiu de Portugal em direção à Bahia, na nau de guerra São Teodósio, o general Jorge Furtado de Mendonça no intuito de organizar seus portos. Teria sido o primeiro da família a aportar no Brasil. Já na Carta Régia de 25 de agosto de 1696 a Caetano de Melo de Castro, em Pernambuco, encontramos André Furtado de Mendonça, capitão de uma companhia de infantaria do Terço dos Paulistas, “julgado digno da mercê de 50$000 na consideração de concorrer na sua pessoa haver morto e cortado a cabeça do negro Zumbi, intitulado Rei dos Negros Palmares”.

Revela a história do Brasil que a fuga de Zumbi do Quilombo dos Palmares, em Alagoas, deveu-se à invasão do aldeamento pelas forças do bandeirante Domingo Jorge Velho. O líder da resistência negra foi morto no dia 20 de novembro de 1695 e sua cabeça exposta em praça pública do Recife.

Bem antes, em 1142, foi encontrada no Convento de São Bento de Ave Maria, das freiras do Porto, uma escritura de venda de uma “herdade”, em Minduceli, a Pero Furtado, filho de Fernão Peres Furtado, casado com Marinha Gilibertiz. Ele Ganharia o título de “Furtado da Pedatura Lusitânia”.

Afonso Furtado, nascido por volta de 1347 em Lisboa, foi escudeiro e vassalo de D. João I até o fim do seu reinado, do qual participou de campanhas militares. Esposo de Ana Migueis, porém, após o falecimento de sua consorte, casou-se com Maria Mendonça, pertencente à nobreza portuguesa, cujos filhos foram registrados como Furtado de Mendonça, sendo o primeiro deles Afonso Furtado de Mendonça.

Já do lado espanhol, origina-se da família Lasso de la Veja Hurtado de Mendoça, que identifica-se como “almirantes de Castela, condes del Real e marqueses de Santillana”. Diante disso, para alguns historiadores a família Furtado é uma só.


8.9. Demais Famílias. Até 1799.


8.9.1. Barroso Valente.


Natural do arcebispado de Braga, nascido em 1688, o capitão-mor Pedro Barroso Valente, proprietário do sítio Muritipicu, casou-se com Ana Ferreira da Cunha, irmã do capitão de infantaria Luiz Ferreira da Cunha. O referido capitão veio a falecer em 1730, deixando uma filha, Elena Ferreira da Cunha, nascida em 1726, esposa do capitão de infantaria Domingos Francisco Braga, famoso escrivão da Fazenda Real.

Domingos Francisco Braga era filho de Manoel Francisco, português também daquele arcebispado de Portugal, chegado a Olinda (PE) quando jovem no século XVII, e de dona Mariana Francisco. Porém, ao partir para o Ceará, Manoel Francisco levou dois filhos ilegítimos: Virgínio Francisco Braga e Inocêncio Francisco Braga, mesmo nome do avô do coronel Anastácio Alves Braga, de Itapipoca. Pedro Barroso Valente e Manoel Francisco seriam os troncos dos Braga e dos Barroso.

Esses nomes adotados eram comuns em lembrança às origens europeias: Chaves, Tabosa, Braga, Escócia, Porto, Granja, Teixeira, Almeida, Cunha, entre outros.


8.9.2. Moreira de Souza/ Barroso de Souza.


Pedro Barroso Valente, viúvo, casou-se novamente em 1733, agora com Maria, filha do capitão Francisco Moreira de Souza, este nascido no Porto em 1685. Desse casal originou-se a fazenda Curral Grande, na ribeira do Curu, na qual viveu sua filha Maria Moreira de Souza, irmã de uma segunda Ana Ferreira da Cunha, e mãe, entre outros, dos capitães Ignácio e Pedro Barroso de Souza, além do padre Francisco Moreira de Souza, que também morava na fazenda, tio de outro padre, José Moreira de Souza. Surgia a família Barroso de Souza.

O capitão Ignacio Barroso de Souza casou-se em 1762 com sua prima, Josefa Moreira de Souza, dos quais nasceram nove filhos. Entre eles destacaram-se o tenente Domingos Barroso de Souza e o tenente coronel Antônio Barroso de Souza, esposo de Luiza Francisca de Avelar Braga (filha do major Anastácio Francisco Braga) e pai do coronel Antônio Barroso de Souza (Filho), conhecido como “do Curral Grande”, o primeiro intendente de Trairi, do qual trataremos no volume posterior.

