terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Trairi - Vila em 1863. A Resposta aos Contrários

Jornal  A Constituição, Anno I, N° 10 – Ceará, Quinta-Feira 26 de Novembro de 1863


A Villa do Trahiry


 A imprensa liberal tem levantado grande celeuma contra a assembleia provincial por ter elevado à categoria de vila a povoação do Trahiry, e ultimamente ao presidente da província por haver sancionado o respectivo projeto. Vejamos se procedem os fundamentos dessa celeuma.


 
Logotipo do jornal em 1863

Não possuímos, infelizmente, uma estatística bem organizada de sorte que se possa saber com certeza a população existente dentro de uma área qualquer da província, desta ou naquela zona em que se divide. Se a possuíssemos, grande facilidade encontraria a administração na maior parte dos seus atos, e então pensamos que a criação das vilas, ou circunscrição de novos municípios, deveria ser ditada por dados estatísticos certos, da sua população com relação à extensão do território. Ou seja, quando mostrasse que tal ou tal território de um certo número de léguas fosse habitado por uma determinada quantidade de população, possuindo outras condições, como por exemplo, a existência de uma igreja, com certo número de casas alinhadas em torno dela, etc, um tal território fosse erigido em freguesia, em município, comarca, sendo, por disposição da Lei, desmembrado das comarcas, termos ou paróquias a que estivesse incorporado.


Na ausência de dados tão perfeitos, que estamos longe de possuir, a criação de freguesias, municípios e comarcas têm sido mais ou menos arbitrária, porém quase sempre ditada pela grande extensão do território, pela necessidade de a Justiça estar próxima dos cidadãos, hoje distante, além de necessidades especiais de ordem pública. Parece-nos incontestável que estas têm sido as causas motoras de todas as novas circunscrições territoriais nesta província, e cremos que o novo Império. Rogamos ao Cearense, por especial favor, que nos aponte uma só das vilas existentes no Ceará criadas em melhores condições, em vista dos dados referidos, do que a do Trahiry.



 
Matéria de 1863
Se atendemos à extensão do seu território, fica a 30 léguas da capital, e por conseguinte é manifesta a dificuldade dos seus habitantes irem buscar os recursos judiciários de que precisam, distância bem maior para atender o distrito de Mundahú, propriamente dito, cujas extremas ficam talvez a 35 léguas. Atentando à população, o novo termo compõe-se de quatro distritos de juízo de paz e subdelegacia: os de Siupé, Parazinho, Trahiry e Mundahú, todos com terrenos férteis, ao correr da costa, com diferentes portos de pesca, visitados por barcaças, que fazem comércio com os gêneros do País, farinha, peixe, madeiras, etc. Um deles, Mundahú, é ponto de escala dos vapores da companhia maranhense, circunstâncias estas suficientes que cada um atraia maior população.


O contemporâneo do Cearense encarregado, como tem sido, pelo governo da província de fazer a estatística dela acha-se mais habilitado do que nós para fazer a comparação da população de outros termos com a do novamente criado. Supondo que os termos menos populosos são os de Santa Quitéria, Tamboril, S. Anna, Acaracú, Aquiraz e Cascavel, pedimos-lhe que colacione a população de qualquer deles com a do nosso município do Trahiry, e estamos convencidos que se a deste último não exceder a deles todos, ao menos será superior a de um deles.


 Lembramos que era ainda bem pequena a vila do Ipú quando o finado Dr. Moraes Sarmento, então presidente desta província, propôs, como meio de reduzir os crimes, que ali eram perpetrados a necessidade de elevá-la à categoria de comarca, sendo a sua proposta imediatamente adotada. E  posto que no Ipú não tenha havido sempre a permanência de um juiz municipal e de direito, aquele termo tem, contudo, melhorado muito de condições após aquela providência.


 Dê-se ao novo termo do Trahiry um bom juiz municipal e acreditamos que seus habitantes virão abrir-se um horizonte mais fagueiro, quer quanto à administração da justiça, quer quanto ao desenvolvimento de sua estacionada agricultura, como permitem seus férteis terrenos. Sem garantia dos direitos individuais, sem a certeza da ordem do direito – sua cuique tribuere, não podem as indústrias receber o necessário desenvolvimento.


 Nota do Blog:


  1863: O jornal responde ao seu concorrente, “O Cearense”, ligado ao Partido Liberal, sobre a motivação da criação da Vila de Trahiry, no dia 12 de novembro daquele ano, por força da Lei 1068, vila que possuía entre seus distritos Parazinho (Paracuru) e Siupé (São Gonçalo), ainda que por apenas um ano. A pressão do contrário foi violenta.



 
Antônio Martins
Membro da redação do conceituado jornal aliado da monarquia, “A Constituição”, adiante fusão dos jornais "Libertador" e "Estado do Ceará, acreditamos que seja Antônio Martins o responsável pela matéria. Nele, assinava como “De L’Isle” na coluna Folhetim. Filho do trairiense Antônio Dias Martins, coronel, e irmão do poeta Álvaro Martins, destacou-se pelo empenho a serviço da sua terra como vila (município), assim como esteve à frente da campanha pela abolição dos escravos no Ceará e na sua terra, onde de fato ocorreu durante os festejos de Nossa Senhora do Livramento, em 31/12/1883, sendo o orador oficial.



