terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Trairi - Viagem de Antônio Bezerra de Menezes - Incluindo Mundaú

"Notas de Viagem (Parte do Norte)" - Typographia Economica - 1889 - Antônio Bezerra de Menezes



Dr. Antônio Bezerra 

Antônio Bezerra de Menezes. Nascido em Quixeramobim, de origem caririense, bisneto de militares, do lado paterno participante da Confederação do Equador, sendo pelo lado materno da família Albuquerque, de Pernambuco. Estudioso em ciências naturais, médico, político, foi poeta e historiador, figura destacada da causa abolicionista no Ceará, e como membro da Sociedade Cearense Libertadora um dos fundadores do jornal Libertador, ao lado de Teles Marrocos e de Antônio Martins, filho de Trairi.



Em 1889, com a ajuda do presidente da Província do Ceará, Caio Prado, publicou suas anotações sobre a sua jornada pelos sertões cearenses entre 1884-85. Sua passagem por Trairi, vindo do Acaraú e Almofala, durante os primeiros meses de 1885, numa escrita digna de poeta, em primeira pessoa, destacamos aqui. Ao final, para maiores esclarecimentos, temos notas a respeito dos relatos:


Mundahú (Mundaú)



Assentado próximo à praia, cerca de 2 km da margem direita do rio, este povoado se esconde em meio a coqueiros. Consta de uma extensa irregularmente edificada, que se prolonga de leste a oeste, aqui mais larga, ali mais estreita, e de outras em começo atravessando esta com direção ao mar.

 Os prédios, à exceção de um ou outro melhor, são de taipa ou de pobre aparência. No fim da rua grande, próximo dos morros que ameaçam em futuro não muito remoto aterrar a população, vê-se uma capelinha dedicada a São João. A pobreza desse templo denuncia o estado de fortuna dos habitantes, em sua maioria pescadores.

 A cadeia pública sobressai entre os demais edifícios do lugar. É pequena, mas bem construída. Fica no meio do povoado, ao lado setentrional da rua principal.

 Tem uma escola para meninos e nota-se que é regularmente frequentada.

 Os coqueiros erguem-se por toda parte, na praia, nos morros, nos quintais, pelo meio das ruas, de sorte que o transeunte é ameaçado a cada passo de ser derrubado por um dos seus frutos.



Mundaú. Segundo o autor, havia tantos coqueiros que temia-se ser derrubado por um fruto. Foto Natasha Mazzacaro


Para o lado poente há lugares baixos, apropriados à lavoura, onde se planta cana e fruteiras.
 Em sequencia de seu magnífico ancoradouro, que é procurado pelos vapores das companhias do Maranhão e de Pernambuco e outros barcos menores, para o fim de carregarem  os algodões da Imperatriz e de pontos adjacentes, e darem descargas das mercadorias importadas para o comércio dessas localidades, o Mundahú apresenta por vezes uma certa animação. Os direitos sobre exportação sobre as mercadorias que entram e saem por esse porto são cobrados por um agente, que, no último ano, arrecadou quantia superior a três contos de reis. Entretanto, apesar dos recursos que lhe vem da pequena lavoura, acredito que tão cedo não passará de arraial de pescadores.

 Dando por terminada a minha comissão por essa localidade, agradeci aos amigos Manoel Joaquim Carneiro, Antônio de Freitas Guimarães, Bernardo Soares de Almeida e Antônio dos Santos Mello, os obséquios com que me haviam mimoseado e pus-me de partida para Trahiry na manhã do dia 17.

Trahiry (Trairi)


 Depois de galgarmos elevados morros que se erguem ameaçadores à leste, viemos sair na costa, por onde continuamos a viagem até cerca de 12 km sempre em rumo leste, e dali pendendo para o sul por sobre os morros sobrepostos uns aos outros, descemos ao vale ao cabo de 3 horas de marcha enfadonha.

A mata pouco difere da dos lugares vizinhos, notando-se, no entanto, que a estrada era matizada de um e outro lado pelas flores da verbenácea manacá (duranta bicolor), que em consequência das primeiras chuvas esplendiam suas cores branca e roxa purpurina, embalsamando o ar com suavidade de seu perfume. De vez em quando deixávamos ver  à direita ou à esquerda uma agradável vivenda, que anunciava sítios de recreio ou de plantações fruteiras.

 Veio ao meu encontro o sr. Raymundo Xavier de Sousa, apreciável cavalheiro, com quem eu havia entretido relações no Mundahú, e que se encarregara de arranjar-me casa na vila. Logo que constou a minha chegada, recebi o cartão do coronel Antônio Barroso de Souza, que me cumprimentava e fazia empenho para me hospedar em sua casa durante os dias que por aqui me demorasse. Agradeci-lhe cordialmente; já estava a meu cômodo.

À tarde, saí a passeio para o fim de conhecer a vila e os subúrbios. Notei que o terreno do lado do sul, desde o lagamar que a circunda a pouca distância, e entra pela nascente, até quase o poente, vai-se elevando pouco e pouco para o norte. Esta depressão, por onde se intromete o mar, apresenta nas marés altas vista agradável pela porção d’água, e não menos pela presença do coqueiral dos sítios do lado oposto dessa espécie de golfo. Por ocasião da retirada das águas, apanha-se no solo, grande quantidade de sal sem que se precise de empregar, como em outros lugares, o processo dos poços.

 A vila contém 161 casas, sendo 134 de telha e 27 de palha distribuídas em diversas ruas em começo, das quais a principal e mais extensa corre de sul ao norte. As ruas são tortuosas e irregularmente traçadas. Ao poente, banhando os quintais das casas e formando magníficos sítios, pela variedade de fruteiras, passa o ribeiro Trahiry na mesma direção da rua principal. Numa pracinha ao sul fica a igreja matriz, templo pequeno erigido a Nossa Senhora do Livramento, que se conserva com o devido asseio. Está situado na légua de terra doada por Maria de Jesus e José.

 Para o lado norte, encontra-se o prédio que serve de cadeia e quartel, o qual precisa ainda de serviços para a sua conclusão. É talvez o melhor da vila.



Notas de Viagem

Observei por todo o sertão, infelizmente, que esses edifícios, por serem do governo, são os mais bem construídos e contêm em toda parte grande número de reclusos, vítimas da ignorância e desprezo dos poderes públicos. Quando a política deixar de ser um fanatismo que transvia as classes mais “iluminadas” da nação, a ponto de só curarem de si e dos seus afeiçoados, para não empregar termo mais descortês, quando se respeitar o direito do povo por medo da guilhotina, então sim as escolas substituirão as prisões, o trabalho honesto a ociosidade, a aspiração natural a prática do crime, o merecimento ao favoritismo. E todos serão felizes e trabalharão em comum pelo engrandecimento  da terra natal com a consciência de haverem cumprido o seu dever.



 Além do ribeiro, rumo de poente, está construído o barracão de peixe muito abundante nesse ramo de negócio, em consequência da aproximação da costa que fornece de instante e instante o alimento preciso da maior parte da população. Uma buzina de contínuo anuncia a chegada de novo carregamento mais fresco, mais apetitoso. Além do que se consome diariamente, exporta o Trahiry porção de peixe para o mercado da capital.

 Como o Acarahú, dispõe também de terrenos apropriados ao plantio de cereais e algodão, e todos os anos saem  do seu município para mais de cinco mil fardos da valiosa malvacea. A cerca da origem dessa localidade, sabe-se que foi seu primeiro o povoador  Desidério da Costa Araújo de Mattos, ignorando-se a época em que por aqui veio morar.

Há na vila duas escolas, uma para o sexo masculino e outra para o feminino. Em Mundahú para o sexo masculino, e Paracuru um para meninos e outra para meninas.

 Cria-se no município porção de gado, e o dízimo produziu no último ano a quantia de 1:728$000 reis.

 O dízimo do pescado importou em 1:521$000 reis.

 A população é calculada em 8 mil almas.

Aos cofres do tesouro provincial fez recolher a coletoria a quantia de 8:466$330 reis, apenas 636$927 reis menos que a estação do Acarahú, que dispõe de muito mais recursos, não se podendo concluir desse confronto  senão que as rendas da província aqui mais zelosamente arrecadadas.



A vila, hoje cidade, e o rio, que resiste às secas. (Acervo Marcelo Barbosa)


Na distância de 18 km à leste da vila acha-se a grade lagoa das Almécegas, formada naturalmente pelas areias dos morros que fecharam-lhe o sangradouro. Até 1860, os moradores da circunvizinhança abriam a barra para o escoamento das águas, mas afinal tiveram que ceder ante a teimosia dos ventos que lhes neutralizavam o trabalho e daí a inundação estendeu seu domínio por largos espaços de terreno, destruindo as habitações das margens e atraindo outras, onde hoje termina a sua circunscrição.

