quarta-feira, 13 de março de 2019

Brasil e Ceará - Quedas da Monarquia e do Primeiro Governo Republicano





A Monarquia x Igreja



 A partir da década de 1870, a Igreja Católica e o Exército tiveram sérios atritos com o governo imperial. Em 1874, a crise entre a Igreja Católica e a monarquia tornou-se grave. Foi quando o imperador D. Pedro II mandou prender bispos de Olinda e Belém, condenados a quatro anos de trabalhos forçados por terem proibido os católicos de suas dioceses de participar de atividades da Maçonaria. A atitude revoltou a direção da Igreja, que protestou energicamente contra a medida autoritária do imperador.

 Por outro lado, parte da oficialidade do Exército começou a se afastar da monarquia após a Guerra do Paraguai (1865 - 1870). Durante a mesma, muitos oficiais viajaram para países de regime republicano e voltaram criticando a monarquia, principalmente a corrupção, que, segundo eles, era praticada pelos políticos corruptos “aproveitando-se da miséria do país”. Em 1884, o governo proibiu os oficiais de se manifestarem via imprensa sem autorização do Ministro da Guerra.



A Queda da Monarquia







 Adoentado, o Imperador D. Pedro II afastava-se cada vez mais das crises e decisões do governo. Com as ideias republicanas espalhando-se pelo Brasil, cafeicultores paulistas, operários e a classe média, influenciada por setores privados industriais ingleses, procuravam mais espaço político e os desentendimentos cada vez maios proeminentes pressionavam a monarquia. Republicanos militares, como Benjamin Constant e Quintino Bocaiúva, procuravam o apoio do então monarquista e amigo do imperador, marechal Deodoro da Fonseca, fundador e presidente do Clube Militar, que sempre defendera os militares perseguidos e de confiança sobre  tropa. Ele que viria a demitir, em 15 de novembro de 1889, o Conselho de Ministros, assumindo o seu comando e assinando, naquela noite, o manifesto de proclamação da República. Na madrugada seguinte, 16, D. Pedro II recebeu a comunicação da mudança de regime e a intimação para deixar o Brasil em 24 horas. Na noite de 17 para dezoito de novembro a família imperial partiu para a Europa. Iniciava-se o período republicano.





A Influência do Imperialismo





A independência dos países da América Latina, no início do século XIX, não alterou o processo do antigo “pacto colonial”, no qual a economia das colônias complementava à das metrópoles, ou seja, cultivava matérias primas e destinava seus metais preciosos para o mercado europeu. Os novos países não romperam com as estruturas sociais e econômicas construídas durante o período colonial.

 A grande propriedade, latifúndio, manteve-se com base na monocultura tropical para exportação, persistindo, no caso do Brasil, a mão de obra escrava e o poder nas mãos da aristocracia rural e dos grandes comerciantes. Uma sociedade fechada e voltada às modas e costumes do Velho Continente. Isso impossibilitou o desenvolvimento econômico-social como nos Estados Unidos, igualmente independentes. Nesse sentido, com a riqueza concentrada numa minoria, recorreu-se ao capital estrangeiro.

 Foi o caminho trilhado pelas elites educadas na tradição conservadora da Península Ibérica, acomodadas às enormes desigualdades sociais e habituadas a consumir produtos de origem europeia. Para ela, seria cômodo e interessante ceder à dominação econômica dos países capitalistas industrializados, principalmente da Inglaterra, que fornecia artigos modernos e de qualidade em troca de produtos primários.

 Esses empréstimos se davam por duas vias. Uma pelo capital publico, dos governos; e privado, oriundo de bancos particulares. A outra eram investimentos diretos de capital, principalmente em mineração, operações financeiras, comércio de exportação e importação, transportes (ferroviários e companhias de navegação) e serviços públicos urbanos, como a iluminação a gás e linhas de bonde. Nesse caso, as empresas estrangeiras investiram, instaram-se e administraram os negócios no Brasil, levando praticamente todas as  receitas.

 Os países da América Latina, embora independentes, passaram a manter com as nações industrializadas uma relação de independência econômica. Entretanto, seus governos não poderiam manter esse tipo de relação sem a aprovação das elites dominantes.



