Jornal A Constituição,
Anno I, N° 10 – Ceará, Quinta-Feira 26 de Novembro de 1863
A Villa do Trahiry
A imprensa liberal
tem levantado grande celeuma contra a assembleia provincial por ter elevado à
categoria de vila a povoação do Trahiry, e ultimamente ao presidente da
província por haver sancionado o respectivo projeto. Vejamos se procedem os
fundamentos dessa celeuma.
|
Logotipo do jornal em 1863
|
Não possuímos,
infelizmente, uma estatística bem organizada de sorte que se possa saber com
certeza a população existente dentro de uma área qualquer da província, desta
ou naquela zona em que se divide. Se a possuíssemos, grande facilidade
encontraria a administração na maior parte dos seus atos, e então pensamos que
a criação das vilas, ou circunscrição de novos municípios, deveria ser ditada
por dados estatísticos certos, da sua população com relação à extensão do
território. Ou seja, quando mostrasse que tal ou tal território de um certo
número de léguas fosse habitado por uma determinada quantidade de população,
possuindo outras condições, como por exemplo, a existência de uma igreja, com
certo número de casas alinhadas em torno dela, etc, um tal território fosse erigido
em freguesia, em município, comarca, sendo, por disposição da Lei, desmembrado
das comarcas, termos ou paróquias a que estivesse incorporado.
Na ausência de dados
tão perfeitos, que estamos longe de possuir, a criação de freguesias,
municípios e comarcas têm sido mais ou menos arbitrária, porém quase sempre
ditada pela grande extensão do território, pela necessidade de a Justiça estar
próxima dos cidadãos, hoje distante, além de necessidades especiais de ordem
pública. Parece-nos incontestável que estas têm sido as causas motoras de todas
as novas circunscrições territoriais nesta província, e cremos que o novo
Império. Rogamos ao Cearense, por especial favor, que nos aponte uma só das
vilas existentes no Ceará criadas em melhores condições, em vista dos dados
referidos, do que a do Trahiry.
|
Matéria de 1863 |
Se atendemos à
extensão do seu território, fica a 30 léguas da capital, e por conseguinte é
manifesta a dificuldade dos seus habitantes irem buscar os recursos judiciários
de que precisam, distância bem maior para atender o distrito de Mundahú,
propriamente dito, cujas extremas ficam talvez a 35 léguas. Atentando à
população, o novo termo compõe-se de quatro distritos de juízo de paz e
subdelegacia: os de Siupé, Parazinho, Trahiry e Mundahú, todos com terrenos
férteis, ao correr da costa, com diferentes portos de pesca, visitados por
barcaças, que fazem comércio com os gêneros do País, farinha, peixe, madeiras,
etc. Um deles, Mundahú, é ponto de escala dos vapores da companhia maranhense,
circunstâncias estas suficientes que cada um atraia maior população.
O contemporâneo do
Cearense encarregado, como tem sido, pelo governo da província de fazer a estatística
dela acha-se mais habilitado do que nós para fazer a comparação da população de
outros termos com a do novamente criado. Supondo que os termos menos populosos
são os de Santa Quitéria, Tamboril, S. Anna, Acaracú, Aquiraz e Cascavel, pedimos-lhe
que colacione a população de qualquer deles com a do nosso município do
Trahiry, e estamos convencidos que se a deste último não exceder a deles todos,
ao menos será superior a de um deles.
Lembramos que era
ainda bem pequena a vila do Ipú quando o finado Dr. Moraes Sarmento, então
presidente desta província, propôs, como meio de reduzir os crimes, que ali
eram perpetrados a necessidade de elevá-la à categoria de comarca, sendo a sua
proposta imediatamente adotada. E posto
que no Ipú não tenha havido sempre a permanência de um juiz municipal e de
direito, aquele termo tem, contudo, melhorado muito de condições após aquela
providência.
Dê-se ao novo termo
do Trahiry um bom juiz municipal e acreditamos que seus habitantes virão
abrir-se um horizonte mais fagueiro, quer quanto à administração da justiça,
quer quanto ao desenvolvimento de sua estacionada agricultura, como permitem
seus férteis terrenos. Sem garantia dos direitos individuais, sem a certeza da
ordem do direito – sua cuique tribuere, não podem as indústrias receber o
necessário desenvolvimento.
Nota do Blog:
1863: O jornal responde ao seu concorrente, “O Cearense”,
ligado ao Partido Liberal, sobre a motivação da criação da Vila de Trahiry, no
dia 12 de novembro daquele ano, por força da Lei 1068, vila que possuía entre
seus distritos Parazinho (Paracuru) e Siupé (São Gonçalo), ainda que por apenas
um ano. A pressão do contrário foi violenta.
|
Antônio Martins |
Membro da redação do conceituado
jornal aliado da monarquia, “A Constituição”, adiante fusão dos jornais "Libertador" e "Estado do Ceará, acreditamos que seja Antônio
Martins o responsável pela matéria. Nele, assinava como “De L’Isle” na coluna
Folhetim. Filho do trairiense Antônio Dias Martins, coronel, e irmão do poeta Álvaro
Martins, destacou-se pelo empenho a serviço da sua terra como vila (município),
assim como esteve à frente da campanha pela abolição dos escravos no Ceará e na sua terra, onde de fato ocorreu durante os festejos de Nossa Senhora do Livramento, em 31/12/1883, sendo o orador oficial.
O autor se antecipa
aos fundamentos modernos de criação de municípios, citando densidade demográfica,
número de imóveis, templos religiosos como garantias, o que na época não eram
necessárias, e sim uma decisão de cunho político, coronelístico. Faz, entretanto,
uma defesa apaixonada, em resposta à oposição, no sentido de tornar Trairi município
e a partir de então procurar o seu crescimento sócio econômico atrelado à
presença da Justiça. Antônio Martins, entretanto, não fez jus sequer a nome de
rua na terra onde sua família foi uma das fundadoras.
|
Coluna de Antônio Martins, ou "De L'Isle", no jornal A Constituição, em julho de 1883 |