 Há por ali sítios famosos. Nos anos da última seca, serviu o lugar de refúgio de milhares emigrantes que desciam o sertão acossados pela fome, e em consequência a fertilidade e abundância de peixe escaparam a calamidade. Pessoa fidedigna afirmou que viu apanhar-se traíra de tamanho extraordinário, algumas das quais mediam pouco menos de um metro.



Ilustre figura do Estado do Ceará


Se o governo não botasse tanta má vontade a tudo o que pertence a esta província, poderia aproveitando as disposições naturais do local e com pequeno dispêndio. Dotar-nos com um magnífico reservatório que tem prestado e há de prestar grande auxílio a uma parte da população. Apesar do abandono  em que permanecemos, a natureza se compadece de nós, e com pequenos recursos que nos fornece em tempos regulares erguemo-nos sempre, tirando da adversidade incontestável vantagem sobre outras províncias, que se ufanam de ricas e de privilegiadas. Abençoado desprezo esse que dá motivo para alevantarmo-nos contando somente com o próprio esforço!

 Este município foi criado com os limites da freguesia de Parasinho pela Lei 1068, de 12 de novembro de 1863, suprimida pela de 12 de novembro de novembro de 1864, restaurado pela Lei 1235, de 27 de novembro de 1868, tendo por sede Paracuru. A sede do município e freguesia ainda foi transferida para Trahiry com a denominação de Nossa senhora do Livramento pela Lei 1604, de 14 de agosto de 1874, passando a ter a primeira denominação de Trahiry pela Lei 1669, de 19 de agosto de 1875. Desanexado da comarca da capital, passou a pertencer a da Imperatriz  pela Lei 1408, de 9 de agosto de 1875. Seus limites têm sido alterados do modo seguinte: com Pentecoste, Lei 1283 de 29 de setembro de 1869, combinada com a Lei 1542, de 23 de agosto de 1873: com são Francisco, Lei 1641, de 19 de setembro de 1874, alterada pela Lei 2041, de 5 de novembro de 1883.

 O distrito de Mundahú, que a Lei 1771, de 19 de novembro de 1878 anexou à Imperatriz,passou ultimamente a pertencer ao Trahiry pela Lei 2045, de 9 de novembro de 1883.

 Como freguesia, foi criada pela Lei 1020, de 14 de novembro de 1862, cuja sede era a igreja de Nossa senhora dos Remédios do Parasinho,a qual foi transferida para o Trahiry pela Lei 1604 de 14 de agosto de 1874. A Lei que criou a freguesia marcou os limites atualmente regulado com a freguesia de Soure, Lei 1361 de 15 de novembro de 1870,com a do Pentecoste, Lei 1283, de 19 de setembro de 1869; de são Francisco, Lei 1641, de 19 de setembro de 1874; a de Imperatriz, Lei 1020, de 14 de novembro de 1862.

 Tem quatro distrito de paz: o do Trahiry, restaurado pela Lei 253, de 19 de novembro de 1842; o do Parasinho, criado pela Lei 1027, de 21 de dezembro de 1862; o de siupé, restaurado pela Lei 1836 de 17 de setembro de 1879, e o do Mundahú, criado pela Lei 831, de 22 de setembro  de 1857, que lhe traçou os limites: pela Lei 1771, de 17 de novembro de 1878 foi desmembrado do termo do Trahiry e anexado a Soure pela Lei 2045, de 5 de novembro de 1883.

 O Trahiry tem também o seu solo ensanguentado pela brutalidade dos sicários. Foi durante muito tempo covil de assassinos e desertores, que aqui encontravam proteção e amparo. Felizmente mudou-se a face das coisas, e hoje o município acompanha aos outros no desenvolvimento material na proporção das suas forças.


Conflitos e Barbaridades



 Entre muitos fatos, alguns para dar uma cópia da fereza dos antigos habitantes. Pelo ano de 1840, Antônio Thomé travou razões com Francisco Castro Aranha, seu irmão. Intrigou-se com ele e jurou matá-lo. Numa tarde, diversos indivíduos, a mando de Thomé, apresentam-se no lugar Sant’Ana, onde habitava o irmão e o intimidaram que saísse para morrer. Castro resiste o quanto é possível, fazendo esforço para segurar bem as portas. Mas os assassinos deitam fogo na casa e nas chamas acabam todos que se achavam dentro: o próprio Castro, sua senhora e seu filho de nome Sancho, afilhado de Antônio Thomé.

 O português José Ferreira Pinto de Carvalho, habitava coma sua família a fazenda Barreiras, a 30 Km da vila. Em consequência de roubos praticados em bens de sua propriedade, por Pedro Felix de Moura e Carlos Rodrigues da Costa, Ferreira levou-os aos tribunais. Dali por diante, tornaram-se aqueles criminosos seus inimigos figadais e não cessaram de ameaçá-lo de morte, até que na noite de 20 de agosto de 1872, pelas 7 horas, Pedro Felix, auxiliado por três sicários, assaltaram a casa de Ferreira e o assassinaram, bem como a sua senhora, um filho, um neto e o vaqueiro Antunes Paz, que ali compareceu na ocasião. Este lutou como um herói e só caiu aos golpes por achar-se calçados com peneiras e gibão. Mesmo assim feriu gravemente um dos assassinos. Os matadores foram presos e condenados à galé, sendo Pedro remetido para o presídio de Fernando de Noronha, onde se supõe exista nos tempos atuais.

 Liberato Barroso, filho de pai ilustre pela estima pública, revelou desde a infância má índole, a despeito dos esforços empregados para corrigi-lo. Por ferimentos graves na pessoa de um companheiro de viagem ao Arraial, foi levado a júri e absolvido. O prestígio do seu pai fazia pender sempre a sorte a seu favor.

 Um ano depois de casado, achando-se sua esposa, D. Paulina de Pontes Franco em casa do pai na fazenda Alto Alegre, ali se apresentou Liberato, trazendo no semblante a mais afável expressão de contentamento. Seu sogro, que  o conhecia vantajosamente e se arreceiava do seu caráter refalsado, à sua chegada dá ordens aos fâmulos que não se ausentem e emprega-os em serviços ao derredor da casa. Liberato pouco se demora, despedindo-se de todos promete voltar dentro de poucos dias. Uma tarde, D. Paulina, em conversa com as irmãs, diz-lhes que não sabe o que está para suceder-lhe, pois que lhe pressagiava o coração uma grande desgraça. Mal terminava a palavra, ouve-se o ruído das patas de um cavalo: era Liberato que acabara de chegar. Ela o recebe com carícia, e depois de conversarem alguns minutos ele lhe pergunta se está disposta a acompanhá-lo. Obtida a resposta afirmativa, pede-lhe em seguida um pouco de água. Dona Paulina dirige-se ao ângulo da sala e enquanto introduz a caneca na talha, Liberato dá-lhe três punhaladas pelas costas e se retira, limpando o ferro homicida na sola do sapato. A mãe da vítima, que entra na ocasião, exproba o procedimento bárbaro do genro, chamando-o de malvado e é intimada para calar-se sob pena de caber-lhe igual sorte. Afluindo à sala diversas pessoas da família, deixa o marido assassino o lugar do crime com a indiferença de Antônio Gasparoni. Preso afinal e submetido a julgamento foi absolvido unanimemente, sentença esta que ainda hoje cobre de rediento o júri desta localidade.

 A par destes feitos tão tristemente célebres, que a maioria da gente honesta deplora e estigmatiza, há muito de que ufanar-se a nascente vila do Trahiry.


Antônio Dias Martins Jr.



 No movimento abolicionista, por exemplo, que há de trazer a melhor porção de glória para esta província, cabe boa parte a um de seus filhos, que na cruzada civilizadora, apresentou-se cavaleiro armado de tanto patriotismo e abnegação, quanta tenacidade e denodo. Quero falar de Antônio Martins, o moço sertanejo, que teve alma bastante para, cerrando os ouvidos para os reclamos da conveniência negreira, verberar em estrofes incandescentes  o crime dos retardatários, e avançar entre os primeiros o estandarte branco da igualação dos direitos dos homens nas ameias do escravagismo, ávido de ver surgir da elaboração desse esforço titânico da mocidade generosa do começo de uma nova pátria digna dos brasileiros.

