quarta-feira, 29 de junho de 2016

Futebol Cearense - Os Velhos e Autênticos Torcedores

Campo do Prado lotado. O primeiro estádio oficial (1912-41)
(Arquivo Nirez)

Futebol Cearense. Surgimento 


 Constam nos registros sobre o futebol cearense que, nos baixos da Praça dos Mártires, Passeio Público, ocorriam reuniões entres jovens de famílias abastadas da capital e ingleses, trabalhadores da Companhia do Gás, e dali o “English Team”. A partir de então as primeiras competições não oficiais, as esquisitas partidas de “foot-ball”. Desde 1904, antes das formações de times, havia rachas entre desentrosados atletas.  Entre os cearenses estavam Raul Cabral, Vicente Ferraz, Prisco Cruz e aquele que levou a primeira bola do esporte ao Ceará, o Professor José Silveira.

 Concentração no Café do Amarildo, chão duro, com pouca grama, e bolas de palhas de milho. Pelo menos possuíam “campo”, ainda que entre árvores. Somente com o regresso de rapazes que estudavam na Europa, como João Gentil, da família mais “rica” da época, trazendo materiais esportivos e técnicas de futebol, o movimento fortaleceu. Alcides Santos, frequentador da Europa, fundou o Stela Fooball Club, nome da escola suíça onde os cearenses estudavam; enquanto Carlos Brígido e Aluísio Mamede o Rio Branco, os primeiros clubes do estado, deles originando os tradicionais Fortaleza e Ceará, detentores, hoje, de torcidas respeitadas nacionalmente, responsáveis por presenças de público nos estádios brasileiros equivalentes às quinzes maiores torcidas do País.

 O Ceará Sporting Club foi fundado em 2 de junho de 1914, com sessão de fundação na residência do Sr. Luís Esteves Junior, na rua Tristão Gonçalves, 6, ao lado da Rede de Viação Cearense (RVC), somando vinte e quatro presentes. O primeiro uniforme do clube era camisa lilás e calção branco, adotando o preto e branco no ano seguinte, época em que abrigou os jogadores do extinto Rio Negro. Enquanto o seu maior rival só surgiria em 1918, tinha como adversários o Tabajara Foot-Ball Club (1915), do bairro Benfica, que mais adiante iria revelar o Gentilândia, e o Maranguape. Já os demais eram inexpressivos, como Humaitá (uniforme verde e branco), Hesperia e Ipiranga (de cor celeste), que se filiaram à Liga Cearense (Metropolitana) de Foot-Ball, com jogos nos campos desnivelados da Praça Capistrano de Abreu (Lagoinha), antiga Visconde de Pelotas (Bandeira), Marquês de Herval (José de Alencar) e Fernandes Vieira (Liceu do Ceará), conforme os times mandantes.



PV, inaugurado em 1941, lotado. Acervo do Dr. Pedro Alberto de Oliveira Silva (Instituto do Ceará)




A movimentação melhorou com as chegadas do Fortaleza Sporting Clube (18 de outubro de 1918, depois, em 1939, Fortaleza Esporte Clube), de Alcides Santos (ex-Stela), cujas cores homenageavam a França, numa época em que a cidade respirava a cultura francesa “Belle Époque”, e do Bangu Atlético Club (1919), tempo do apogeu da RVC, que criou o seu clube, o Olímpico Foot-Ball Club (verde e branco), além do Guarani Atlético Club, com as cores do Fluminense, presidido pelo capitalista Jeremias Arruda, proprietário do imponente palacete com seu nome, na rua Formosa -Duque de Caxias, em frente à Igreja do Carmo, hoje Instituto do Ceará; e do América Foot-Ball Club, fundado pelo servidor municipal Pedro Moura. Esse time vermelho durou pouco. Em 1920 retornou sob comando de uma diretoria que contava com o futuro deputado federal, Crisanto Moreira da Rocha, cuja família foi destaque na política cearense. Apenas no dia 9 de maio de 1933 surgiria o Ferrovário Atlético Clube, pelos operários da RVC, nas Oficinas do Urubú, no bairro Álvaro Weyne, a terceira força esportiva do Estado do Ceará, hoje com nove títulos estaduais.


Irmãos José e Paulo Cabral de Araújo (PRE 9). Os primeiros
narradores esportivos. (Foto Marciano Lopes)

 Oficialmente, o primeiro estádio cearense foi erguido onde se realizavam corridas de cavalos, o saudoso “Campo do Prado”, fundado em 7 de setembro de 1912, na área onde hoje se localiza o Instituto Federal (antiga Escola Técnica). Ali foram realizados os primeiros torneios da Liga Metropolitana e, a partir de 1920, o campeonato cearense até 1941, quando surgiu o estádio Presidente Vargas (PV), ao lado. Nesse estadinho ocorreu a primeira transmissão radiofônica, através da PRE 9 (Ceará Rádio Clube), nas vozes dos irmãos José e Paulo Cabral de Araújo, durante a peleja entre Maguari x Estrela do Mar.