Após o falecimento de Dona Maria Moreira de Souza, em 1802, o capitão Ignácio Barroso de Souza representou, via procuração, seu irmão padre no inventário das terras do Curral Grande. É talvez a maior família do Vale do Curu.


8.8.3 Francisco Braga.


Domingos Francisco Braga e sua esposa, Elena Ferreira da Cunha, casados em 1744 pelo padre Antônio de Aguiar Pereira, em Muritipucu, possuíam a fazenda Caioca, na ribeira do rio Aracatiaçu (Amontada), e eram frequentadores da Capela de Nossa Senhora do Livramento, onde foram padrinhos. Passavam temporadas em Fortaleza por conta dos vários cargos públicos assumidos por ele, como juiz e secretário da ouvidoria. Entre os seus oito filhos estava o padre Domingos Francisco Braga, ou seja, com o mesmo nome, nascido em 1745 e falecido em 1816. De tradição coronelística, exerceu influência política em Trairi.


8.8.4. Souza Machado.


De família originária dos Açores, Portugal, Thomé de Souza Machado,  nasceu na Ilha de São Miguel. No Brasil, estabeleceu-se em Goiana (PE), onde se casou com Maria da Cunha. Ali nasceu seu filho, homônimo. Thomé de Souza Machado (II) se casou com Ana do Sacramento, natural de Olinda (PE), tendo nascido em Goiana o primeiro filho, homônimo, seguido de Thereza de Jesus e Maria, Francisco, Ana de Souza Machado e outros. Em Trairi por volta de 1770, tão logo recebeu a patente de tenente, era o encarregado da ordem. Foi vereador e procurador da Câmara de Fortaleza. Thomé e Ana tiveram o filho Thomé de Souza Machado (III), que se casou com Jozefa Maria de Jesus em 1778. Thomé (III) e seu irmão Thomaz tiveram forte presença em Trairi, deixando descendências misturadas com várias famílias, como a de Nicolau Tolentino Chaves. 


8.8.5. Ferreira da Cunha.


Luiz Ferreira da Cunha nasceu em Olinda (PE), partindo pra o Ceará, já com a patente de capitão, em 1738, com a sua mulher, Maria Tereza Ribeiro, e o filho Antônio José Fialho, que, em Soure, casou-se com Josefa de Freitas Souza, também natural de Olinda. Desse último casal nasceu Luiz Ferreira da Cunha (Neto), em 20 de janeiro de 1773, ao que, tornando-se tenente, foi residir em Mundaú, casando-se em Trairi, no dia 21 de janeiro de 1793, com Ana Donata dos Santos, filha do capitão Manoel Martins dos Santos e Ana do Sacramento. Luiz Ferreira da Cunha (Neto) veio a falecer a 22 de janeiro de 1814, sendo seu bisneto o Padre Rodolfo Ferreira da Cunha. Fundadora das lavagens, trata-se da família mãe de Canaan.


Datas:


1603/04: Expedição de Pero Coelho, com o jovem soldado Martim Soares Moreno, 18 anos, percorre litoral Trairi.

11/01/1608: Padre Francisco Pinto é assassinado na Ibiapaba pelos índios tocarijus. Pelo roteiro descrito em Relação do Maranhão, do Padre Luiz Figueira, a missão teve passagem por Parazinho e Trairi.

12/07/1612: Corsários franceses aportam no Buraco da Tartaruga (Jericoacoara) rumo ao Maranhão, onde se fixaram. Certamente passaram pelo litoral trairiense.

1613: Expedição de Jerônimo de Albuquerque (Filho) para o Maranhão, ao lado de Martim Soares Moreno, tem parada em Jericoacoara. Ali erguem o forte de Nossa Senhora do Rosário.

1614: Série de confrontos contra franceses em Jericoacoara. Índios do Mundaú devem ter reforçado a resistência da capitania.