 De obscuro empregado do comércio aldeão fez-se tribuno, jornalista e poeta , e secundado do prestígio de seu belo talento colocou-se à frente do movimento reacionário que devia, por enérgica transformar em Terra da Luz a região caluniada pelo ódio dos vencidos. Foi dos dez cognominados libertadeiros que juravam vencer ou cair na luta travada contra inveterados preconceitos, e antes que o desânimo o abatesse em das dificuldades das forças contrárias, viu coroados seus esforços e sacrifícios com mais grata das compensações: a paz na consciência de haver cumprido o seu dever. E todo o plano de progresso, cuja realização possa fazer algum bem para a terra natal, ei-lo pressuroso ao serviço de boa causa, como patriota que é, já concorrendo com o fulgor da sua pena, já com a franqueza de sua bolça.

 Antônio Martins: o intransigente soldado das ideias novas, tem demais um coração magnânimo que o torna ainda simpático por atos de generosidade, e apesar da modéstia em que se esconde, faz parte da plêiade valente que se ilustra nas letras e não escolhe meios para desbravar os tropeços que se antepõem à marcha triunfante dos pioneiros do futuro.

 Quando a pátria reconhecida tiver de refletir aos posteros os feitos mais gloriosos dos seus filhos pela estabilidade de sua legítima grandeza, seu nome avultará entre os mais queridos e mais respeitáveis. Há muito tempo que me habituei a prezá-lo como benemérito e como herói.

Assim comentou Leon Dennis, célebre discípulo de Alan Kardec, sobre  amorte de Bezerra de Menezes, em 11 de abril de 1900:

"Quando tais homens deixam de existir, enluta-se não somente o Brasil, mas os espíritas de todo o mundo".


 Notas do Blog: 


 Raymundo Xavier de Souza: único filho homem do coronel Francisco Xavier de Souza, da época dos primeiros colonizadores. Cuidava das “oficinas” da família em Mundaú. A residência deles na sede se localizava na “ Rua de Baixo”, Furtunato Barroso, vizinho à morada do ex-prefeito Antônio Silva.

 O autor não cita Dona Maria Furtado como doadora das terras de Nossa Senhora do Livramento e sim o seu nome adotivo, “Maria de Jesus e José”, beata.

 Almécegas: lagoa natural, sempre existiu. Como se lê, a movimentação das dunas causa vazantes e inundações.

 A população de “8 mil almas” (1885) chegou a 9 mil em 1875, quando, cinco anos antes, muitos fugiram dos grandes centros do interior, como Quixeramobim e Sobral, para evitar convocação para a Guerra do Paraguai. Milhares de trairienses e de “forasteiros”, que em suas terras buscavam comida diante da fome no sertão, morreram em decorrência de secas e pestes entre 1877-79. Foi fundado um cemitério, com mão de obra retirante, em 1877, no hoje bairro do Pici. No Dicionnario Geographico do Ceará 1908, o autor, Álvaro de Alencar, cita 4937 habitantes no censo de 1890. Apenas na década de 1930 voltou a superar 9 mil habitantes.

 A Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, de Jurandyr Pires Ferreira, que é adotada pelo IBGE, diz na edição de 1959: “Pela primeira vez o município foi criado de acordo com a Lei n° 1068 de 12 de novembro de 1863”.

 Liberato Barroso: Liberato Barroso de Souza na verdade era sobrinho, filho de criação do antigo intendente, coronel Antônio Barroso de Souza, e por curiosidade, o autor hospedou-se na sua residência. Dona Maria Pia conta que no dia do julgamento em fato do assassinato da esposa, sua mãe adotiva, Dona Cazuza, dos Francisco Braga (Itapipoca), ameaçou cortar a cabeça de cada jurado caso o filho fosse condenado. (Não confundir com o político Benjamim Liberato Barroso, da rua de Fortaleza)

Aos dez libertadeiros (abolicionistas), referia-se aos fundadores da Persverança e Povir (1879), por onde partiu a bandeira pela libertação dos escravos: Antônio Martins, João Cordeiro, Justiniano de serpa, Isaac do Amaral, Juvenal Galeno, Rodolfo Teófilo, Francisco José do Nascimento, Frederico Borges, Teles Marrocos e ele, Bezerra de Menezes, que pela modéstia não se citou

 Antônio Martins: Antônio Dias Martins Junior. Filho do coronel Antônio Dias Martins e de Francisca Xavier de Albuquerque, foi um dos mais brilhantes jornalistas cearenses do século XIX, destacando-se pelo trabalho abolicionista no seu jornal Libertador. Irmão, por parte de pai, do poeta Álvaro Martins, um dos fundadores do grêmio literário Padaria Espiritual, e de outros, e membro da Academia Cearense de Letras.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Trairi - A Natureza dos Índios


 
Tremembés (Nicolau de Resende)
No Ceará, como na vastidão dos sertões brasileiros, eles já foram incontáveis, livres, tendo a terra como a essência da vida. Hoje a esperança os faz existir, embora poucos, em torno de 21 mil índios, pelo menos (dos 900 mil do Brasil), divididos em dez etnias: Anacé, Tapeba, Pitaguary, Jenipapo-Kanindé, Kanindé, Kalabaça, Paiacu, Kariri, Tabajara e Potiguara (ou Potiguar), tendo como nações Tupi, Kariri, Tremembé e Tapuia, todas em constante processo de lutas pela sobrevivência, ante a ganância dos brancos pelas suas terras.


 A história de Trairi, no Ceará, associa-se às primeiras experiências da raça branca nas Américas. Ponto estratégico do litoral brasileiro, serviu de base de apoio a muitos navegadores europeus, na atração de matéria prima, como madeiras, pratas e frutas, além de água doce, banhos nas lagoas, para prosseguimento de viagens, ainda que para tal às custas de difíceis negociações com os índios primitivos, os tremembés.

Nação Tremembé


 De etnologia desconhecida, para muitos estudiosos os tremembés não pertencem ao grupo dos tapuias (que não falavam tupi), muito menos tupi,e assim classificamos os tremembés como Nação. De pele escura, teriam chegado à América oriundos da África, em rústicas embarcações, saltando de ilha em ilha há mais de 110 mil anos. Por isso, foram os primeiros nativos a contatar estrangeiros, custando-lhes muitas vidas. Divinos pescadores e flecheiros, habitaram praticamente todo o litoral do Ceará (que na época incluía o Piauí) e parte do Maranhão. Mas, na defesa contra a invasão branca, suas terras foram cedidas a uma etnia que chegara do leste, mais segura e de diálogo conciliatório.

Potiguaras


 Os potiguaras viviam entre os rios Paraíba e o Jaguaribe, célebres defensores do RN. Na época das capitanias hereditárias, no século XVI, houve uma ofensiva portuguesa naquela região que gerou a conquista das terras e consequente expulsão dos primitivos, que resistiam em trabalhar nos engenhos. Muitos, aliás, anteciparam-se e partiram para o Ceará, onde os tabajaras, da PB, aliaram-se aos franceses, que pelas serras procuravam ouro e prata. Os potiguaras se entenderam com os tremembés, fixando-se entre o Jaguaribe e o Mundaú, e em consequência o surgimento de “troncos”, como os anacés e tapebas.

 Do Mundaú ao Pecém, ficaram conhecidos como “pitiguaras”, provavelmente devido à pronúncia dos tremembés referindo-se aos potiguaras (potiguares ou “petegoares”), em seu dialeto, e por sua vez chamavam o rio Trairi por “Corubu”. No século XVIII, aliás, os anacés moravam na beira do rio Mundaú, conforme registros em cartas de sesmarias.

Europeus


 O Tratado de Tordesilhas (1494), que deliberava a partilha de terras entre Espanha e Portugal não foi bem recebido pelos vizinhos, célebres conquistadores, que desconsideraram o mesmo. Antes da chega dos portugueses, outros europeus estiveram na costa cearense. No caso dos holandeses, ou neerlandeses, flamengos, aos quais os lusitanos acusavam de “pirataria", destacaram-se em várias atividades, registrando tudo, em todos os sentidos, da escrita à pinturas. Os mapas da época traziam seus espantos com o tamanho do território cearense, pois o apresentava maior que o atual.


Antigo mapa holandês põe em dúvida a localização do Forte de São Lourenço. Pode ter se localizado em praias trairienses.

 A Holanda vivia a Guerra dos 80 Anos contra a Espanha, enquanto Portugal apoiava a Inglaterra na Guerra Anglo-Espanhola. Isso gerou a supremacia naval neerlandesa (Holanda), que incursionou a costa nordestina.  A partir de 1600, os negociantes Jan Bautista Sijens e Hendrick Hendrickssen Cop,, além do navegador Claes Adriaenssen Cluit, introduziram vários topônimos oriundos das tribos do litoral cearense, podendo-se ver as citações dos índios no nosso litoral, tremembés, os rios e praias, como “Taraira” (Trairi), K. Resenlaer: “Pendahug”, em 1628; Hondius, “Mondahub”, em 1636; Laet, “Mendahug”, e Santa Tereza, “Mundahug”. Em carta, da Bahia, o governador Diogo de Meneses escreveu “Mondahu”, em 1612, o mesmo nome usado em sesmarias nos anos de 1682, 1683, 1694 e 1706. 