 Os Ilustres Torcedores.



Manoel Preto e Branco. Começou
a comparecer aos estádios na década
de 20. Foto Tribuna do Ceará (1983)
 Segundo os pesquisadores especialistas, os primeiros torcedores “ranhetas”, fanáticos, do Ceará foram o Dr. Ildefonso Pinto Nogueira e Manoel “Preto e Branco” Braga Lima. Pelo Fortaleza, José Raymundo Costa (jornalista e ex-presidente) e Luiz Rolim Filho, o “Homem do Charuto” (ex-diretor, responsável pelos carnavais na sede no Pici). E pelo Ferroviário, o seu fundador, Valdemar Caracas, dirigente da RVC, e logicamente o homem-tubarão, Zé Limeira.

 O garoto Zezim já apreciava futebol quando batia “pelada”, travesso, na praça da estação ferroviária e na praça da “igreja velha” de Quixadá, época de paixão e desejo de um dia tornar-se jogador de futebol, sonho definitivamente interrompido após quebrar um braço durante um “racha”. Mas não o impediu de torcer pelo clube da estrada de ferro, seu maior torcedor ao lado do fundador, em 1933, Valdemar Caracas.

 Lembra Zé Limeira que ouviu muitos jogos pelo rádio (ao lado dos donos, pois aquela caixa era artigo de luxo), como o desafio do Ferroviário, o clube da RVC, em 1939, indo jogar em Salvador e tomando de 7x3 do Bahia, fato que não desestimulou o rapazote. Logo que chegou na capital, em 1943, sempre ia aos jogos liderando a torcida. Desde 1958 até a sua morte não largou a bandeira coral, indo às emissoras de rádios convocar a torcida para os estádios.



Tricolor Tavares e seus dois rádios.
(Tribuna do Ceará 1975)



 Era no prédio do Abrigo Central (1949-1966), na Praça do Ferreira, que ocorriam os embates entre as torcidas. Ele pelo Ferroviário, Bodinho e Gumercindo pelo Fortaleza e Pedão da Bananada pelo Ceará, principalmente. Os demais se aglomeravam ao redor deles para assistir as discussões, que às vezes resultavam em tapas. Só que de repente soavam gargalhadas. Mas enfim, todos tomavam o mesmo caminho, pegando o velho ônibus do Prado em direção ao estádio Presidente Vargas, de onde saiam os resultados das apostas, comuns até hoje. Um desses torcedores chamava atenção, pois quer nos coletivos, quer nos estádios estava sempre com dois rádios nos ouvidos: Tavares, torcedor do Fortaleza, que usava paletó.










Carnaval de 1976. Sede do Fortaleza: Gumercindo, Jackson de Carvalho e Luís Rolim Filho (foto Tribuna do Ceará)




Bodinho



Praça do Ferreira: Bodinho e sua banca (Tribuna do Ceará,1983)

 José Amaro Sobrinho nasceu no Crato, em 1930, indo morar em Senador Pompeu aos 7 anos, desenvolvendo no sertão a primeira experiência como vendedor de jornais, livros e revistas. Assim começava a etapa de vida das pessoas pobres da época, trabalhando ainda criança. Teve, contudo, que partir para a capital, onde serviu o Exército no final dos anos 40. Depois foi gerenciar o Bar Americano, no bairro Pan Americano, para onde seguiam muitos amigos da “sociedade”, diante da recepção, bebida farta e tira gostos.

 Sabendo da origem e competência do rapaz, o maior grupo de comunicação de então, Diários Associados, o contratou como seu representante no sertão, viajando três vezes por semana, a partir dos trens que saiam da estação João Felipe rumo ao sul do estado, Crato, tarefa que durou dez anos. Bodinho achava perigoso, pois todos queriam ler a revista O Cruzeiro, sendo que alguns exemplares sumiam com o piscar de olhos.

No gramado do PV, título estadual
de 1969 (Correio do Ceará)

 Em seguida, uma oferta o fez assegurar um ponto fixo, quando, a partir de 1961, passou a trabalhar numa banca de propriedade da famosa Livraria Edésio, de onde saia o seu sustento: “Do pouco que ganhava dava para alimentar a família”, orgulhando-se dos seus fregueses famosos que haviam partido, políticos e outas autoridades. Nessa época, da sua primeira banca, guardou até o fim da vida uma foto ao lado do seu amigo Airton Monte, proprietário da Livraria Comercial e jogador do Gentilândia, clube da primeira divisão; pai do psicanalista Airton Monte (Junior), que também já se foi, cronista do jornal O Povo e amante de jornais impressos e de bandas de revistas.

