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Dr. Clóvis e D. Amélia (da família) |
De origem italiana, Clóvis Beviláqua (Bevilacqua) nasceu em Viçosa do Ceará no dia 4 de outubro de 1859. Fez os estudos primários em Sobral e os seguintes em
Fortaleza (Ateneu Cearense e Liceu) e Rio de janeiro, onde conviveu com os
colegas Paula Ney e Silva Jardim, que futuramente se destacariam na literatura,
no Direito e em lutas sociais. Entre 1878 e 1882 estudou na Faculdade de
Direito do Recife, onde fixou residência. Tão logo bacharelou-se,
destacando-se como professor de Filosofia, concursado na Faculdade em que estudara
na capital pernambucana, logo fezendo
jus à respeitada figura do meio jurídico. No Ceará, o Comendador Accioly, a fim
de acalmar as tensões políticas, o convidou para a presidência do Estado.
Negou, bem como para senador e deputado; também aos convites dos presidentes da
Repúbica Hermes da Fonseca e Washington Luís, para ministro do STF. Contentou-se
com o cargo de consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores após
convite de Barão do Rio Branco, o que lhe valeu também vaga de professor de
Legislação Comparada no Recife. Mas aceitou um trabalho solicitado pelo
presidente norte americano, Robert Hoover, redigindo um projeto para a Corte
Permanente de Justiça Internacional. Entretanto, para lá não foi discuti-lo,
afinal jamais faria uma viagem internacional.
Proclamada a
Republica, em 1889, secretariou o Dr. Thaumaturgo de Azevedo, o primeiro
presidente do Piauí, seguindo adiante para Fortaleza como deputado constituinte.
Nascimento do Código Civil Brasileiro
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Faculdade de Direito de Recife |
Em 1899, durante o
governo de Campos Sales, o então Ministro da Justiça, Epitácio Pessoa, seu colega
de faculdade, o incumbiu de redigir um projeto de Código Civil. Em seis meses
teria que apresentar um trabalho de aprimoramento do contexto social, de forma
liberal e equitativa. Assim o fez, e assim foi aplaudido mundialmente. Após
dezessete anos de discussão, o mesmo entrou em vigor em 1 de janeiro de 1917. Criou
normas que buscavam a igualdade social, quebrando as antigas e injustas que distanciavam
as classes, uma vez privilégios das classes sociais mais abastadas, assentando
as bases de uma filosofia jurídica dos grandes revolucionários das ciências.
Para Clóvis Beviláqua, a filosofia geral é a síntese mais elevada do saber
humano, pois ela generaliza, unifica e completa a natureza harmônica de todas as
ciências. O Direito como ciência estuda o homem em suas relações mutuas, mas
como fenômeno aparece na sociedade humana como consagração da necessidade da
vida em comum, e como deixou claro, “a filosofia jurídica traduz um grau
superior na evolução das ciências do Direito”.
Famoso e humilde
No que pese uma vida
dedicada ao ensino e de consultorias, Clóvis Beviláqua não enriqueceu
financeiramente. Não importando o grau da personalidade dos solicitantes, desde
que chegara ao Rio de Janeiro, em 1906, cobrava o mesmo valor pelos pareceres,
inferiores aos dos colegas. Conforme o jornalista do Flan, Francisco de Assis
Barbosa, “não ligava para dinheiro. Excetuando o “Código Civil Comentado” e “O
Direito das Coisas”, vendeu a propriedade de todos os livros, a maior e mais
completa obra que um jurista produziu em língua portuguesa. Tudo por uma
quantia irrisória”. Das duas obras, aos cuidados da Livraria Francisco Alves, e
de uma pensão paga pelo governo, sustentavam-se as filhas do jurista. Ambas sequer
possuíam emprego, assim como de vida humilde eram seus parentes no Ceará. A
própria casa da família, na Rua Barão de Mesquita, 500, foi adquirida através
de um empréstimo na Caixa Econômica, “facilitado por uma entrada proveniente de
subscrição popular da Sul América”. Ali o intelectual dedicou a outra tarefa
que amava: cuidar de animais. Abraçava-se aos gatos, cachorros, dava milho aos
pombos sentado na sua cadeira de balanço, nas suas mãos. E não esquecia dos demais, pois alimentava até
as aves dos vizinhos. Interessante,
criava galinhas mas não as matava, afinal possuíam nomes, eram como membros da
família.