15/10/1615: Incursão armada de Alexandre de Moura no Ceará, com índios e o padre jesuíta Manoel Gomes. Alexandre de Moura era militar português e lugar-tenente (governador) da capitania de Pernambuco até esse ano.

1621: Martim Soares Moreno, capitão-mor, retoma a tentativa de governo da capitania.

18/05/1626: Frei Cristovam de Lisboa faz visita missionária ao Ceará.

26/10/1637: Holandeses ocupam Fortaleza, tomando o seu forte, domínio que durou até 1654, com a retirada de Mathias Beck.

1663: Nasce na freguesia dos Óbidos, Portugal, o sargento-mor Antônio Marques Leitão. Casado com Apolônia da Costa, fixou-se em Siupé, onde obteve concessão de sesmaria e construiu a Capela de Nossa Senhora da Soledade. Por questões de terras, teve vínculos com Trairi.

1670: Nasce nessa década Felix da Cunha Linhares. Natural do Conselho de Coura, na freguesia de Santa Marinha dos Linhares, Portugal. Casou-se com Maria de Sá, herdeira de propriedades na Ribeira do Acaraú (futura Sobral). Parte dessa família fixou-me em Mundaú, onde iniciou o povoamento branco ao lado dos Ferreira da Cunha.

12/03/1706: Estêvão Vicente Guerra solicita sesmaria em Trairi, alegando terra abandonada.

1712: Pe. João de Mattos Monteiro (Padre João de  Mattinhos), coadjutor do seu tio, Pe. João de Mattos Serra, primeiro vigário geral de Fortaleza, cria o curato do rio Mundaú à Serra da Ibiapaba, região pertencente à ribeira do Acaraú. Seus habitantes  foram obrigados a pagar um boi por fazenda.

04/04/1725: Maria Furtado de Mendonça solicita sesmaria das terras pretendidas pelo falecido esposo, Estêvão Vicente Guerra. Um ano após, chega a Trairi para tomar posse.

11/05/1725: Manoel de Moura Rolim, Capitão-Geral de Pernambuco, em consulta ao Conselho Ultramarino, comunica ao capitão mor do Ceará concessão de sesmarias. 

13/04/1726: Capitão-mor Manoel Francez funda a Vila de Fortaleza. 

13/07/1733: Capela de Nossa Senhora do Livramento. Casamento de Manoel de Moura Rolim e Francisca Xavier de Moura, filha do tenente coronel Estêvão Vicente Guerra e Maria Furtado de Mendonça. Testemunhas: sargento mor Tomé Ferreira Chaves e Leandro Teixeira. Pe. Manoel Guerra.

04/04/1734: Nasce em Trairi José Furtado de Mendonça, neto de Maria Furtado de Mendonça, sua madrinha. Ordenou-se padre com aproximadamente 24 anos.

01/10/1742: Casamento, em Trairi, de Luiz Ribeiro Moreira, filho do alferes Lisandro Ribeiro Morais e de Aurélia de Oliveira. Testemunhas: Luiz de Brito Lyra e Antônia Moreira, natural de Goiana PE, filha de Sebastião Gomes e de Francisca Rodrigues, moradora de Trairi. Padre Luiz Teixeira, coadjutor.

17/05/1744: Falece Francisca Xavier, filha de Maria Furtado de Mendonça.

11/11/1744: Casamento de Domingos Ferreira Braga e Elena Ferreira da Cunha. Ele deteve vários cargos importantes na capitania, assim como a família Valente Barroso de Souza.

07/05/1747: Falece, em Trairi,  Maria Furtado de Mendonça, aos 60 anos.

23/08/1755: Falece no Sítio São Pedro, Ribeira do Curu, Manoel Escorcio Dormond, irmão de Maria Furtado de Mendonça. 

1744/1759: Período de missões jesuítas do litoral do Parazinho/Trairi à Ibiapaba.

15/08/1762: O bispo de Olinda pede a Francisco Xavier de Mendonça Furtado que sejam argumentadas as côngruas dos vigários dos índios das novas vilas do Ceara, pois seus pagamentos não podem superar aos dos vigários dos brancos. 

29/07/1763:Thomé Ferreira Chaves vereador de Fortaleza.

1765: Manoel de Moura Rolim e Pedro Barroso de Souza entre os vereadores da Vila de Fortaleza.