 Do futebol, financeiramente, não teve o que reclamar, pois vendia, na banca, ingressos patrocinados pela Federação Cearense de Futebol, tendo, com o lucro, construído uma casa para sua mãe no bairro de Nossa Senhora das Graças, o Pirambu. Sentia-se, na época, feliz ao lado da esposa Alzira, da irmã, e dos cinco filhos.


Infelizmente, no final da vida Bodinho esteve deprimido, triste ao constatar a Praça do Ferreira entregue a assaltantes, chegando a sair de casa sem dar notícias. Não que estivesse desgostoso com seu clube futebolístico, o Fortaleza, mas vencido pela saudade desenfreada dos bons tempos, dos 40 anos na praça e dos seus tradicionais frequentadores. Faleceu na capital cearense em 20 de novembro de 2004, aos 74 anos.



Fortaleza Bi-Campeão 1973-74. Foto Unitário 1975


 Zé Limeira



 1931. Na estação ferroviária de Quixadá, o garoto José de Oliveira Filho, com seis anos, vendia cocadas, verduras, laranjas e bananas. Serviço que começava de madrugada, durante as passagens dos primeiros trens vindos do sertão, sem acusações de exploração infantil, pois naquela época, de pobreza total, era questão de subsistência uma criança trabalhar
.
Zé Limeira (Tribuna do Ceará, 1982)

 Como dizia Zé Limeira, “não nasci em berço de ouro, mas em berço de couro, não tendo oportunidade para aprender a ler e escrever”. Não lhe faltou, porém, vontade de trabalhar, orgulhando-se de seu pai, maquinista da Rede de Viação Cearense, a RVC, “ganhando pouco para sustentar uma grande família”. E com apenas o “ABC”, com 13 anos, foi com ansiedade que recebeu o convite para auxiliar um famoso engraxate durante um campeonato de corrida de cavalos, quando aprendeu a sua profissão, graças ao amigo “Zé Papagaio”. Só a abandonou em 1942, quando, aos dezessete anos foi servir de “cassaco” (trabalhador voluntário em obras públicas) durante mais uma grande seca. Afinal, sem água o povo não tinha dinheiro.

  Zé Limeira nunca esqueceu as datas que marcaram sua vida, muito menos essa: 12 de julho de 1943. Às nove horas da noite, com a sua maleta de trabalho, pegou o trem rumo ao destino maior. Na manhã seguinte estava na capital, Fortaleza, uma cidade “gigantesca”, sem parentes nem contatos. Com dois cruzeiros e duzentos réis, sua primeira admiração foi com o bonde, que cruzava as ruas Castro e Silva com 24 de Maio. Tratou de conhecer os pontos curiosos, começando pelo Morro dos Moinhos (paupérrimo), Praia Formosa (Marinha), saindo em direção à rua das Trincheiras (Liberato Barroso), onde encontrou um amigo, Dário Alves Cidade, de família “importante”, que estudava no Liceu. Foi aconselhado a ir ao Café Familiar, ponto de encontro dos quixadaenses. Exatamente ali foi ajudado por um colega engraxate, que lhe arranjou “dormida”, uma casa coberta de palha no “distante” Otávio Bonfim. Só passou um dia, pois encontrou, na Praça do Ferreira, um carreteiro de Quixadá, de quem recebeu o convite para morarem juntos. No ainda mais distante Mucuripe. Foram três meses.


Estação Ferroviária de Quixadá (1910), onde o garoto Zé vendia cocadas. Foto Estações Ferroviárias do Brasil.


 Mas foi no Salão Ceará, de propriedade de Eduardo Cavalcante, na Floriano Peixoto, olhando para a Praça, onde começou o serviço fixo de engraxate em Fortaleza, mantendo-se naquele ponto por cinco anos, quando se transferiu para o Salão Belém, no luxuoso Hotel Savannah, ed. Jereissati, Praça do Ferreira. Ali conheceu o jovem e promissor empresário Édson Queiroz, que o convidou para trabalhar na sua engraxataria, do outro lado da rua, no Abrigo Central. Contudo, no dia 24 de dezembro de 1950, quando a mesma contava com 17 cadeiras, foi promovido, dando férias à tarefa de engraxate. Tornara-se administrador, ou melhor, “tomador de conta” das cadeiras. Assim foi até 21 de abril de 1966, quando o prefeito Murilo Borges mandou demolir o Abrigo Central. Alvo de críticas por tamanha temeridade, o prefeito-general resolveu se justificar sobre o fim do Abrigo Centro. Conta Nascélio Limaverde (comunicador e ex-deputado), que ele levou um engraxate do local para uma emissora de TV e o indagou:

 - Seu Raimundo, diga para os telespectadores, qual o maior benefício que o prefeito fez por vocês?
 - Foi mudar o nosso nome de engraxate para lustrador.