Missionários


 Temos registros, de 1607, da passagem dos padres Francisco Pinto e Luiz Figueira por terras trairienses (Barão de Studart, por exemplo, não cita a localidade, mas relaciona a geografia) e da relação harmoniosa entre os religiosos e os “pitiguaras”, entre os rios Curu e Mundaú. Padre Serafim Leite foi enfático ao mencionar índios praianos como acompanhantes dos missionários até a Serra da Ibiapaba naquele ano. Cobra Azul, que provavelmente vivia na foz do rio Trairi, primeiramente, liderou essa marcha, porém, em seguida, chegou o líder Jacaúna. Por certo, fora informado da excursão quando chegara de outras praias e seguira em disparada rumo à serra. Isso prova que Jacaúna, ou Algodão, vulgo Amanaí, fizera parte, em 1603/04, da expedição de Pero Coelho e conhecia o líder tabajara, da Ibiapaba, Jurupariaçu, o Diabo Grande.

Localização do Forte


Ao forte de São Lourenço, que Pero Coelho teria erguido na foz do rio Jaguaribe, também citado como São Lucas, não é dada a confirmação da legitimidade da sua localização, tendo em vista que em seu entorno viveria Jacaúna e seus índios, que preferiram a catequese à ameaça de guerra contra os portugueses. Sabe-se, porém, que o líder indígena vivia entre o Iguape e o Mundaú. Mapas neerlandeses indicam várias situações, inclusive nas proximidades de Trairi.

Brilhantes Artesãos



Cerâmicas encontradas em escavações (Foto João Nilo Nobre)
A respeito da presença dos “pitiguaras” em Trairi, vão além da pesca e agricultura as suas contribuições às sociedades. Moradores das faixas ribeirinhas dos rios, Trairi e Mundaú, os índios tinham notáveis habilidades para as artes. No decorrer dos anos, os habitantes, a maioria oriunda da miscigenação com o índio, num achado arqueológico, têm encontrado artefatos, motivando, da parte do IPHAN, em 2011, uma série de escavações na localidade de Boa Esperança, atual bairro de Trairi. Do trabalho, surgiram do chão preciosidades como cerâmicas e ossos de antepassados. Tal descoberta vem a confirmar as citações dos moradores mais antigos, que os índios eram grandes artesãos.



  As catequeses forçadas pelo branco mudaram a cultura indígena, porém a resistência nunca cedeu. A tradição se mantem, ainda em meio à discriminação. Reflitamos as palavras da estudiosa Maria Amélia Leite, da Missão Tremembé (Almofala, CE): “o grande desafio é uma política indigenista de responsabilidade do Governo Federal. É preciso que a sociedade entenda que os índios não se acabaram, que aquele relatório de assembleia provincial, dizendo que não tinha mais índio em aldeamento, foi usada de forma continuada por parte dos governos, de setores da imprensa e da sociedade”.










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sábado, 26 de novembro de 2016

Trairi - A Peste e o Antigo Cemitério

Vila em 1863


Trairi, a partir de 12 de novembro de 1863, pela Lei 1068, tornou-se Vila, sendo o primeiro presidente da Câmara o coronel Antônio Barroso de Souza, ou seja, quem administrava o município. Em 31 de outubro do ano seguinte a mesma foi extinta pela Lei 1110. No dia 27 de novembro de 1868, Pará-Curú tornou-se vila pela primeira vez, conforme a Lei 1235, e Trahiry a ela pertencente. Porém, com a Lei 1604, de 14 de agosto de 1874, passou a denominar-se Nossa Senhora do Livramento, sendo restabelecido Trahiry com a Lei 1669, de 19 de agosto de 1875.


 Foi nesse período da primeira administração, o mais longo do município, que Trairi enfrentou seus maiores desafios. Grande área, carência de meios de transporte, infraestrutura insignificante, parcos recursos financeiros, serviços públicos ineficientes e acima de tudo desigualdade social contribuíram para a crescente miséria da população.

O Ano da Devastação


  Embora a tragédia tenha chegado em Trairi no ano anterior,  1877 foi o primeiro e o mais devastador ano de uma seca que durou quase cinco anos. A velha epidemia voltava ao Ceará e Trairi não ficou de fora, perdendo o controle de uma doença que não poupava status, matando ricos e pobres. Chegou a Fortaleza a partir dos navios a vapor que vinham do Rio Grande do Norte, Estado que por sua vez contraiu a peste dos brancos que saíram da Europa, onde cerca de 25 mil soldados franceses dela pereceram: a varíola. O corpo coberto de feridas, úlceras com pus que se espalhavam pelo corpo.

 Ofícios expressando preocupação e até desespero foram assinados pela Comissão de Socorros ao governador da província, Caetano Estelita Cavalcanti Pessoa. Além da fome e da peste, a população crescia com os flagelados e doentes oriundos de vários povoados. Tudo que chegava, alimentos, remédios e dinheiro, era relatado, em resposta, pelo intendente ao governador, como o uso dos recurso, sempre salientando que, “apesar da gratidão”, não era suficiente para atender a demanda crescente, um povo que, para não morrer de fome, comia de calango a morcego.


As Autoridades


 A Comissão de Socorros era composta por:

 - Antônio Barroso de Souza: Presidente da CMT, segundo Maria Pia oprimeiro juiz de Trairi, vindo de Paracuru. Suas terras se localizavam no sul do Estrela.
 - Francisco da Rocha Campelo, juiz, e seu substituto Vicente Teixeira da Costa Sampaio.
 - Padre Francisco José da Silva Carvalho: Primeiro pároco de Nossa Senhora do Livramento.
- José Themístocles Teles de Carvalho: Coletor.


 Porto de Mundaú, de Olho nos Vapores


 Essa “ajuda”, cereais e dinheiro, era enviada pelo mar, no caso a Mundaú, através dos vapores “Maranhão” e “Costeiro”, da Companhia Maranhense, que em cada porto atracavam levando os socorros aos necessitados, sendo que no retorno do norte levavam as correspondências para Fortaleza. O encarregado de receber as mercadorias do governo era o Major José Joaquim Carneiro, que aguardava os navios sobre os morros daquela praia trairiense. De lá, seguia, a cavalo, pelas dunas, à sede, a mercê de surpresas, armado e atento, guiado por Deus.

 Numa comunicação, Coronel Barroso pediu permissão para que alguns flagelados seguissem para Parnaíba PI, sob alegação de que naquela praia havia assistência. Mas a maioria se dirigia para Fortaleza, cuja população, em 1877, era de 130 mil habitantes, dos quais 110 mil retirantes. Famílias orientadas a descer a ladeira da rua General Sampaio às praias do sentido norte (Formosa - hoje Leste Oeste, Pirambu) ou ao Morro Croatá (hoje garagem da  Estação, Oitão Preto), segundo as autoridades, para pegar ventilação, porém, abandonadas, morriam de fome ou da praga.


 Dr. Rodolfo Teófilo Ajudou


 Na troca de ofícios, a ignorância sobre a doença, até mesmo da parte do chefe dos serviços médicos, Francisco Leão, pois se tratava como moléstia, peste, doença em decorrência da seca, febre e diarreias. Apenas a partir de 1878, quando os periódicos passaram a divulgar as vacinas do farmacêutico Rodolfo Teófilo, usou-se o nome da praga aterrorizante.  O próprio, com todo sacrifício chegou a enviar medicamentos e receitas ao município, sendo seu nome registrado em agradecimento.


 O Antigo Cemitério


 Com recursos enviados, que chegaram a um conto de réis, parte doada por comerciantes de Fortaleza, foram construídos, em 1877, os antigo cemitério e cadeia. Toda a mão de obra era composta por flagelados, que recebiam o mínimo para comer. Na verdade, como na capital (Cadeia Pública e Igreja Coração de Jesus), e em Quixadá (onde D. Pedro II exigiu mão-de-obra flagelada na construção do Cedro, o maior açude moderno da América Latina), o governo orientava obras como forma de remunerar os desassistidos, que mesmo doentes trabalhavam.  Os mais antigos contam ter pisado em ossos quando passavam pelo Pici, na sede. Ali, nas proximidades dos pés de sapotis e tamarindos, foram enterrados os nossos irmãos. Vítimas de sofrimento que esperamos jamais passar.