República dos Marechais



  A proclamação da República no Brasil partiu de um movimento de cúpula controlada, em primeiro momento, pelos militares e pelas elites agrárias.  Não se preocupou em trabalhar por mudanças estruturais e econômicas. Tratou-se da mudança de um Estado unitário imperial pelo Estado federativo. O setor agrário, a grande propriedade rural, ainda voltado à exportação, conservou a política bem longe da reforma agrária, sustentada no coronelismo do interior e oligarquias agrárias. A implantação da República não foi fruto de um processo revolucionário em que os grupos populares tenham participado ativamente, nem ampliou a representação política no país, uma espécie de realinhamento entre os grupos dominantes, continuou sendo exclusão social, política e econômica de grande parte da população.



O Golpe Militar



 
Deodoro e seu ministérios
Os líderes do movimento republicano escolheram provisoriamente, enquanto aguardava a nova constituição, o marechal Deodoro da Fonseca, um antigo monarquista, líder do Exército, ex-combatente da Guerra do Paraguai e amigo de D. Pedro II, o novo chefe do governo. Ele compôs o ministério com civis e militares engajados nas mudanças, como Quintino Bocaiúva (relações Exteriores), Campos Sales, representante dos cafeeiros paulistas (Justiça), Benjamin Constant (Guerra) e o famoso jurista Rui Barbosa para o Ministério da Fazenda. O País passava a ser uma República Federativa com o nome de Estados Unidos do Brasil, sendo as províncias transformadas em estados, adotando, uma nova bandeira com o lema “Ordem e Progresso” e a convocação de uma Assembleia Constituinte.





Constituição de 1891



 Convocada nos primeiros dias do governo republicano, a Assembleia Constituinte só deu início a seus trabalhos em novembro de 1890. Apenas três meses foram suficientes para a sua conclusão, entrando em vigor em 24 de fevereiro de 1891. Baseada na Carta norte-americana, e revisada por Rui Barbosa, dava maior autonomia aos estados. Ela elegeu oficialmente o marechal Deodoro da Fonseca presidente da República, derrotando o representante da oligarquia cafeeira paulista, Prudente de Morais. O vice-presidente eleito o militar Floriano Peixoto. A seguir, transformou-se em Congresso Nacional constituído em Senado e Câmara dos Deputados. Até a reforma eleitoral de 1881, na Monarquia, as eleições eram indiretas e censitárias, mas a nova Constituição baixou de 25 para 21 anos a idade com direito a voto direto sem exigência de renda, voto masculino dos alfabetizados que representavam apenas 2% da população.



Rui Barbosa e a Economia



 A abolição da escravidão e a migração europeia criaram um número maior de assalariados. Isso carecia de maior injeção econômica. Somados ao comércio interno engatinhando, chegava o momento da ousadia. No comando da equipe financeira, a principal preocupação de Rui Barbosa foi transformar o Brasil numa república capitalista, promover uma profunda mudança na economia, atentando para o crescimento da industrialização, o que só seria possível, na sua avaliação, se houvesse recursos para investir na produção. Afinal, com a Europa duvidando do sucesso do novo regime, o Brasil não conseguiu empréstimos estrangeiros. Entretanto, praticamente sem dinheiro para investimento, a saída foi criar linhas de credito e aumentar o volume de papel-moeda em circulação.

 
Caricatura de Rui Barbosa anunciando o desenvolvimento
Em janeiro de 1890, iniciou-se uma política financeira que permitia quatro bancos, situados no Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre, emitirem dinheiro praticamente sem controle governamental. Houve forte incremento de volume de negócios no país, sendo fundadas, somente naquele ano, 313 empresas, muitas delas “fantasmas”, com o objetivo de tomar dinheiro emprestado. A maioria tinha como meta a venda de ações para obtenção de lucros fáceis no mercado financeiro. Nos dois primeiros anos o aumento da quantidade de dinheiro em circulação foi espantoso, provocando onda especulativa na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. 




Encilhamento e a Crise



 A febre por “investimentos” financeiros recebeu o nome de “encilhamento”, devido à semelhança que existia entre a barulheira feita na hora fechamento dos negócios na bolsa de valores, lembrando as jogatinas das corridas de cavalo e à agitação durante o fechamento das apostas na hora em que se colocavam cilhas (arreios) nos animais.