 Com o “guardado” montou a sua engraxataria, na rua Guilherme Rocha, permanecendo no ramo até resolver trocá-lo pelo comércio, com a abertura de um bar, seguido de uma lanchonete, que segundo ele “não deram certo”. Com sua venda, por um bom preço, reformou sua casa no Jacarecanga, e ainda sobrou dinheiro no banco para manter a família de onze filhos. Faleceu em Fortaleza no dia 7 de abril de 2004, enlutando a torcida cearense.



 Pedão da Bananada



Pedão, líder alvinegro.Vida muito sofrida
 (Tribuna do Ceará, 1983)

 Nascido em Quixadá no dia 29 de abril de 1927, Pedro Alves da Silva, de família financeiramente muito pobre, partiu para Fortaleza com cinco anos, após a morte do pai, Domingos Pereira da Silva. A mãe, Maria Alves da Silva, enquanto labutava como lavadeira, o entregou para adoção aos cuidados da Dra. Araci Aguiar. Entretanto, Pedro começou cedo como trabalhador. Menor de idade, atuava como padeiro apenas para se sustentar. E muito cedo partiu para Belém, onde residiu até 1948, retornando ao Ceará para se alistar.



 
Em 1949, chegada a época da obrigatoriedade, com 1,81 metro, entrou no 10° GAC do Exército, onde juntou uns “trocados” para abrir um ponto na Sorveteria Cabana e em seguida uma lanchonete no Abrigo Central, que lhe custou "30 contos bem empregados". Ali ganhou fama como “Pedão da Bananada”.

Lembrava seus famosos fregueses, como o governador Paulo Sarasate, os políticos Wilson Machado e Mauro Benevides; radialistas como Nascélio Limaverde, Augusto Borges, Paulino Rocha, José Oly Moreira, José Santana, Júlio Sales e Gomes Farias; além de torcedores adversários como Zé Limeira e Gumercindo, aos quais atendia vestido de branco.







Pedão e sua banca. (Jornal Meio Dia. 1980)

 Líder inconteste da torcida alvinegra entre 1951 e 1964, passou a comandar, a partir de 1954, a primeira charanga do seu clube, Ceará, competindo com a do amigo tricolor, Gumercindo. Contrariando os apelos da esposa, Benedita, contratava onze músicos e mais trinta senhoritas para puxarem a torcida. Afora os gastos financeiros, veio a informação, em 1963, do prefeito Murilo Borges sobre a destruição o Abrigo Central no ano seguinte. Pedão e seus colegas, inclusive os engraxates, sentiram o prejuízo. Mesmo assim, no ano seguinte, fundou o Horizonte F. C., time de subúrbio, passando um período sem ir aos estádios após o jogo Fortaleza x Náutico, quando vestiu, como forma de homenagear o futebol cearense, a camisa do Fortaleza. Deixaria definitivamente os templos de futebol em 1977.








 Para continuar o negócio, montou uma cantina na 10° Região Militar, antigo forte de N.Sra. da Assunção. Com pouco lucro, partiu para Belém do Pará, onde permaneceu um ano, uma vez que seu comércio não progrediu. Foi para Manaus, na qual residiam familiares e amigos cearenses, trabalhando em venda de maçãs. Em seguida Brasília, retornando para o Amazonas, vendendo bijuterias. Por lá deixou a esposa e novamente partiu para o Pará. Em Belém foi camelô, comercializando camisas de futebol, como as dos rivais Remo e Paysandu.



Dimas Filgueiras e Mano (Unitário 1974)
 Foi quando teve um AVC, sendo internado. Para seu azar, ainda no leito soube que ocorrera um incêndio no prédio em que morava, perdendo todos os pertences, inclusive o material de trabalho. Os amigos desportistas o ajudaram. Passou a vender carnês do Baú da Felicidade nas sedes dos dois principais clubes de futebol locais, dando para sobreviver. Foi quando decidiu retornar ao seu estado.




Cearense de 1979: Tiquinho (Ceará) foge de Osvaldino e Bosco
(Fortaleza). Correio do Ceará 1979.

 Em Fortaleza, morou com o irmão, José, no Pio XII, ele sargento da Aeronáutica. Com a ajuda de um sobrinho, instalou uma banca de cigarros e bombons. Pela manhã ao lado da Foto Ideal, na rua Floriano Peixoto, e à tarde em frente à loja de tintas do Gumercindo, o seu rival das arquibancadas, mas amigo de coração. Depois se transferiu para a calçada do Mundão das Ferragens, de José Carneiro, torcedor do Ferroviário, solícito. Mas em 1982, o coração o levou a novo internamento, por quinze dias, aumentando o seu constante problema financeiro, tendo sua banca destruída pelos ratos.