1877: Um dos ofícios trocados entre Trahiry e Fortaleza



quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Trairi - José Rôla e a Praça do Ferreira

 Os Primeiros Cinemas de Fortaleza


 
Av. 7 de Setembro, 12
(Cine Polytheama)
Os primeiros filmes exibidos em Fortaleza, na fase muda do cinema, eram de origem francesa (Paris) e italiana (Roma e Torino). Usava-se bar, teatro e piano, cantores, afinal era de bom gosto, sendo o seu objetivo comercial atrair a classe social mais abastada.

Em 26 de agosto de 1908, a cidade se espantou com a chegada do Cine Di Maio, ou "Cinematographo Art Nouveau", do italiano Vittorio di Maio, na antiga rua da Municipalidade, ou Intendência, hoje Guilherme Rocha. Vittorio, que era considerado o "Pai do Cinematographo no País", por ironia do destino acabou falecendo dentro do próprio no dia 21 de abril de 1926. Já em 1909, chegou o Cine Rio Branco, de Henrique Mesiano, na rua Barão do Rio Branco (antiga Rua Formosa) e o Cassino Cearense (Júlio Pinto).

  Dois grandes capitalistas, Luiz Severiano Ribeiro e Alfredo Salgado, compraram o Cine Di Maio, pois Vittorino falecera. Nascia o Cine Riche e o império das sétimas artes do cearense de Baturité, Severiano Ribeiro.



Polytheama, do Homem de Trairi


José Rôla 
Enfim, em 2 de julho de 1911, com "Pedra¨ (da Pathé-Frères) surgiu o quinto cine de Fortaleza, chegando à importante fase da história de uma família do meu Trairi.

O Cine-Teatro Polytheama foi o primeiro a instalar-se no meio do quarteirão nobre do Centro, ao lado da Praça do Ferreira, na rua Major Facundo, antiga Rua da Palma. Na verdade, na Av. 7 de Setembro, 12. Para muitos, o cinema número um. De propriedade da firma “Rôla, Irmão & Cia” (José e Chico, também ex-caixeiro), de imediato conquistou a preferência popular, com seus bons serviços, conforto e sofisticação.

 No Ceará, foi o primeiro a exibir filmes americanos, da famosa William Fox Corporation, assim como os suecos da Nordisk. Porém, numa ousada investida do concorrente, Luiz Severiano Ribeiro, foi fundado o magnífico e completo Cine Majestic, em 1917, ao seu lado, no prédio mais alto da cidade, onde também funcionou um hotel. Então veio a queda do Polytheama, que em 1922 passou para Luiz Severiano Ribeiro. E no local surgiu o magnífico Cine São Luiz.


A Luta do Empresário Popular


 O primeiro grande empreendedor do cinema cearense, José de Oliveira Rôla, o Zeca Rola, nasceu na Fazenda Retiro, em Trairi, no dia 12 de maio de 1867. Filho de Manoel de Oliveira Rôla, descendente de portugueses, que era o proprietário da Fazenda Taboca, na então Imperatriz (Itapipoca), próximo a São Bento (Amontada), quando menino e adolescente assistiu aos horrores das secas e pestes. Sua mãe, Dona Rita Xavier de Souza (Dindinha), sexta filha do coronel português Francisco Xavier de Souza, faleceu vítima de uma dessas moléstias. Com seus quatro irmãos, passou a infância em Trairi, estudando com o Professor José Joaquim Gouveia, que mais tarde tornara-se intendente interino (presidente da Câmara Municipal), ou seja, prefeito.


Ao lado do bonde, o Art-Nouveau, de José Rôla (Arquivo Nirez)



Ao chegar jovem na capital, empregou-se como caixeiro (auxiliar de tudo no comércio) na loja de louças de Joaquim Felício de Oliveira Lima, localizada também na rua Major Facundo. Pouco depois, em 1907, montou, em sociedade com o genro, Augusto Fiúza Pequeno, a sua primeira loja, Maison Art-Nouveau, bar-café-confeitaria requintado e autêntico, na esquina da rua Major Facundo com Guilherme Rocha (ou Rua da Palma com Municipal), prédio onde viria a funcionar, nos fundos, o Cine Di Maio, ou, para ser mais moderno, no Ed. Granito, onde tornou-se famosa a Tok Discos. Antes, ali, funcionava a Casa Almeida, a qual José Rola era sócio, e que em vista do Art-Nouveau, transferiu-se para adiante, Guilherme Rocha com Barão do Rio Branco. A Maison sobreviveu mais tempo que o maior concorrente, Riche (1926), mas acabou destruída por um incêndio por volta de 1930, quando encontrava-se arrendada.

 Confessou ao amigo Abelardo Montenegro ter sentido a morte do avô e da tia-avó materna, Semiramis de Oliveira Rola, e assim chamou o amigo e sua avó para morarem com ele. Dormiram no mesmo quarto, o mesmo se referindo ao trabalho no escritório, testemunhando a simplicidade e carinho do filho de Trairi.


Deu na Imprensa


 "O sr. José d'Oliveira Rôla, sócio gerente da "Maison Art Nouveau", veio à redação convidarmos a assistirmos amanhã, às 8 horas do dia, à inauguração dos novos e vastos salões do conhecido estabelecimento, agradecido". (Jornal do Ceará, 7 de dezembro de 1907)

 "Ante-ontem, domingo, teve lugar à inauguração da Maison-Art-Nouveau, presente grande número de pessoas, para cujo ato recebemos o convite do snr. José d'Oliveira Rôla, sócio gerente da mesma. Durante todo o dia, esteve repleta de visitantes, entre os quais cavalheiros e senhoras da melhor sociedade. Foi extraordinário o movimento da casa, que só se fechou às 12 horas da noite" (Jornal Unitário, 10 de dezembro de 1907)

 José Rola construiu no porto o "Pavilhão Atlântico", um abrigo para os viajantes, mas tinha a sua particularidade. Deslocava-se para lá e contactava os comandantes, conseguindo contratar suas orquestras para garantir a animação nas noites no seu salão, notadamente aos domingos. Colocava os músicos nos bondes e saía pela cidade divulgando as atrações. Chegou a ponto de promover as primeiras corridas de bicicletas, e obviamente gerando apostas financeiras, na Praça do Ferreira. E como amante do jogo, criou a Casa Americana, naquela praça, onde havia bilhares, jogo do bicho e até a atração maior, que era a imagem de um velho de óculos, "que decifrava sonhos e preia o futuro".

 José Rôla na Visão dos Historiadores



Família Rôla e Zeca
Conforme o pesquisador Edgar Alencar, José Rôla “era um homem de espírito, inteligente, inquieto, incansável, falante, com alma e tino de empresário, muito inclinado ao viver popular e estava sempre tomando iniciativas que agradavam o povo. Foi um grande animador da Praça do Ferreira, promovendo festas sociais e esportivas na Avenida Sete de Setembro (dentro da praça havia o logradouro com essa denominação, na qual se localizava). Foi o introdutor dos Brocoiós, caldo de cana naquela praça, além de leiloeiro acatado e respeitado. Sujeito a conjecturas que sempre afetaram o comércio na época, sofreu consequências, o que jamais contribuíram para que deixasse de ser uma figura popular e querida”.

 Para o sociólogo Abelardo F. Montenegro, "possuía espírito progressista e inovador, rompendo com a rotina dos lustres, iluminando seus estabelecimentos com luz elétrica". Bem antes do Estado, inaugurou uma rede particular de esgotos, aproveitando um trecho da Praça do Ferreira..."inaugurou mobiliário de cores, quebrando a monocromia do preto"..."terminou com o predomínio dos quiosques, abrindo casas confortáveis para freguesia "A esse homem que, a golpes de esforços e inteligência, ascendeu de caixeiro a patrão e a quem Fortaleza deve muitas inovações, ainda não foram prestada a merecida homenagem".

 "A esse incansável cearense muito de a cidade pelas suas constantes iniciativas, dotando-as de bares, tabacarias, garapeiras, cinemas e salas de bilhares". (Raimundo Girão).

 "Homem simples e alegre, tinha a verve espirituosa comum aos cearenses, identificando-se com todas as manifestações festivas do nosso povo". (Ari Bezerra Leite, estudioso em cinema)

 O nosso carinho à família Rôla, tradicional por seus serviços em Trairi, Itapipoca e Fortaleza. José Rola representa apenas um exemplo de devoção ao trabalho, amizade e solidariedade. Sempre ajudando o próximo, independente de classes sociais. Assim é esse povo. O povo de Nossa Senhora do Livramento.

Bibliografia:

“Fortaleza de Ontem e de Anteontem” -  Edgar Alencar.