 
Caricatura do "encilhamento"
A produção interna, porém, não cresceu. Procurando o alinhamento, Rui Barbosa tomou medidas que aumentaram tarifas alfandegárias, protegendo a produção industrial sobre produtos estrangeiros que tivessem produtos similares no Brasil. Mas prejudicava a burguesia agrária latifundiária exportadora e os investimentos internacionais. Avaliou mal a importância daquele setor, que representava ¾ das exportações brasileiras. São Paulo, cujos bancos, ligados aos cafeeiros, boicotara o plano econômico, aumentou a pressão por ajustes. Queria apoio para participar também do processo de industrialização, o que não aconteceu.

 Em 1891 ocorreu acentuada queda nos preços das ações, o princípio de um desastre. Com a alta dos preços dos produtos cresceu a inflação, de 1,1 % em 1889 para 89,9 % em 1891, não demorando muito para que uma série de crises financeiras abalasse o país. A euforia deu lugar a sequencias de falências de empresas e de estabelecimentos bancários. Fortunas foram levantadas e destruídas nesse pequeno intervalo de tempo. 

  Assim, vendo seus interesses em risco pela nova política econômica, bancos ingleses e franceses ameaçaram abandonar o País. O ministro, estudioso em legislação, reagiu citando a obrigatoriedade de seguirem os estatutos aprovados, obrigando-se às leis e regulamentos vigentes. E dessa forma os segurou, no entanto sem forças para superar o discurso pessimista e ameaçador da oposição.

Tanto os fazendeiros, sempre de olho no poder, como as empresas estrangeiras, contra a industrialização rápida e para continuar exportando para o Brasil, começaram a forçar o afastamento do ministro Rui Barbosa, sendo claro o aviso ao presidente. Pressionado, Deodoro demitiu o ministro da Fazenda, colocando em seu lugar um monarquista conservador, o Barão de Lucena, que defendia o predomínio agrícola. Desse modo, o outro lado, industrialista, reclamou. Os dois lados reivindicando e a crise cada vez mais presente.



A Queda de Deodoro



 Deodoro da Fonseca, visto como autoritário, enfrentou forte oposição desde o início do seu governo. Em agosto de 1891, os parlamentares tentaram aprovar uma lei limitando os poderes do presidente. Em resposta, ele fechou o Congresso e decretou estado de sítio, com novas eleições parlamentares, ferindo a Constituição Federal e desencadeando uma rebelião interna liderada pelo almirante Custódio de Melo. Com os navios de guerra apontando seus canhões para a cidade do Rio de Janeiro, os revoltosos exigiram a renúncia do presidente. Sem apoio para reagir, Deodoro da Fonseca deixou o cargo em 23 de novembro daquele ano. O seu vice, Floriano Peixoto, também remanescente da Guerra do Paraguai, assumiria o governo em meio ao primeiro golpe da República iniciada a partir de outro golpe. Mais um representante militar no novo regime sem conhecimento da sua doutrina.



O Ceará na República de Deodoro



 
Estátua de D. Pedro II
na Praça Caio Prado (Sé).
Fortaleza CE
Com a proclamação da República, cada província do antigo império passou a constituir um Estado, com mais autonomia para resolver os seus problemas e fazer as suas leis, respeitando a Constituição Federal. O Ceará não estava preparado para a repentina mudança. Sem bolsa de valores, eram poucos os que se aventuravam em ações, preferindo, quando muito, investir na metrópole, Rio de Janeiro, capital. Com a economia sustentada pelo comércio, em plena efervescência do algodão e prosperidade das casas de vendas de tecidos e de produtos importados de luxo, a detentora do poder, a elite, estava satisfeita com seu nível de vida, aliada da Monarquia. 


 Embora existisse em Fortaleza a União Republicana e o Centro Republicano, fundado em 9 de junho de 1889 por expoentes da literatura como Papi Junior, João Cordeiro e Antônio Sales, os civis praticamente não se manifestaram. Grupos isolados saíram às ruas de Fortaleza em protesto contra D. Pedro II. Placas que lembravam o antigo regime foram arrancadas e substituídas por nomes ligados à causa republicana. Dirigiram-se ao Palácio da Luz, sede do governo, proclamando o cidadão Luiz Antônio Ferraz (Coronel Ferraz), governador do Estado Livre.