Ao sair do hospital os amigos novamente não lhe faltaram, montando nova banca: Gumercindo, Nascélio Limaverde, Elias Bachá, Franzé Morais, José Carneiro e outros, aos quais nunca deixou de agradecer. Dois anos depois, o coração não suportou. Partiu em 9 de dezembro de 1984, ano em que o seu clube impediu o tri campeonato do rival. Deixou os filhos Nilton e Raimunda.

 Vimos um pouco da história de autênticos torcedores cearenses. Pessoas que nasceram e morreram mantendo a simplicidade, no que pese a popularidade. O prestígio não lhes alterou o ego. Todos diziam que se contentavam com o que “dava para viver”. Mas não havia riqueza que pagasse suas felicidades em dias de jogos. Longe do que vemos hoje, quando rivalidade é confundida com ódio. Futebol deve se inspirar no passado,  no amor e na paixão.


Charanga do Gumercindo. Tribuna do Ceará, 1975.



Com o tricolor Gumercindo ao centro, a  pazdurante o carnaval de 1975 (TC)


quarta-feira, 15 de junho de 2016

Paulino Nogueira - 1908. A Partida de uma das Maiores Personalidades do Ceará

Dr. Paulino Nogueira


Paulino Nogueira Borges da Fonseca - Filho de Francisco Xavier Nogueira, natural de Russas e D.a Maria das Graças Nogueira, nascida a 6 de Julho de 1799 e falecida a 2 de Janeiro de 1878. Nasceu em Fortaleza a 27 de Fevereiro de 1842. Neto pelo lado paterno de Pedro da Costa Moreira, nascido a 14 de Abril de 1749 e D.a Maria Nunes de Lima e pelo lado materno do Capitão Antonio Borges da Fonseca e D.a Rosa Maria do Sacramento, natural de Fortaleza.

Foram seus irmãos: D.a Josefa Carolina Nogueira, Raymundo Xavier Nogueira, pai do Dr. Joaquim Anselmo Nogueira, Pe. Francisco Xavier Nogueira, que foi vigário ; de Sant'Anna do Acaraú, Manoel Nogueira Borges, D.a Maria das Graças Nogueira, Camilo Nogueira Borges da Fonseca, pai do Dr. José Nogueira (vide), farmacêutico Pedro Nogueira Borges da Fonseca, D.a Francisca Carolina Nogueira, José Nogueira Borges, Antonio Nogueira Borges da Fonseca e D.a Joana Carolina Nogueira.

 Formou-se a 22 de Dezembro de 1865 na Faculdade de Direito do Recife, sendo pouco tempo depois nomeado Promotor Publico de Saboeiro em substituição ao Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, cargo que deixou por ter sido nomeado pelo presidente Dr. Homem de Mello para Official maior da Secretaria. O espirito partidário da administração Mello e Alvim, que foi a que se seguiu a de Homem de Mello, demitiu-o do emprego. Referindo-se a esse ato de Mello e Alvim, publicou Paulino um folheto, ao qual respondeu Mello e Alvim com outro folheto.

 No trabalho "Os Presidentes do Ceará", saído à luz na "Constituição", jornal por muitos anos abrilhantado por sua pena, Paulino Nogueira tratando desse facto escreveu: “Ferido profundamente por um ato de perversidade partidária sua (de Mello e Alvim), escrevi um folheto sobre sua administração, o qual mereceu resposta sua também em folheto. Quem chegar a ler um e outro, á de se convencer de que não lhe faço a minima injustiça deixando-me levar por sentimentos individuais”.

 O ato que o privou do emprego elevou-o de mais em mais no conceito dos seus patrícios, máximo dos correligionários, os conservadores, e isso explica sua nomeação para Secretário dos Presidentes Taquary no Ceará e Freitas Henriques na Bahia, Professor de Latim e Diretor do Lyceu e Inspetor Geral da Instrução Publica, Deputado Geral por duas vezes (1872 a 1879), Vice-presidente da Província, e nesse caráter a 21 de Fevereiro de 1878 recebeu das mãos do Dr. Ferreira de Aguiar, o futuro Barão de Catuama, a administração. Pelas reformas que realizou na Instrução Publica da Província, e entre elas não pode ser esquecida a abolição dos bolos, dos castigos corporais, foi condecorado com a "Ordem de Christo" (1871).