"Fortaleza, a Era do Cinema" - Ari Bezerra Leite (fotos de José Rola & família, e da Praça do Ferreira)

"Geografia Estética de Fortaleza" - Raimundo Girão


O filme "Odette" (Dir. Giuseppe de Ligouro), com Francesca Bertini e Carlo Benetti, foi
exibido no Polytheama em 1 de agosto de 1916. (Fortaleza, a Era do Cinema)



sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Futebol Cearense - José Silveira, o Homem que Trouxe o 'Balão" da Suíça

Futebol do Ceará nasceu na Suíça - Jornal Correio do Ceará, 18/02/1963

Amor ao esporte abriu caminho ao profissionalismo - Por Teixeira Cruz




José Silveira. Levou o futebol ao Ceará em 1902
(Foto e matéria Correio do Ceará)


O chamado Esporte - Rei, que leva hoje incalculáveis multidões aos estádios, onde são ovacionados os ídolos do esporte campeão do mundo, o “rush” de um Saulzinho, as fintas desconcertantes de um Garrincha, os piques monumentais de Pelé, esse futebol que faz com que todo o subúrbio esqueça a crucial crise que nos atinge, que faz esquecer os s sucessivo aumentos do pão, do arroz e do feijão, o futebol – paixão do brasileiro, que faz conhecido o Brasil no exterior, segundo alguns, a única cousa séria deste país, tem uma longa história em uma terra. Nesta reportagem, procuraremos contribuir para subsidiar a história do futebol  cearense.


Como foi introduzido o futebol na nossa terra


 José Silveira, jovem cearense, sequioso de saber e de conhecer outras terras, outros costumes, partiu aos 15 anos, em 1899, para a Europa, indo parar na suíça Alemã, no Cantão de Sgallen, onde ingressou no Instituto Internacional Dr. Schmidt, que abrigava jovens  de todas as nacionalidades. Então, fez parte da equipe futebolística do Instituto, que era o Rosemberg Futebol Clube, onde atuava de center-half (meia, geralmente o camisa 5). Esse esquadrão era considerado o segundo da suíça, sendo batido apenas pela equipe do Grassopers (Gafanhotos) Futebol Clube, de Zurique. José Silveira foi o único cearense a atuar em gramados de Londres e Liverpool, defendendo os quadros suíços.


O Regresso à Taba  


Regressando a Fortaleza, em 1902, José Silveira trouxe a tiracolo dois “balões” de futebol, um livrinho de regras e sua indumentária de jogador de “association”. Mas tão logo chegou, viu-se às voltas com o problema dos jogadores, pois aqui ninguém jogava nem de leve futebol. Foi então que lembrou-se dos ingleses aqui residentes (é raro o inglês que não bata a sua bolinha). Entrou em contato com Nottingharn, sócio da firma Leite Barbosa, foi ao Cabo submarino e requisitou o apoio, para a empreitada pioneira, dos engenheiros dali, Mister Furlay, senior e Philips. No Gasômetro, integrou-se com os também engenheiros ingleses, Milly, Moise, Ferraby e Corlay, além de Mister Bleasby, das obras do Cais do Porto.  


Primeiros Bate - Bolas


 Convidou, então, Zé Silveira, os cearenses Marcondes Ferraz, Júlio Sá, Prisco Cruz, J. Queiroz e J. Henrique para comporem o time do Ceará Futebol Clube, de cearenses, e o segundo time de ingleses, que venceram por 2x1, cuja partida foi realizada defronte ao antigo Gasômetro, tendo a realização publicada no jornal “A República”, em maio de 1903. Os ingleses contaram com os jogadores citados e mais alguns que na época estavam a bordo ao largo, pois ainda não contavam com coisas contável.

 Para presenciar esse primeiro “match”, foi boa a afluência de pessoas. No entanto, disse-nos Zé Silveira: “o povo naqueles recuados anos foi desfavorável ao futebol. Os velhos verberaram contra,e  as senhoritas repararam em ver os homens com as canelas de fora, um desplante, mas depois,com a continuação, foram se acostumando e hoje éo que se vê: o povo só falta enlouquecer nos estádios”.
 O Ceará Futebol Clube existiu durante quase dois anos. Em 1905 desapareceu o futebol no Ceará para reaparecer em 1908, com a chegada de vários cearenses que também residiram na suíça. Essa turma, tendo à frente o jovem João Gentil, fundou o Stella Futebol Clube – o mesmo nome do time em que jogavam na suíça,contando com os seguintes elementos: Pedro Albano, Adriano Deodato Martins, José Raymundo Costa, Oscar Loureiro, José silveira, João Gentil, Capitão Atualpa, Menescal e Paulo Menescal. Jogavam no segundo plano do Passeio Público e treinavam onde hoje é a Praça da Lagoinha.


1915 e 1918: Ceará e Fortaleza.


Aproveitando elementos do time do Ceará Futebol Clube, o atual Sporting Clube foi organizado em 1915 pelo Dr. Sílvio Gentil Lima. Outro grupo de desportistas reorganizou o primitivo time do Stella Futebol Clube com outro nome, o do Fortaleza Esporte Clube, em 1918. Assim nasceram o tradicional “Vovô de nossas canchas” e o popular “Tricolor de Aço”.



O Stella Futebol Clube, time cearense homônimo ao suíço em que os cearenses jogavam, deu origem ao Fortaleza E. C. José Silveira é o n° 6. (Foto Aba Film)


Quem é José Silveira


 José Silveira, introdutor do futebol no Ceará, nasceu em Fortaleza em 1884. Fez estudos primários na capital cearense e o curso de madureza na suíça Alemã. Regressando à sua terra natal, ingressou na Faculdade de Direito. Em 1909, conquistou o seu pergaminho de doutor em Direito.
 Foi professor durante quase cinquenta anos, incluindo no velho Liceu e na Escola Normal. Poliglota, falando e escrevendo cinco línguas: francês, inglês, alemão, espanhol e italiano, traduzindo esses idiomas desde 1906.
Com oitenta anos bem vividos, aposentado na cadeira de espanhol do Liceu, o velho professor, ainda rijo e lúcido, diz: ”sou um veterano no magistério, e dediquei a minha vida ao nobre ofício de ensinar, mas faço questão de frisar: nunca pedi um emprego ou posição, e devido ao meu retraimento, sempre fui um esquecido”.



Nota do Blog :


José Agnelo da Silveira. Fortaleza, 29/09/1884 - 18/07/1968. Pais: José Maria Silveira e Maria da Glória Carneiro Silveira, portugueses.


Deputado estadual e prefeito de Trairi CE na década de 1920.


Tradutor Público do Estado do Ceará. Chegou a traduzir norueguês, sueco, árabe, russo e holandês, além das cinco línguas citadas, as quais falava fluentemente.


Professor do Colégio Colombo, antigo Colégio Nogueira.
Professor da Escola Fênix Caixeiral.
Professor do Ginásio São Luiz.
Professor do Liceu do Ceará.
Professor da Escola Normal D. Pedro II, posteriormente Colégio Estadual Justiniano de Serpa.
Professor da Escola Doméstica de Fortaleza.
Professor do Ginásio Fortaleza.
Professor do Ginásio Americano.
Professor do Colégio Juvenal de Carvalho.
Professor do Ginásio Santa Maria.


O Gasômetro, de hidrogênio, que iluminava  Fortaleza, mantido pela Ceará Gás Company Limited (Inglaterra), foi inaugurado em 1867. Localizava-se no lado norte, terceiro plano do Passeio Público, descida para a praia, num terreno cedido pela Santa Casa. Seus funcionários, ingleses, jogavam futebol antes da empreitada no Ceará. Entende-se que as primeiras partidas de futebol foram realizadas em espaço limitado.


Em 2 de junho de 1914, surgiu o Rio Branco F. C., durante reunião na residência de Luís Esteves Junior, na rua Tristão Gonçalves, 6. No ano seguinte, na data comemorativa ao primeiro aniversário, uma assembléia alterou o nome para Ceará Sporting Club, à frente o Dr. Sílvio Gentil Lima. Portanto, não confundir com o primeiro time cearense, Ceará Futebol Clube.






quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Trairi - O Município nos Anos 1900

Trahiry - Almanach dos Municípios - 1908


Rio das Trahyras, de Trahyra peixe d’este nome y água - José de Alencar, Iracema.
A villa é marginada ao sul pelo rio Thahiry. Existem no município as povoações de Mundahú, Lavagem e Belém.
Na sede há duas ruas chamadas Dr. Accioly e Cel. João Cordeiro, e praças da Matriz, Dr. Campello e Cel. Barroso.
Os únicos edifícios dignos são a Matriz e a Cadeia.
As feiras do Trahiry realisam-se aos domingos com uma concorrencia de duzentas pessoas mais ou menos, contando-se: carne a 600 réis; peixe 500 réis; farinha 80 réis (litro); milho 140 réis (dito); feijão 200 réis (dito); rapadura 100 réis (uma), aguardente 2#500 réi (canada).