12/09/1766: José Valente Barroso nomeado capitão de ordenança do distrito de Trairi.

08/11/1768: Domingos Furtado de Mendonça, mestre da corveta Santo Antônio, a procura de uma pequena embarcação de dois mastros, ocupada em tráfico escravagista, com quatro ingleses e dois escravos no lugar chamado “Kajuaes”, cujos sustentos são pagos pelo Conde de Povolide.

06/12/1769: Tomé Ferreira Chaves mantido juiz de ordinário, entrando novos vereadores (de Fortaleza) para a gestão do ano seguinte, como Antônio Barroso de Souza e Thomé de Souza Machado.

1772: Manoel de Moura Rolim nomeado juiz ordinário da Vila de Fortaleza, depois substituído por Thomé de Souza Machado.

20/01/1772: Nasce Luiz Ferreira da Cunha (Neto), tenente. Faleceu no Mundaú a 22/01/1814. Era filho de Antônio José Fialho e Josefa de Freitas Souza, natural de Olinda. Neto do homônimo.

1774: Procurador da Câmara de Fortaleza: Estêvão Vicente Guerra (III), cargo renovado em 1781; e José Barroso de Souza vereador.

1776: Antônio Barroso Valente empossado juiz da Câmara de Fortaleza; e Thomé Ferreira Chaves juiz de órfãos.

09/11/1780. Novos vereadores de Fortaleza Estevão Vicente Guerra (III) e José Teixeira da Cunha.

1781: José Barroso Valente vereador da Vila de Fortaleza.

15/10/1781: Falece, no Sítio Burrinha, Uruburetama, Manoel Escorcio Dormond, sobrinho de Maria Furtado de Mendonça.

 04/04/1783: Thomé Ferreira Chaves eleito procurador da Câmara de Fortaleza.

13/09/1788: Falece em Siupé Thomé Ferreira Chaves, aos 80 anos, cunhado de Maria Furtado de Mendonça. 

04/09/1798. Falece, em Trairi, aos 64 anos, o Padre José Furtado de Mendonça. No mesmo ano, o próprio celebrou, como o fez durante cerca de 40 anos. Foi o reverendo que mais tempo pregou na Igreja de Nossa Senhora do Livramento, o apóstolo da Capela, justamente o sobrinho e afilhado da sua fundadora. Testemunha da história pouco comentada de sua terra. No seu lugar os padres Antônio José Cavalcante e Francisco Antônio da Silva.

07/01/1799: Samuca  Santa Thereza é violentamente assaltada por  franceses na foz do Mundaú. Os corsários fugiram para o Maranhão levando pólvoras e demais armamentos.

12/04/1799: Thomé de Souza Machado toma posse como procurador da Câmara de Fortaleza.


Batistérios na Capela de Nossa Senhora do Livramento ou em Trairi:


12/08/1730: Mundaú. Batizado de Manoel, filho de Francisco Furtado de Mendonça (III) e Jozefa Furtado de Mendonça. Pelo cura Pe. Isidoro Rodrigues Resplandes durante visita apostólica.

23/09/1759: Quitéria, filha de Anna. Padrinhos: Manoel Dias Paula da Silva Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça. Coadjutor do Ceará, Antônio José de Miranda Henrique.

28/10/1759: Miguel, filho de José da Costa Gonçalves e Bernarda Marques. Padrinhos: Antônio Alves Bezerra e sua mulher Domingas Maria Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça. Coadjutor do Ceará, Antônio José de Miranda Henriques.

21/07/1760: José, filho de Manoel Teixeira e Joana da Costa. Padrinhos: Domingos Teixeira e Bernarda Marques.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça. Coadjutor do Ceará, Antônio José de Miranda Henriques.

03/01/1761: Matheus, filho de Matheus Correa Pereira e Anna Angélica da Conceição. Padrinhos: Capitão Mor João Batista da Costa, branco, casado, e Josefa Maria, casada com Antônio de Freitas.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça. Coadjutor do Ceará, Antônio José de Miranda Henriques.