Foto Instituto de Ceará
Em 1883 abandonou a politica, voltando então á sua banca de advogado. Em 1887 fundou com Guilherme Studart, Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, Joaquim Catunda e João Augusto da Frota o "Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará", sendo seu primeiro presidente. Em 1888, sendo presidente o Dr. Caio Prado, foi nomeado Provedor da Santa Casa, cargo a que voltou em 1906 a instancias do Presidente Dr. Nogueira Accioly. A Provedoria da Misericórdia assentava otimamente no Dr. Paulino Nogueira, homem à antiga, católico praticante, alma aberta a todas as dores, a todos os sofrimentos.
Senador Pompeu

 Por ocasião da organização judiciaria do Estado no novo regime, foi nomeado membro do Tribunal da Relação, e inaugurada a Academia Livre de Direito do Ceará coube-lhe a Cadeira de Direito Criminal. Recusou a presidência da Província


— "O ex-presidente Tenente-coronel João de Souza Mello e Alvim ou a demissão do Official maior da Secretaria do Governo do Ceará Bacharel Paulino Nogueira Borges da Fonseca". Fortaleza, Typ. da Constituição, Rua da Bôa-Vista n.O 25, 1869.
— "O Major João Erigido e sua refutação ao discurso do Deputado Paulino Nogueira".
Essa extensa serie de artigos saiu publicada na Constituição, ano de 1873.
— "Discurso proferido na Câmara dos Srs. Deputados na sessão de 25 de Agosto de 1875 sobre Limites da Província do Ceará com a de Piauhy". Rio de Janeiro, Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e C.a, 1875.
— "Eleições Senatoriaes do Ceará". Refutação ao Major João Brigido. Publicada na Constituição, anno de 1884.
— "O livro do Sr. Rodolfo Theophilo", publicado na Constituição, anno de 1884.
— "Execução de Pinto Madeira Perante a Historia", por Paulino Nogueira, bacharel em Direito.
Entre as suas muitas produções, publicadas na maior parte na Revista do Instituto do Ceará, importante associação de que foi presidente desde o seu inicio:
do Amazonas e esteve indigitado para Barão de São Paulino pouco antes do 15 de Novembro. As pesquisas perseverantes e conscienciosas do Desembargador Paulino Nogueira se devem muitas paginas da historia do País, cumprindo aqui assinalar, que seu amor aos estudos históricos se revelou bem cedo porquanto no 5.o ano da Academia já se ocupava dessa especialidade no jornal "A Crença", de Recife.

Palecete Jeremias Arruda, atual sede
do Instituto Histórico de Ceará

 Este trabalho foi pelo autor oferecido ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que o publicou em sua Revista, tomo 50, parte 1.a — "Vocabulário Indígena em uso na Província do Ceará", com explicações etmológicas, ortográficas, topográiicas, históricas, terapêuticas, etc, por Paulino Nogueira. Este trabalho saiu publicado na “Revista Trimensal do Instituto do Ceara” 4.o trim. de 1887.

— "Vida de Antonio Rodrigues Ferreira", publicada na “Revista do Instituto do Ceará”, 1887.
— "Fortaleza do Ceará", publicado na “Revista do Instituto do Ceará”, anno de 1888.
— "O Padre Ibiapina", publicado na “Revista do Instituto do Ceará”, anno de 1888.
— "O Naturalista João da Silva Feijó", publicado na “Revista do Instituto do Ceará”, 1888.
Como complemento deste trabalho Paulino Nogueira publicou com anotações na Revista de 1889 a Memoria sobre a Capitania do Ceará, escrita pelo dito naturalista.
— "Aditamentos às biografias do Padre Gonçalo e do Coronel Andrade", publicados na “Revista do Instituto do Ceará”, ano de 1889.
— "Presidentes do Ceará: Primeiro Reinado, Período Regencial, Segundo Reinado".

 A série vem publicada na “Revista do Instituto do Ceará” a contar do ano de 1890, e foi interrompida pela morte do autor. Foi primitivamente publicada no jornal "Constituição", de Fortaleza, mas em traços ligeiros.

