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Foto e[Estúdio N. Olsen |
Fortaleza, 3 de junho de 1935. A zero hora, falece, em sua
residência, no edifício do Excelsior Hotel, o comerciante Plácido de Carvalho.
Começou como auxiliar na firma Barroso Pinto & Cia, e em seguida fundou a
Casa Plácido. Conheceu pessoalmente os mercados da Europa e dos EUA, tirando
disso vantagens econômicas que o tornaram milionário. Importava, estocava e
vendia com grandes lucros durantes as crises financeiras dos países
imperialistas, principalmente no auge da I Guerra Mundial. Com os ganhos,
tornou-se proprietário de imóveis e de prédios famosos da capital cearense, alugando-os
e atuando com critérios rígidos nas cobranças de seus atrasos. Pouco
colaborador em ajudas sociais, foi solidário no seu testamento com algumas
instituições de caridade. O cortejo fúnebre partiu às 16 horas do dia seguinte do
Excelsior Hotel rumo ao Cemitério São João Batista, seguido por carros de luxo
da sociedade comercial e industrial e por curiosos. Ali, ao lado do caixão,
discursou o advogado e amigo, Dr. Raimundo Gomes de Matos:
“Sou capaz de, perante qualquer auditório e em qualquer momento,
proferir algumas palavras a titulo de oração de qualquer natureza, pedindo asas
ao improviso, como tenho feito tantas vezes. Isso não obstante, preferi grafar
no papel o meu pensamento, as minhas ideias, sobre o querido e pranteado morto
de hoje a fim de não trair a mim mesmo. Não são somente os expoentes máximos da
mentalidade universal que têm jus às manifestações de seus admiradores; não são
somente os raros tipos de estadistas que promovem a prosperidade e a verdadeira
felicidade dos povos que, ao baixar o túmulo, têm igual direito; não são
somente os guerreiros, os grandes generais, figuras épicas que edificam a
humanidade com os arrebatamentos da sua bravura, que são dignos de homenagens
póstumas; não são somente os apóstolos da ciência que devassam o mundo do fundo
do seu laboratório e o empolgam com as fulgurações do seu saber que,
desaparecendo do agitado cenário dos vivos, se tornam imperecíveis na memória
das gerações vindouras. No mesmo pé de igualdade, nas mesmas condições, de
ordem espiritual e moral, no conjunto dos homens, estão, também,
incontestavelmente, aqueles que, na sua trajetória pela terra, souberam se
fazer e se impor no conceito da sua sociedade, souberam elevar-se no largo
âmbito da sua atividade, com galhardia, pela lógica das suas virtudes
peregrinas, a golpes de talento e de esforço próprio, sempre rendendo culto
muito especial, com toda a reverência, à grande religião do trabalho. Nesta
hipótese, como uma afirmação solene e categórica do meu entranhado amor à luta
pela vida, como um estado eloquentíssimo da labuta cotidiana e sem tréguas,
como um documento irrefutável impressionante combatividade, estava aquele que,
para a maior honra da sua família, assinava e se chamava PLÁCIDO DE CARVALHO,
espectmen invulgar de operosidade
profícua e inteligentemente voltada no sentido do BEM e do progresso do CEARÁ.
Cidadao modelo na legítima expressão desta frase, existência moldada no
rigorismo no código de uma ética toda pessoal, toda individual, possuindo uma
noção muito particular dos fenômenos da vida social, sincero dentro da
austeridade dos seus princípios, incapaz de mentir a si mesmo, era ele um
decidido, um franco, um leal, obedecendo unicamente aos impulsos do seu
temperamento, ouvindo somente as vozes íntimas do seu coração. Mal
compreendido, algumas vezes, por efeito desses sentimentos que não sabia
sopitar nem desfasar, quase injuriado, outras vezes, pelos que não privaram com
ele mais de perto, sempre afeito aos seus negócios, dos quais nunca descurou um
momento; sem rancores, sem preferências por este ou aquele, por mais humilde
que fosse o indivíduo, sem trazer na alma atos repulsivos de ódio, sempre
mostrando nos lábios a amabilidade de um sorriso, assim ele viveu, assim ele
morreu. Aldovrando Pinto, já há alguns anos desaparecido, teve a seu respeito o
seguinte e interessante conceito, que bem corresponde a um magnífico traço
psicológico do malgrado extinto: “Plácido, o único rapaz pobre do Ceará que se
tornou milionário e não ficou tolo”. Merecido foi esse elogio feito ao cearense
ilustre, digo, por todos os títulos que triunfou na jornada áspera da vida, e
que acaba de ser colhido pela morte, cuja presença não o entibiou, não o
amedrontou, não o acovardou; antes, deu-lhe inspiração e ânimo para fazê-lo
forte até exalar o último suspiro e para, no seu testamento, nas suas
declarações de última vontade, fazer generosos legados a estabelecimentos de
caridade de Fortaleza, demonstração de que, no leito de dor, estava preso ao
espírito e pelo sentimento de solidariedade humana, aos desgraçados e
desamparados da sorte que sofrem o horror da fome e do desconforto. Plácido de
Carvalho, que ora desce na correnteza impetuosa do Lethes, rio da morte ou do
esquecimento, não nasceu berço de ouro e púrpura, nem teve pais alcaides, mas foi
bem pela sua compostura, pela sua fidalguia o tipo de verdadeiro, príncipe da
nossa raça. Pêsames sentidíssimos à família e ao Ceará”.
Na ocasião, a viúva, Pierina Rossi de Carvalho, prometeu a
construção de mausoléu em sua homenagem, jamais cumprido. A missa
de Sétimo Dia ocorreu na Igreja do Patrocínio.