24/03/1761: Sob licença do Pe. Manoel Correa D’Avilla. Faustino, filho de Simplício Gomes e Filiciana Ferreira. Neto paterno de Antônio Gomes e Eugênia Gadelha. e materna: Luiz de Freitas e Joanna Braga. Padrinho: João Ribeiro. Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça. Coadjutor do Ceará, Antônio José de Miranda Henriques.

24/05/1768. Flecheiras. Maria Furtado de Mendonça (Sobrinha), viúva, madrinha da filha de uma escrava, e nascida em primeiro de maio daquele ano. Batizou o Pe. Eloy da Cunha Andrade.

24/05/1768. Lagoa do Tapuia. Maria Furtado de Mendonça (Sobrinha), madrinha de José, filho de Luciano Camelo de Andrade e de Teresa Maria de Jesus, naturais do CE, neto paterno de Teodoro Camelo e Delônia Ferreira, ambos de PE, e materno de Daniel Soares, natural de PE. O padrinho foi Tomé Ferreira Chaves, solteiro, natural do CE. Batizou o Pe. Eloy da Cunha Andrade. Seria a Lagoa de Dentro.

19/06/1768. Bernarda, forra, filha da escrava Josefa, de Sebastião Ribeiro. Avós paternos ignorados e maternos Ignacio e Jozefa. Batizou. Pe. Eloy da Cunha Andrade.

26/12/1768: José, filho de José Ferreira Braga e de Elena Gomes, naturais do CE, nascido em 31/11/1768, neto de Jesus de Freitas, natural da PB e de Joanna Silva, do CE, e materno de Jerônimo Gomes (CE) e Eugenia de Abreu. Padrinhos: Miguel Bezerra de Menezes e sua filha, Anna Maria, solteira, moradores da freguesia.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

26/12/1768: Izabel, filha de Antônio da Rocha Ferreira e Ignacia Mendes. Avós paternos: Antônio da Rocha Ferreira e Luzia de Almeida. Maternos: Manoel Moreira e Anna Mendes, moradores da freguesia. Padrinhos: Matheus da Rocha de Almeida e Agostinha da Silva e Vasconcelos, moradores desta freguesia. Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

26/01/1769: Joaquim, filho de Luiz e Silva e Francisca e Silva, naturais do CE. Avós paternos: Luiz da Fonseca e Maria do Nascimento, naturais de Capiberibe. Maternos: Antônio Pereira (naturalizado) e Linda Freitas, moradores do CE, moradores da freguesia. Padrinhos: Antônio Ferreira dos Santos e Anna Maria de Jesus, filhos do alferes Sebastião Gomes, moradores desta freguesia. Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

02/02/1769: Eugênio, filho de João Tavares Cabral e Bertoleza Ferreira, naturais do CE. Avós paternos: Valentim Tavares e Elza da Silva. Maternos: Antônio Ferreira de Moura e Maria Marques, naturais do CE. Padrinhos: Antônio Rodrigues e sua mulher Quitéria Ferreira, todos moradores desta freguesia. Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

03/02/1770: Antônio, filho de Francisco Dias e Quitéria Marques. Padrinhos: Clemente Ferreira da Silva e Geralda Lopes, todos moradores desta freguesia.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

03/02/1770: Gonçalo, filho de Antônia, escrava do Capitão Mor Tomé Ferreira Chaves. Padrinhos: José Paz do Nascimento, todos moradores desta freguesia.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

08/04/1770. Estêvão Vicente Guerra (Neto), solteiro, padrinho. Criança batizada pelo padre José Furtado de Mendonça.

12/04/1770: Maria, filha de Vitório Barboza e Antônia Maia de Morais. Padrinhos: Manoel de Moura Rolim e Tereza de Jesus, todos moradores desta freguesia.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

03/06/1770: Ignacio, filho de Izidro Barboza e Maria do Carmo. Padrinhos: Manoel Gomes do Nascimento Escolástica e Maria de Jesus, todos moradores desta freguesia.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

20/06/1770: Nasce Dimisiana, filha de José Escórcio Dormond e de Domingas Fernandes. Avôs paternos: Basílio Fernandes de Morais (Itamaracá) e Lourença Furtado de Mendonça (Goiana). Avôs maternos: Cosmo Fernandes de Amorim (Itamaracá) e Josefa Ferreita (Ceará). Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