O commercio é representado pelas seguintes firmas: Fortunato Barroso Cordeiro, Antero de Oliveira Rôla, Aristides Galdino da Silva, Canuto Camerino  Mariseira e Bernardino José Rodrigues, estes dois últimos  no Mundahú.


Almanach dos Municípios 1908. Os dados são anteriores ao ano citado.



Sítios com engenhos de ferro: Estrella, de Luiza Ferreira dos Santos Xavier; Conceição, de Apolinário Dias de Senna; Manguinho, de João Barbosa de Amorim;  Barrinha, de José Fernandes Braga; Criancó, de Fortunato Barroso Cordeiro; Criancó, de João Alves da Silva; Bom, de Manoel Simplício Damasceno; Mundo Novo, de Vicente Ferreira Néry; Mundo Novo, de Maria de Sousa Souto; Lavagem, de Francisco Ferreira da Cunha; Gangorra e Palmané, de Raymundo Ferreira da Cunha, Gangorra e Lavagem: Raymundo Ferreira dos Santos.




Câmara Municipal – Intendente, Francisco Ribeiro da Cunha; Presidente, Cel.  Anastácio Tabosa Braga; vereadores: José Joaquim de Gouveia, Anacleto de Castro Jatahy, José Thomaz de Paula, Luiz de Souza Machado; Raymundo Nonnato da Paixão, Manoel Pereira da Costa e José Fernandes Braga.

A agencia do correio está a cargo de D. Francisca Xavier Pereira. Recebe malas as quintas-feiras.
A principal fonte de riqueza do municipio consiste em peixes, gados e lavoura, constando esta em milho,arrox, feijão,farinha,algodão e canna.

Na villa do Trahiry nasceu o poeta Álvaro Martins, auctor dos “Pescadores  da Tahyba” e de outras producções de incontestavel merecimento litterario.

Análise dos nomes citados:


Lavagem: Atual Canaan, distrito de Trairi.
Belém: Antiga Natividade, hoje Cemoaba, distrito de Tururu CE. Origem da família Barbosa.
Accioly: Antônio Pinto Nogueira Accioly. Presidente da Província e do Partido Republicano Conservador no Ceará (1896 – 1912)
Cel. João Cordeiro: Comerciante, líder do movimento abolicionista no Ceará (Sociedade Cearense Libertadora), deputado, senador, chegando a governar a província.
Dr. Campello: Francisco da Rocha Campello, Juiz. Destacou-se na luta por ajuda aos flagelados da seca de 1877-1879.
Cel. Barroso: Antônio Barroso de Souza, primeiro juiz de Trairi. Foi intendente e presidente do Conselho de Intendência na época da grande seca de 1877-1879. Suas terras situavam-se na parte sul do Estrela.
Fortunado Barroso Cordeiro: Vereador, sobrinho do coronel Antônio Barroso de Souza. A rua “de baixo” denominou-se seu nome, primeiro morador do prédio onde se instalou, futuramente, o Fórum.
Antero de Oliveira Rôla: Comerciante, vereador e neto de Manoel de Oliveira Rôla, proprietário da fazenda Taboca, em Imperatriz (Itapipoca).
Aristides Galdino da Silva: Conhecido como Seu Mirista, comerciante, filho do português Francisco Galdino da Silva, o Chico Viturino.
Canuto Camerino  Mariseira: Vereador, comerciante de carnes e peixes.
Bernardino José Rodrigues: Comerciante descendente de Bernardo Soares de Almeida (Mundaú). O Rodrigues vem da família da avó, Joana, de Cascavel CE.
Luiza Ferreira dos Santos Xavier: Esposa de Francisco Ferreira da Cunha, filho do farmacêutico Joaquim Thomaz da Cunha (Marinheiro Cunha).
Apolinário Dias de Senna: Patriarca dos Dias (Neco) e Sena (Vara), que povoaram a vila de Guajerú.
João Barbosa de Amorim: Vereador, filho do português Manoel Barbosa de Amorim.
José Fernandes Braga: Vereador, filho do Intendente Anastácio Braga.
João Alves da Silva: Genro de Joaquim Thomaz da Cunha, rico comerciante e boêmio. Casou-se duas vezes.
Manoel Simplício Damasceno: Fazendeiro de origem de Passagem do Tigre (Paraipaba).
Vicente Ferreira Néry: Patriarca da família Neri.
Maria de Sousa Souto:  Herdeira dos primeiros povoadores do Mundo Novo.
Francisco Ferreira da Cunha: Gangorra. Vereador, de Canaan.
Raymundo Ferreira da Cunha: Coronel da Guarda Nacional e vereador.
Raymundo Ferreira dos Santos: De Canaan, acreditamos tratar-se do anterior.
Francisco Ribeiro da Cunha: Intendente, teve que abandonar o cargo de vereador para não acumular duas funções.
Cel.  Anastácio Tabosa Braga: Presidente da Comissão de Intendência (Câmara de Vereadores). Não confundir com Anastácio Alves Braga, fazendeiro e política de Itapipoca, assassinado à balas.
José Joaquim de Gouveia: Um dos primeiros professores (para homens de Trairi) e Presidente da Comissão de Intendência (Câmara de Vereadores).
Anacleto de Castro Jatahy: Vereador da região das Lages/Gualdrapas. Industrial que comandava a fábrica de beneficiamento de algodão daquela comunidade.
José Thomaz de Paula: Vereador.
Luiz de Souza Machado:  Tio Lulu, do Genipapeiro. Vereador, casado com Modesta Tolentino Chaves, filha de Nicolau Tolentino Chaves. Juntando as famílias, Machado e Chaves, eram donas das terras que iam do Córrego da Onça ao Genipapeiro.
Raymundo Nonato da Paixão: Vereador e comerciante do Mundaú.
Manoel Pereira da Costa: Vereador, da família dos três irmãos que chegaram de Portugal: José Francisco (Tio Cazuza), Isaías e Manoel Pereira. De Murimbeca.
Francisca Xavier Pereira: Famosa costureira, filha de Manoel Francisco Pereira com a segunda esposa, Florisminda. Sua sobrinha, Madrinha Morena, a substituiu nos Correios.
Álvaro Martins: Poeta e jornalista, membro-fundador dos grêmios literários Padaria Espiritual e Centro Literário. Suas quadras de rimas são consideradas das mais perfeitas, segundo os críticos.






sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Fortaleza E. C. - Gumercindo, As Cores da Charanga


Jogador de base do Leão (GN)

Ex-jogador, conselheiro e diretor-proprietário do Fortaleza Esporte Clube, Gumercindo fez de tudo pelo seu clube de coração, destacando-se nas contratações e ajudando na causa social, promovendo eventos na sede do clube ao lado do amigo Luiz Rolim Filho. Antônio Alberto Ramalho Rolim, nasceu no bairro do Benfica, em Fortaleza, onde fez estudos primários, logo partindo para os profissionais, no colégio Carlos de Carvalho, formando-se como contador na primeira escola do gênero da cidade, o Fênix Caixeiral, em 1959.


O Comerciante


Pick-up das tintas (GN)
  Cedo, 16 anos, foi trabalhar com seu pai, Gumercindo Maia Gondim, que, afeito à amizades com clientes e comerciantes,  logo lhe indicou, em 1949, como empregado da famosa loja criada pelo Sr. Adolfo Quixadá, primeiro representante cearense  das Tintas Ypiranga, a Quixadá Comercial Importadora, dirigida pelos filhos, tido como funcionário exemplar e talentoso, passando de vendedor à sub chefe de sessão. Contudo, após o falecimento do pai, deu continuidade aos negócios da família, ao lado da mãe, representando as Tintas Ypiranga, Globo S. A., Mineração Indústria e outras marcas . No mesmo endereço da sua fundação, em 1938: Rua Floriano Peixoto, 786. Dali surgia uma empresa que muito ajudou o Clube da Garotada: “O Gumercindo”.


O Jogador




Troféus no seu escritório (GN)
Havia um clube muito famoso e rival do Fortaleza, o Sport Club Maguary, campeão cearense em 1929, 1936 e bi-campeão 1943-44. Por ele, curiosamente de cores preta e branca,  o garoto Gumercindo torceu até a sua extinção, em 1946 (retornou no campeonato de 1972). Em seguida, jovem, Gumercindo, ao lado dos irmãos Moésio e Mozart Gomes, fundou o Prado Futebol Clube, que teve ainda Piolho, jogadores que acabaram se profissionalizando pelo Fortaleza, clube que passou a torcer definitivamente, após entrar nos aspirantes, em 1949. Ainda nesse quadro inferior, jogou pelo Ceará e em seguida, já jogador profissional, pelo América, que possuía dirigentes respeitáveis, como o Dr. José Mário Mamede e Canamari Ribeiro. Tentou vaga no seu clube de coração, mas no Fortaleza só conseguiu titularidade no profissional em alguns jogos. O que ganhava do futebol dava como incentivo aos jovens valores.