 Coronel Ferraz dissolveu o poder legislativo municipal e criou o Conselho de Intendência Municipal. O novo processo de sistema de representatividade democrática, agora sem os tradicionais partidos, Conservador e Liberal (este dominante, embora dividido, no final da província), entretanto, não surtiram avanços. Continuou dentro dos padrões antigos, mantendo o eleitorado fidelidade ao chefe distrital, o “voto de cabresto”. 




 
Clarindo de Queiroz, governador do Ceará




Após a morte prematura de Coronel Ferraz em 10 de fevereiro de 1891, assumiu interinamente o governo estadual o major Benjamim Liberato Barroso, sendo logo substituído pelo titular, o general José Clarindo de Queiroz, em 28 de abril de 1891, enquanto o outro seu vice. “Herói” da Guerra do Paraguai e ex-presidente da Província do Amazonas (1879), o novo dirigente não teve paz. Enfrentou um período turbulento, instável, de forte oposição à sua administração. 

 O então deputado Nogueira Accioly, presidente da Assembleia Legislativa, fundador da União Republicana (1890) e sogro do líder liberal, o falecido Senador Pompeu, estaria por trás de uma série de manifestações que tinham como objetivo a queda do governador a partir de dúvidas quanto à lisura do pleito congressual dos governos federal e local. 

 
Gal. Freire Fontenelle, ainda coronel, em 1880
Acusava-se Clarindo de Queiroz de influir nos resultados eleitorais. Em seguida veio o desentendimento entre os policiais do Estado e alunos da Escola Militar de Fortaleza, um conflito que cresceu em poucos dias, tornando-se insustável o diálogo. O governador não concordava com as exigências dos alunos, que pediam demissões na esfera administrativa. Em meio às prisões de manifestantes e clima de tensão na cidade, com muitos moradores abandonando suas casas temendo uma batalha desastrosa, veio a queda do presidente da República, entrando em cena o tenente-coronel José Freire Bezerril Fontenelle, que fora deputado constituinte.



 Bezerril Fontenele, comandante da Escola Militar, tendo em vista a falta de apoio do novo presidente Floriano Peixoto ao comandante cearense, procurou convencer Clarindo de Queiroz a renúncia, o que não aconteceu formalmente. O governador do Ceará sequer atendeu a solicitação de Floriano para que fosse ao Rio de Janeiro para tratar de “assuntos militares”, só cumprindo o chamado legalmente, caso o legislativo autorizasse.

 No dia 16 de fevereiro de 1892, os alunos da Escola Militar, apoiados por tropas navais e de infantaria, incentivados por seus oficiais, cercaram o Palácio da Luz. À tarde, veio o tiroteio, destruindo a praça do largo, mas sem maiores danos ao histórico prédio. A estátua do General Tibúrcio, porém, foi ao chão, e segundo relatos tombou de pé. Pela manhã, contando apenas com a lealdade do conselheiro Rodrigues Junior, o governante se rendeu, partindo para o Rio de Janeiro, onde morreu pouco depois de prisão e tortura.



 
Assumiriam o governo do Ceará, após a interinidade de Liberato Barroso, aqueles que arquitetaram a queda do anterior, os florianistas José Freire Bezerril Fontenele, com posse em 27 de agosto de 1892, numa opulenta repressão aos deodoristas; e Nogueira Accioly, que com habilidade, conseguiu a fusão do Centro Republicano com a União Republicana, e daí a fundação do Partido Republicano Federalista, dando total apoio a Floriano Peixoto. Iniciava o período do predomínio da oligarquia acioliana.







Fontes bibliográficas:


História do Brasil. Costa, Luís César Amaud. Ed. Scipione. 1999.

História & Vida Integrada 7. Piletti, Nelson; e Piletti, Paulino. 2002

História do Ceará.  Souza, Simone (coordenadora). Fundação Demócrito Rocha, 1989.

História do Ceará. Aragão, Raimundo Batista. IOCE, 1982.