— "Província dos Cariris Novos", publicada na “Revista do Instituto do Ceará” 4.° trim. de 1892 com anotações.
— "Execuções de Pena de Morte no Ceará". Notável trabalho publicado na “Revista do Instituto do Ceará”, ano de 1894.
Sobre as Execuções de pena de morte no Ceará publicou o Padre Bellarmino de Souza uma apreciação no “Jornal do Commercio” de 31 de Dezembro de 1894, que mais tarde ajuntou como apêndice ao folheto Carta a um amigo, Rio de janeiro, Typ. d' “O Apostolo”, rua da Assémbléa n.o 53,1895.
— "O Coronel José Antonio Machado injustamente accusado pelo Presidente Coronel Antonio de Sales Nunes Berford", na “Revista do Instituto do Ceará”, 1895.
— "A Relação da Fortaleza", publicada na “Revistado Instituto do Ceará”, anno de 1900.
— "Relatório da Procuradoria Geral do Estado em 3 de Junho de 1901". Vem annexo ao Relatório do presidente do Estado Dr. Pedro Augusto Borges.
— "Naturalidade do Dr. José Cardoso de Moura Brasil". Publicado na “Revista do Instituto do Ceará”. 1901.
— "Relação dos Cearenses Titulares e Condecorados". Publicado na “Revistado Instituto do Ceará”, anuo de 1901.
— "Ainda a naturalidade do Dr. José Cardoso de Moura Brasil. Publicado na “Revista do Instituto do Ceará”, anno de 1902.
— "O Padre Francisco Pinto ou a Primeira Catequese de índios no Ceará". Esse trabalho, que foi primitivamente publicado na “Quinzena”, jornal literário de Fortaleza, ns. 3 a 8. e posteriormente, em 1887, em folheto, Typ. Economica, com dedicatória ao Exm. Bispo Diocesano D. Joaquim José Vieira e ao Rvd. Vigário Padre Francisco Xavier Nogueira, irmão do autor, vem reproduzido nas paginas da “Revista do Instituto do Ceará”, ano de 1904. É pena que a reprodução encerre ainda algumas incorreções que a noticia de documentos recentes encontrados, e que Paulino conhecia perfeitamente, tem expungido da historia Cearense.
—O verdadeiro Soneto de Maciel Monteiro, publicado no Almanach do Ceará, ano de 1905. 

 O Desembargador Paulino Nogueira casou duas vezes : a 22 de dezembro de 1866 com Donaa Anna Franklim de Alencar Nogueira, filha do Coronel João Franklim de Lima, e desse consorcio teve o Dr. João Nogueira, e Maria Nogueira, falecida em 1869, e a 24 de janeiro de 1891 com D.a Clothilde Jaguaribe, filha dos Viscondes de Jaguaribe, e desse consorcio teve uma filha, D.a Maria José.

 Paulino Nogueira faleceu pela madrugada de 15 de Junho de 1908, causando o acontecimento o mais profundo pesar no seio de toda população de Fortaleza e nada então faltando para a consagração, sob todos os aspectos devida, da memoria de homem tão rico de dotes, tão querido e respeitado. Entre as muitas demonstrações que se fizeram.
                                                                                                    Barão de Studart
            


                                                                                                                 Por Guilherme Studart
                                                            Dicionário Bio- Bibliográfico cearense (1913) - Barão de Studart

sábado, 11 de junho de 2016

J. C. Alencar Araripe - 11 de Junho de 2010 - Foi-se o Professor dos Jornalistas.


J. C. Alencar Araripe (Foto DN)
No dia 11 de junho de 2010, o Ceará recebeu com pesar a notícia do falecimento do escritor, jornalista e acadêmico cearense Jose Caminha Alencar Araripe, que se encontrava internado no Hospital São Carlos, onde havia passado pela quarta cirurgia. Familiares, amigos e colegas estiveram presentes no velório, na Academia Cearense de Letras, da qual era membro, além da missa de corpo presente e o enterro no cemitério Parque da Paz, em Fortaleza.

 Embora mais conhecido como jornalista e escritor, a atuação de J.C. Alencar Araripe deu-se em um amplo leque de atividades culturais de política e pesquisa histórica e sociológica. Foi um dos professores fundadores do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceara, onde ocupou, também, o cargo de chefe de departamento, entre outros.

 Na política, foi vereador e prefeito interino de Fortaleza. No jornalismo, J. C. Alencar Araripe percorreu o caminho desde revisor e repórter até a alta direção do Jornal O Povo. Mais à frente em sua carreira, foi colaborador do Diário do Nordeste. Também foi presidente por 12 anos (de 1977 a 1986 e de 1992 a 1995) da Associação Cearense de Imprensa (ACI) e membro do Instituto do Ceara.

Livro dedicado à sua
tri-avó, a quem idolatrava

 Sua produção jornalística é enorme, dedicada aos mais variados assuntos, em forma de ensaios, artigos, reportagens e cr6nicas. Entre os prêmios recebidos, destaque para o Esso de Jornalismo, em 1958. Escreveu vários livros, a exemplo de “Luzes no Túnel da Memória”, “O Mundo em Três Dimensões”, “Alencar, o Padre Rebelde” (biografia de Jose Martiniano Pereira de Alencar), “A Glória de um Pioneiro - a vida de Delmiro Gouveia” e “Barbara e a Saga da Heroína”.