A Charanga



A charanga em 1965 (GN)

 Apaixonado, sem perder uma partida, com seus móveis e imóveis pintados em azul, vermelho e branco, passou para a diretoria. Procurando alternativas para atrair recursos financeiros, ousou no trabalho de marketeiro, atraindo sócios. As ações passaram a ser vendidas em três valores, de modo que os sócios-proprietários mantinham o clube na ausência de patrocinadores. Gumercindo incluiu entre eles a família. Já no social, animava os finais de semana sem jogos na Capital com festas no Pici, comandadas por Jackson de Carvalho e Luiz Rolim Filho. Nessa época já havia a sua charanga, fundada em 10 de maio de 1960, coincidindo com o dia do seu aniversário. O nome dela foi uma menção do Dr. Silvio Leite, que considerava Gumercindo o maior torcedor do Fortaleza. Numa tarde daquele ano, no estádio Presidente Vargas, o advogado saudou: “Essa é a Charanga do Gumercindo, nosso maior torcedor!”. Com certeza a maior do Estado, pois seu prestígio a fez participar dos desfiles de carnaval da cidade até o seu final, no início dos Anos 80.



Sem perder o pique, em 1979 (Tribuna do Ceará)


O Diretor


 Em 1965, com o Fortaleza bi-campeão, com um ataque avassalador (Birungueta, Facó, Croinha e Mozart) deu a dica de como ser campeão: “é, antes de tudo, o jogador ser tratado como ser humano. Precisa de uma cobertura total na sua vida particular e completo apoio de toda a diretoria do clube a que pertence para que na venha sofrer de complexo de inferioridade”. Reconheceu que sentiu o drama no ano de 1964, quando teve que intervir com dirigentes que fugiam a esse pensamento. Não mudou o foco, construindo uma vila para alojamento dos jogadores, a qual mantinha, e ali, nas horas vagas, procurava dialogar com os atletas.

Torcendo no Céu


 A partir de 1983, questão particular mudou a vida de Gumercindo, afastando-se do futebol. Faleceu em 1985, no dia do aniversário do seu amado Clube de Glória e Tradição, 18 de outubro, mais um ano de campeonato vencido pelo Leão.

Pesquisa: Jornal Gazeta de Notícias (GN)


Charanga do Gumercindo na geral do Castelão. (Foto Tribuna do Ceará)



Fortaleza E.C. - Croinha, o Artilheiro do Pici


Chegando ao Pici em 1965. (GN)

Edson José da Silva foi o grande ídolo do Fortaleza nos anos 60. Revelado profissionalmente pelo Maranhão Atlético Clube (MAC), foi contratado pelo presidente Otoni Diniz e estreou pelo clube cearense em 1965. Nascido em  21/08/1940 no Recife PE, a meninada curiava o seu aspecto físico, como a imagem de uma coroa na cabeça, pronunciada como “crôa”, pegando o apelido de “Croinha”. O garoto identificou-se cedo com a bola de futebol, encantando-se com as peladas, e logo estava jogando pelos times amadores da capital pernambucana, quando estreou pela segunda divisão pelo "Hiolanda".



Fome de Gol

 Artilheiro absoluto no Maranhão, de 61 a 64, com 184 gols, o segundo maior da história, o centroavante, que a princípio não chamou atenção, pelo jeito desengonçado, honrou a camisa tricolor, sendo artilheiro nos anos de 1966, 1967 e 1969, o que lhe valeu verdadeira idolatria da torcida, especialmente juntando-se a isso o vice-campeonato brasileiro (Taça Brasil de 1968) e o título do Norte e Nordeste de 1970. Mas na estreia contra o América, em 1965, não convenceu. Sentiu o peso da camisa e a força da galera apaixonada, valendo-lhe o título de “Bonde do Maranhão” do grande nome da imprensa esportiva da época, Paulino Rocha. Avisaram a ele que o radialista torcia pelo rival e devolveu, marcando os gols da final do primeiro turno: 3x1 sobre o Ceará. O brilhante comentarista foi humilde: “´É, foram zangar o homem, olha aí o que ele fez!”. Croinha dizia que tinha gosto especial de fazer gol no alvinegro, sendo dele o maior carrasco.

Fim Precoce



 1:78 metro, levou uma vida paralela como os jovens  atletas da época: boêmia, na qual se  gastava além da conta. Ainda assim tinha um grande preparo físico,pois corria bastante e com o oportunismo peculiar estava no local exato para mandar a bola ao gol. Passou seis meses novamente no Maranhão e retornou nos braços do torcedor, uma exigência do treinador, Carlos Castilho. Jogou pelo Fortaleza até 1972, quando passou a “crôa” de linha avançado para outra divindade tricolor, Beijoca. Croinha se sentia velho e encerrou a carreira, em 1973, pelo Tiradentes, marcando o seu último tento na vitória de 2x1 sobre o Guarany de Sobral, no dia 30 de junho de 1973, aos  33 anos, sem festas, sem despedidas.

Vigilante Municipal

Praça J. de Alencar: Croinha guarda

Em seguida, as dificuldades que a maioria dos jogadores humildes não escapa, notadamente a problemática financeira. Nos  anos 80, com 45 anos, trabalhava como guarda da prefeitura na Praça José de Alencar, ganhando pouco para o sustento da família. Com esposa e sete filhos, sendo seis mulheres, reforçava as finanças em volta de jogos em clubes de subúrbios, como o “Fortaleza”, do Mucuripe, afinal dizia que queria morrer jogando futebol.

 De tantas alegrias a um clube, na inocência comprou uma casa, que seria própria se a escritura não fosse falsa, vivendo para sempre de aluguel no bairro periférico de Bom Jardim, na capital cearense.  Dizia Croinha  que nunca havia ido atrás das pendências contratuais, pois se jogava com paixão, enquanto na geração seguinte, pelo “bicho”. Por isso, deixou de receber várias dívidas do clube, mas sempre reclamou da direção, que prendeu seu passe, retendo-o no Fortaleza.



Matador do Bahia



Jornal Correio do Ceará: Croinha 1x0

 Disse ao jornal O Povo, em 1984: “Um dos momentos mais interessantes que passei foi contra o Bahia. Perdemos o primeiro jogo lá por 1x0. O Otoni Diniz quis vender o mando de campo, para novo confronto na Fonte Nova, mas o Gumercindo (conselheiro) pagou do próprio bolso toda a passagem de volta da delegação. Fizemos o segundo jogo e ganhamos pelo mesmo placar e fomos para a prorrogação. Perdíamos de 1x0 e a torcida já começava a sair, quando Mozart empatou. No final, entrei na área e fui derrubado. O juiz marcou pênalti. Eu bati e marquei o gol da vitória. Foi a minha maior emoção”. Exatamente no dia 9 de fevereiro de 1969, como mostra, anexo, o jornal Correio do Ceará, com o placar do tempo normal, pela Taça Brasil.

1969: Croinha marca e despacha o Bahia no PV lotado (Correio do Ceará)


O Time de Croinha


 O maior goleiro que enfrentou foi Pedrinho, campeão pelo América em 1966; seu maior marcador, Cícero, do Ceará (“ele colava em mim e era difícil encontrar espaço para finalizar”), mas seu maior lançador foi o meio-campista Joãozinho. Eis a sua seleção, cearense: Pedrinho (América), William (FEC), Zé Paulo (FEC), Renato (FEC) e Carneiro (FEC); Edmar (FAC), Coca-Cola (FAC) e Gildo (CE); Birungueta, Croinha e Mozart (trio arrasador do Fortaleza). Na sua opinião, seu gol mais bonito foi contra o América, em 1966: “Eles tinham um timão e defesa batia muito. Peguei uma bola na corrida, banhei o Pedrinho (goleiro), enquanto o Ribeiro (zagueiro) veio para me arrastar, mas apena s toquei de cabeça e o encobri.


“ Jogador é que nem prostituta, só tem valor quando está novo”. Croinha, 138 gols pelo Fortaleza, uma marca histórica.

No MAC, onde iniciou profissionalmente.


Pesquisas: JornaiGazeta de Notícia e O Povo.


Bi-campeão Cearense 1964-65. Croinha com a bola