24/06/1770: João, filho de José e Maria, escravos de Manoel Gomes do Nascimento. Padrinhos: José da Costa Gonçalves e sua mulher, Bernarda Marques, todos moradores desta freguesia.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

30/06/1770: Rita, filha de Anna Ferreira. Padrinhos: Manoel de Moura Rolim e Custódia dos Reis, todos moradores desta freguesia.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

05/07/1770: Capela de N. Senhora do Livramento. Francisco, filho de Francisco Fragozo e Rosa Ferreira. Padrinhos: Dona Maria Furtado de Mendonça.  Batizou o Pe. José Furtado de Mendonça.

08/02/1771: Joaquim, filho de José Alê de Barros (RN) e Ana Maria da Conceição (CE). Avôs paternos: Estevão Alê Barros (RN) e Paula Maria (RN). Avôs maternos: Manoel de Moura Rolim (Ipojuca) e Francisca Xavier de Moura (Goiana). Padrinhos: Manoel de Moura Rolim e Mariana Cruz. 



Foto capa (mapa com rios Mundaú, Trairi e Curu): Amstelodami, Holanda. Século XVIII (Cartas Náuticas, Biblioteca Nacional)


Bibliografia:


Soares, José Paulo Monteiro. Ferrão, Cristina. Memória Colonial do Ceará. Arquivo Histórico Ultramarino, Tomo II. Fortaleza, Kapa Editorial, 2011.


História da Província do Ceará. Araripe, Tristão de Alencar. Fortaleza, Edições Fundação Demócrito Rocha, 2002.


Demais Títulos Familiares, Tomo I. Lima, Cândido Pinheiro Koren de. Recife, Fundação Gilberto Freyre, 2017.


Como Nasceu Trairi. História da Minha Terra. Sales. Maria Pia de. Fortaleza, Gráfica e Editora LCR, 1997.


Pompeu, Sobrinho, Thomaz. Sesmarias Cearenses. Fortaleza, SEDUC, 1979.


Costa, Afonso. A Origem Brasileira da Família Drummond. Rio de Janeiro, Revista Nacional, 1934.


Soreval, Manuel Abranches de. Mendonça, Manuel Lamas de. Os Furtados de Mendonça Portugueses. Ensaio sobre a sua verdadeira origem. Lisboa, Greca Artes Gráficas, 2014.


Datas e Factos para a História do Ceará, Tomo I (1896). Studart, Barão de. Fortaleza, Fundação Waldemar Alcântara, 2001. 


Protohistória Cearense (2° Edição). Sobrinho, Thomaz Pompeu. Fortaleza, Edições UFC, 1980.


Um Herói Esquecido - João da Maia da Gama. Martins, F. A. Oliveira. Lisboa, Agência Geral das Colônias, 1944.


Cronologia Sobralense. Araújo, Francisco Sadoc de. Fortaleza, Gráfica Editorial Cearense, 1974.


Anastácio Braga, Notas Genealógicas. Bulcão, Soares. Fortaleza, Editora Henriqueta Galeno, 1973. 


Nobiliarchia Pernambucana. Fonseca. Borges da. Rio de Janeiro, 1936.


Pesquisas:


Cúria Metropolitana da Arquidiocese de Fortaleza.


Biblioteca de História do Seminário da Prainha.


Biblioteca Pública Estadual do Ceará.


Biblioteca de Ciências Humanas da UFC.



Biografias:


 J. Batista Santiago.


 Nascido no povoado de Barrinha, Trairi, fez os estudos primário e ginasial em sua terra, concluindo o ensino médio no CEJA Paulo Freire, em Fortaleza. Formado em Teologia, com pós-graduação em Psicanálise Infantil, foi professor estadual do Grupo Escolar Raimundo Nonato Ribeiro entre 1968 e 1976.

De origem camponesa, esteva à frente das criações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (1963) e da Cooperativa Agropecuária do Trairi (1971), onde nesta foi presidente duas vezes e ocupou diversos cargos na diretoria.

No início da década de 1970, exerceu o cargo de coordenador das Comunidades Eclesiais de Base, organizadas pela Paróquia de Nossa Senhora do Livramento, época em que participou dos movimentos sociais.