Maior civilista do País sem casaca
Tamanha modéstia
vinha de longe. 1916 era o ano do
centenário de nascimento do jurista baiano Teixeira de Freitas. Bateram em sua
porta. Era seu amigo Edmundo da Luz Pinto, presidente da Associação dos
Estudantes da Faculdade de Direito do Rio de janeiro, que o convidara para
fazer uma conferência sobre o seu colega centenário. Agradeceu, mas não poderia
ir porque não possuía uma casaca. O outro tratou de ir atrás e conseguiu a
roupa, alugada na Casa Storino, e para a concorrida sessão, no dia 10 de
agosto, compareceu ao Teatro Municipal. O imponente monumento da cultura
nacional viveu um momento ímpar. Da mesa, da qual presidia, o famoso jurista
Rui Barbosa, conterrâneo de Teixeira, o apresentou: “Dou a palavra ao maior dos
nossos civilistas vivos para falar sobre o maior dos nossos civilistas mortos”.
Fez a conferência, silenciando o prédio, lotado por estudantes. Foram tantas as
palmas que até Clóvis Beviláqua as bateu pensando dirigir-se ao colega baiano.
Defensor da mulher. Aliás, das mulheres.
Contudo, um dos
fundadores da Academia Brasileira de Letras, Clóvis Beviláqua, membro da
Cadeira 14, teve um desgosto que o fez se afastar em definitivo da casa. Em
1930, sua esposa, a escritora Amélia de Freitas Beviláqua, inscreveu-se para a vaga
de Alfredo Pujol. Ela já bem conhecida, já que, a contragosto dos imortais, acompanhava
o marido nas sessões. Entretanto, acabou rejeitada após o presidente Aloysio da
Costa colocar em votação, tendo como motivo a negativa ao sexo feminino possuir
assento na Academia, o que só viria a ocorrer em 1977, com Rachel de Queiroz.
Em reação à negativa, bradou em boa voz o esposo inconformado: “ Lá fora deixo
o meu chapéu e a minha bengala. Onde minha mulher não pode entrar eu também não
entrarei!”. O casal se conheceu durante os estudos no Recife, ela culta,
piauiense, filha de desembargador, escritora desde a infância, e que teve o
companheiro como parceiro em livros.
A família
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Funerais do jurista no Campo Santo, Rio (Diários Associados) |
Após a sua morte, em 26
de julho de 1944, as filhas, Dóris e Violeta, prosseguiram a tarefa de zelar os
livros dos pais. Superando 10 mil volumes, com certeza a maioria voltada ao
Direito, estragando-se na umidade e na precariedade do espaço, a biblioteca de
Clóvis Beviláqua foi pretendida pelo Estado a fim de enriquecer os arquivos Ministério das Relações Exteriores. Dóris
Beviláqua, entretanto, recusou não apenas essa oferta como outras: “Não quero
que mexam em nada. Guardarei os livros de papai e mamãe aqui mesmo. Depois da
minha morte e das minhas irmãs, então sim, a biblioteca ficará para os
estudantes pobres. Papai tinha horror em pensar que os seus livros seria postos
em leilão. Lembro-me que ele ficava triste com o anúncio dos leilões de
bibliotecas particulares no Jornal do Comércio”.
A gratidão da sua terra
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JK no Ceará. (Correio do Ceará, 1965) |
No dia 3 de agosto de
1965, o presidente Juscelino Kubitschek, dentro das comemorações do centenário
de nascimento do jurista cerense, esteve em Fortaleza, inaugurando o Hospital
das Clínicas e recebendo o título de Doutor Honoris Causa da UFC. E nos dois
dias posteriores eventos ligados ao Direito, culminando com um recital na
Concha Acústica da UFC com os pianistas cearenses Jacques Klein e Cesarina
Klein. Parecia que toda a cidade encontrava-se do lado de fora em todas as
ocasiões.
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Fortaleza, 1965. Inauguração da estátua. (Unitário) |
Às 9 horas do dia 11
agosto de 1965, Dia do Jurista e do estudante, foi inaugurada a sua estátua na
praça ao lado da Faculdade de Direito. Discursaram Eduardo campos, presidente
da Associação Cearense de Letras, e Luís Cruz de Vasconcelos, diretor da
Faculdade, diante de incontável número de estudantes e populares. A estátua do
ilustre cearense surgiu a partir da iniciativa do Centro Acadêmico Clóvis Beviláqua
e do jornalista e escritor Pantaleão Damasceno, dos Diários Associados, com uma
campanha do jornal Unitário em busca de apoios, resultando numa comissão que
foi ao encontro das autoridades. Em 1963, o governador Virgílio Távora sancionou
projeto de lei do deputado Themístocles de Castro e Silva, disponibilizando o
valor de CR$ 2 milhões para a sua construção, uma dívida do cearense para com
seu conterrâneo.
J. Lucas Jr
Fonte: Pantaleão Damasceno (Jornal Unitário), Jornal Correio do Ceará e Jornal Flan.
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Rio de Janeiro. O jurista com a esposa e filhas. Lendo, Florisa, falecida em 1945. (Álbum de família) |
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Biblioteca: Violeta e os amores de Clóvis Beviláqua. (Flan) |