 “Araripe foi uma pessoa que fez história, devo muito a ele. Fui sua aluna na UFC, e foi através do seu convite que entrei no jornal O Povo, em 1974", recorda a jornalista lzabel Pinheiro, ex-chefe de reportagem do Diário do Nordeste e Vice-Presidente da ACI (em 2010). Segundo ela, J.C era uma pessoa muito tratável e educada, presente para a família e os amigos. A imprensa cearense deve muito a ele”.

 A opinião é compartilhada pela colega jornalista lvonete Maia (falecida em 2012), então presidente da ACI: “Araripe foi um jornalista completo. Começou na revisão do jornal O Povo e la chegou à editoria geral. Nesse percurso, foi repórter premiado, editorialista e articulista, publicando artigos no Diário do Nordeste. Foi professor fundador do curso de Comunicação Social da UFC, onde fui aluna dele. Realmente uma pessoa muito relevante para o jornalismo do Ceará, sempre zeloso pelo conteúdo”, lembra.

 Na lembrança do filho, o médico Otaviano Alencar Araripe, a admiração permanece: “Papai foi um dos que contribuiu para a fundação da Faculdade de Medicina, quando ainda nem era federalizada. Ele aposentou-se exatamente na época em que eu estava entrando no curso. Nesses dois últimos anos de doença nunca perdeu a lucidez, apenas na fase final”, revela o filho.

Exu PE, Crato CE e Jardim CE (foto, mapio.net) foram o berço da família Pereira de Alencar


 Araripe nasceu no município cearense de Jardim, no dia primeiro de maio de 1921. Veio a Fortaleza terminar o ensino ginasial (hoje segunda parte do ensino fundamental). Trineto da revolucionaria Barbara de Alencar, formou-se em Ciências Contábeis e Atuariais; frequentou vários cursos de extensão.

 Além do Esso, ganhou os prêmios de literatura Cidade Fortaleza (1965), assim como o Capistrano de Abreu, UFC (1966). Entre as obras mais importantes de J. C. Alencar Araripe está “Alencar, o Padre Rebelde”, livro no mínimo emblemático sabre Jose Martiniano de Alencar (1794-1860). A biografia foi reeditada várias vezes e conta a trajet6ria de um dos homens mais importantes do Século XIX do País.

J.C. foi estudioso sobre seu bisavô,
José Martiniano (Padre Alencar)

 J. C. Alencar Araripe era um apaixonado pela figura de José Martiniano. Não somente por raízes familiares, mas também pela rica e tumultuada vida do “Padre Rebelde”. A vida de Martiniano, pai do escritor Jose de Alencar, foi das mais movimentadas, principalmente no campo político. O surto revolucionário de 1817 (Revolução de Pernambuco, luta pela República) o levou a prisão por vários anos. A sua administração, como presidente da Província, sempre mereceu louvores e aplausos. Teve atuação como deputado nas Cortes de Lisboa. Voltou ao Brasil após a independência, envolvendo-se na Confederação do Equador. A mão dura do Império caiu como ferro sabre os confederados. Martiniano de Alencar conseguiu escapar.

 Sobre o livro, disse J. C.: “Tive a preocupação de colocar diante do leitor os fatos que se desenvolveram, como o martírio emocionante de Tristão, a debandada sem resistência dos que antes arrotavam valentia, os fuzilamentos no Campo da Pólvora (Praça dos Mártires, Passeio Público) dos implicados na Confederação do Equador, como Pe. Alencar escapou da repressão dos imperialistas, transcrevi depoimentos que ajudaram a clarear o entendimento da tragédia que se abateu sabre o Ceara. A escapada de Martiniano de Alencar, e o que o levou da Chapada do Araripe a capital do Império, o Rio de Janeiro, pelo interior bravio, e um episódio que qualifico de rocambolesco, pelas peripécias vivenciadas e pela determinação com que procurou subsistir em ambiente tão hostil pela natureza e pela ação do homem” (Diário do Nordeste, abril de 1996).
Primeiro à esquerda, J. C. recepciona, no O Povo, os historiadores
Gustavo Barroso e Raimundo Girão, além do seu primo, Dr. Valdir
Liebmann (Foto O Povo Anos 50)

 José Martiniano Pereira de Alencar voltou ao cenário político logo que se viu livre das acusações de implicado na revolução de 1824 (Confederação do Equador, por um Nordeste independente do Império). Seu retorno foi triunfante. João Brígido (notável e polêmico jornalista, fundador do Jornal Unitário) externou a opinião que Martiniano de Alencar “lançou os fundamentos do progresso moral e material do Ceara, ensaiando, com grande intuição no futuro, quantos melhoramentos a Província veio a considerar indispensável a sua civilização. O livro “Alencar, o Padre Rebelde”, é um de grande importância para se conhecer, além de Martiniano de Alencar, o Ceará durante o Império”.

 Fonte e texto editado: Academia Cearense de Letras.