quarta-feira, 3 de junho de 2020

Falecimento de Plácido de Carvalho - Discurso do Dr. Raimundo Gomes de Matos


Foto e[Estúdio N. Olsen

Fortaleza, 3 de junho de 1935. A zero hora, falece, em sua residência, no edifício do Excelsior Hotel, o comerciante Plácido de Carvalho. Começou como auxiliar na firma Barroso Pinto & Cia, e em seguida fundou a Casa Plácido. Conheceu pessoalmente os mercados da Europa e dos EUA, tirando disso vantagens econômicas que o tornaram milionário. Importava, estocava e vendia com grandes lucros durantes as crises financeiras dos países imperialistas, principalmente no auge da I Guerra Mundial. Com os ganhos, tornou-se proprietário de imóveis e de prédios famosos da capital cearense, alugando-os e atuando com critérios rígidos nas cobranças de seus atrasos. Pouco colaborador em ajudas sociais, foi solidário no seu testamento com algumas instituições de caridade. O cortejo fúnebre partiu às 16 horas do dia seguinte do Excelsior Hotel rumo ao Cemitério São João Batista, seguido por carros de luxo da sociedade comercial e industrial e por curiosos. Ali, ao lado do caixão, discursou o advogado e amigo, Dr. Raimundo Gomes de Matos:


 

“Sou capaz de, perante qualquer auditório e em qualquer momento, proferir algumas palavras a titulo de oração de qualquer natureza, pedindo asas ao improviso, como tenho feito tantas vezes. Isso não obstante, preferi grafar no papel o meu pensamento, as minhas ideias, sobre o querido e pranteado morto de hoje a fim de não trair a mim mesmo. Não são somente os expoentes máximos da mentalidade universal que têm jus às manifestações de seus admiradores; não são somente os raros tipos de estadistas que promovem a prosperidade e a verdadeira felicidade dos povos que, ao baixar o túmulo, têm igual direito; não são somente os guerreiros, os grandes generais, figuras épicas que edificam a humanidade com os arrebatamentos da sua bravura, que são dignos de homenagens póstumas; não são somente os apóstolos da ciência que devassam o mundo do fundo do seu laboratório e o empolgam com as fulgurações do seu saber que, desaparecendo do agitado cenário dos vivos, se tornam imperecíveis na memória das gerações vindouras. No mesmo pé de igualdade, nas mesmas condições, de ordem espiritual e moral, no conjunto dos homens, estão, também, incontestavelmente, aqueles que, na sua trajetória pela terra, souberam se fazer e se impor no conceito da sua sociedade, souberam elevar-se no largo âmbito da sua atividade, com galhardia, pela lógica das suas virtudes peregrinas, a golpes de talento e de esforço próprio, sempre rendendo culto muito especial, com toda a reverência, à grande religião do trabalho. Nesta hipótese, como uma afirmação solene e categórica do meu entranhado amor à luta pela vida, como um estado eloquentíssimo da labuta cotidiana e sem tréguas, como um documento irrefutável impressionante combatividade, estava aquele que, para a maior honra da sua família, assinava e se chamava PLÁCIDO DE CARVALHO, espectmen  invulgar de operosidade profícua e inteligentemente voltada no sentido do BEM e do progresso do CEARÁ. Cidadao modelo na legítima expressão desta frase, existência moldada no rigorismo no código de uma ética toda pessoal, toda individual, possuindo uma noção muito particular dos fenômenos da vida social, sincero dentro da austeridade dos seus princípios, incapaz de mentir a si mesmo, era ele um decidido, um franco, um leal, obedecendo unicamente aos impulsos do seu temperamento, ouvindo somente as vozes íntimas do seu coração. Mal compreendido, algumas vezes, por efeito desses sentimentos que não sabia sopitar nem desfasar, quase injuriado, outras vezes, pelos que não privaram com ele mais de perto, sempre afeito aos seus negócios, dos quais nunca descurou um momento; sem rancores, sem preferências por este ou aquele, por mais humilde que fosse o indivíduo, sem trazer na alma atos repulsivos de ódio, sempre mostrando nos lábios a amabilidade de um sorriso, assim ele viveu, assim ele morreu. Aldovrando Pinto, já há alguns anos desaparecido, teve a seu respeito o seguinte e interessante conceito, que bem corresponde a um magnífico traço psicológico do malgrado extinto: “Plácido, o único rapaz pobre do Ceará que se tornou milionário e não ficou tolo”. Merecido foi esse elogio feito ao cearense ilustre, digo, por todos os títulos que triunfou na jornada áspera da vida, e que acaba de ser colhido pela morte, cuja presença não o entibiou, não o amedrontou, não o acovardou; antes, deu-lhe inspiração e ânimo para fazê-lo forte até exalar o último suspiro e para, no seu testamento, nas suas declarações de última vontade, fazer generosos legados a estabelecimentos de caridade de Fortaleza, demonstração de que, no leito de dor, estava preso ao espírito e pelo sentimento de solidariedade humana, aos desgraçados e desamparados da sorte que sofrem o horror da fome e do desconforto. Plácido de Carvalho, que ora desce na correnteza impetuosa do Lethes, rio da morte ou do esquecimento, não nasceu berço de ouro e púrpura, nem teve pais alcaides, mas foi bem pela sua compostura, pela sua fidalguia o tipo de verdadeiro, príncipe da nossa raça. Pêsames sentidíssimos à família e ao Ceará”.




Na ocasião, a viúva, Pierina Rossi de Carvalho, prometeu a construção de mausoléu em sua homenagem, jamais cumprido. A missa de Sétimo Dia ocorreu na Igreja do Patrocínio.