Eleito vereador em 1976, foi presidente da Câmara de Vereadores por um mandato, no caso dois anos. Essas experiências o levaram ao cargo máximo da Educação municipal durante a gestão da prefeita Olga Nunes Freire Ribeiro, assim como Secretário de Agricultura nas administrações de Jonas Henrique Azevedo (segundo mandato), Henrique Mauro de Azevedo Porto (primeiro mandato) e de Francisco José Noronha, respectivamente. Por sua vez, foi Ouvidor Geral do Município e Secretário de Planejamento durante o governo de Josimar Moura Aguiar.

Pesquisador incansável, foi um dos autores do livro didático Trairi, Cidade da Gente, de 2019, continuando os estudos sobre a sua terra, em novo desafio, ao lado do amigo e historiador Junior Lucas (J. Lucas Jr.), levando seus conhecimentos, da experiência em vida e das pesquisas, como dever sagrado a todas as gerações de trairienses.


 J. Lucas Jr.

 O autor viveu a infância entre Fortaleza, onde nasceu, e a terra querida dos seus pais e parentes, Trairi. Foi no interior que cultivou, desde a adolescência, o convívio com a vida primitiva, fazendo amizades com pessoas simples e convivendo em meio à natureza e à liberdade.

Ali, entre os rios e o mar, participou dos movimentos sociais e políticos, enaltecendo a democracia após a ditadura militar. Foi, portanto, nesse convívio, que passou a se aproximar dos fatos que marcaram a vida daquela gente, anotando as curiosidades, e escrevendo um pouco da sua história, guardada no seu acervo memorialista, no caso os blogs Ceará na História e Mundo em Debate.

 Em Fortaleza, Junior Lucas desde moço passou a ensinar, de maneira particular, as matérias mais procuradas: Matemática, Física e Português, continuando com elas adiante, nos anos 1990, quando lecionou em escolas, paralelo ao que cursava nas Faculdades: Ciências Contábeis (UFC) e Filosofia (UECE), além do emprego no Banco do Nordeste mediante concurso.

Autor de Rock Cearense, o Heavy Metal e suas Origens - 1951 - 1986, possui dezenas de matérias sobre as curiosidades do Ceará em seus dois blogs e no Acervo Lucas. 

Ao aceitar o desafio de coordenar a Biblioteca Dr. Rodolpho Theophilo, do Instituto Tonny Ítalo, entre 2015/19, concluiu o romance Guerreiro sem Cor, explorando os desafios da expedição de Pero Coelho, em 1603/04, com passagens por Trairi, além de escrever vários artigos e crônicas envolvendo os campos educacionais e sociais do País.

Finalizando 2019, ano em que fez parte do Conselho de Leitores do Jornal O Povo, publicou a primeiro volume deste Esboço Histórico de Trairi ao lado do parceiro João Batista. 



                                            Professores Batista Santiago e Junior Lucas


Arquivos históricos:




07 de maio de 1747. Falecimento de Maria de Jesus e José (Maria Furtado de Mendonça)




13 de julho de 1733. Casamento da filha de Maria Furtado de Mendonça.


17 de maio de 1743. Falecimento da filha de Maria Furtado de Mendonça.

1734: Batizado do Pe. José Furtado de Mendonça. Sua avó, Maria Furtado de Mendonça, a sua madrinha.

 
1728. Maria Furtado de Mendonça batiza escravos.


1732. Batizado de filho de escravo, ambos com nomes de parentes de Maria Furtado de Mendonça.




1741. Padre Felix de Azevedo batiza filho de escravos.




1742. Batizado de filho de índio escravo.

1742. Batizado de Estêvão Vicente Guerra, neto de Maria Furtado de Mendonça.


 
1742. Padre Felix de Azevedo batiza filho de negro e de índia escravos.

 
1759. Primeiros batistérios do Padre José Furtado de Mendonça.

1768. Irmãos, sobrinhos de Maria Furtado de Mendonça, padrinhos na Lagoa do Tapuia.


1798. Últimos batistérios do Padre José Furtado de Mendonça.




04 de setembro de 1798. Falecimento do Padre José Furtado de Mendonça.




Parte da genealogia da família de Maria Furtado de Mendonça.