 O autor se antecipa aos fundamentos modernos de criação de municípios, citando densidade demográfica, número de imóveis, templos religiosos como garantias, o que na época não eram necessárias, e sim uma decisão de cunho político, coronelístico. Faz, entretanto, uma defesa apaixonada, em resposta à oposição, no sentido de tornar Trairi município e a partir de então procurar o seu crescimento sócio econômico atrelado à presença da Justiça. Antônio Martins, entretanto, não fez jus sequer a nome de rua na terra onde sua família foi uma das fundadoras.



 
Coluna de Antônio Martins, ou  "De L'Isle", no jornal A Constituição, em julho de 1883

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Trairi - A Despedida do Juiz Dr. Campello

Sessão da Câmara Municipal de Trahiry, 2 de novembro de 1879.


Ilmo Excelentíssimo Senhor Presidente da Província, José Júlio de Albuquerque Barros.


      Deus Guarde a Vossa Exa.


 Tendo esta Câmara, em mais uma sessão, recomendado felicitações ao Dr. Juiz Municipal  deste município, Francisco Cordeiro da Rocha Campello, tem a honra de repassar à V. Exa a cópia da mesma, em que agradece e se despede:


 
Dr. Campello
Ilustríssimo Senhor. Esta Câmara faltaria ao sagrado dever de gratidão se não louvasse a Vossa Senhoria pelos relevantes serviços prestados a este município com inteligência e invejável desenvoltura, não só com juiz íntegro e ilustrado, garantindo a vida e a propriedade do cidadão durante o período de dois anos e meio, numa crise de flagelo, quando, como juiz modelo, recorreu a ações importantíssimas à causa pública, além de, amigo da humanidade, distribuindo remédios e dieta aos infelizes variolosos por sua conta, quando se achavam em completo abandono, e a todos aqueles onde podia chegar a sua mão protetora. Esta Câmara, pois, agradece a Vossa Senhoria os benefícios que tão generosamente tem distribuído, sem distinção de classes, a todos os habitantes do termo da sua jurisdição. Esta Câmara já uma vez congratulou-se com Vossa Senhoria pelo Aviso do Ministério da Justiça de quinze de março de mil, oitocentos e setenta e sete (15/03/1877), no qual se ordenou ao Governo Provincial que o louvasse pelos serviços prestados na causa pública, na prevenção dos crimes, e ainda uma vez esta Câmara experimenta igual sentimento de satisfação, vendo que o Governo Imperial continua a dar o devido apreço aos continuados esforços de Vossa Senhoria, como se vê no Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros de vinte e oito de agosto deste ano, no qual o ilustre ministro destaca ao Excelentíssimo Presidente da Província quão de muito grato ao Governo pelo modo condigno que procedeu o Juiz Municipal de Trahiry no caso do naufrágio da escuna norte-americana Francis G. Purves. Esta Câmara congratulando-se com Vossa Senhoria pelo objeto do aludido Aviso e felicita ao Governo de Sua Majestade, o Imperador, que serve-se com juízes semelhantes esta Câmara, desejando perpetuar a agradável memória do nome de Vossa Senhoria neste Município, passa a denominar a praça onde se acha o edifício da cadeia pública “Praça do Doutor Campello”. Este o testemunho mais público que Vossa Senhoria pode receber pelos sentimentos de gratidão deste povo, a quem soube tão dignamente governar. Esta Câmara acabou de remeter ao Excelentíssimo Presidente da Província cópia deste ofício para ser tomada a devida consideração e ficar arquivado na Secretaria do Governo. Esta Câmara reintera a Vossa Senhoria, Excelentíssimo Senhor Doutor Francisco Cordeiro da Rocha Campello, Muito Digno Juiz Municipal do termo de Trahiry.


Assinam os vereadores:

Sebastião Cordeiro de Azevedo (Presidente)

Manoel Teixeira da Costa

Fortunato Barroso Cordeiro

João Crisóstomo de Andrade

Joaquim Ferreira Pinto de Carvalho

Isaías Francisco Pereira

André Barbosa de Amorim

Está conforme o Secretário da Câmara Municipal:  Francisco Ribeiro da Cunha


 

Nota do Blog:


 1 - Como citado, o período em que o Dr. Campello esteve à frente do judiciário trairiense, 1877-79, durante o império de D. Pedro II, coincidiu com a fase mais dolorosa da história do município, com o advento da peste, a varíola; a grande seca e a fome. Dr. Campello usava dos seus recursos financeiros para ajudar os “infelizes variolosos”.


2 - Naquele ano de 1877, um navio americano, escuna, naufragou na costa trairiense, tendo o Juiz local tomado as medidas cabíveis e sendo parabenizado pela chancelaria brasileira. Nos anos 1970, foram encontrados, no seu litoral, destroços de uma antiga embarcação. Na época, comentou-se sobre sua origem, se seria ou não o navio de D. Maria Furtado de Mendonça. Juntamente com o Prof. Batista Santiago, estamos pesquisando, atrás de registros da época.


3 - A antiga cadeia pública se localizava onde se encontra a antena da central de telecomunicação, ao lado do grupo e da residência dos Granja Ribeiro. Em frente existiu uma pequena praça, que, conforme este registro, chamava-se Dr. Campello. Infelizmente as autoridades apagaram o nome do juiz, não denominando a ele sequer uma rua.

4 - O Dr. Francisco da Rocha Campello, ao deixar Trairi tornou-se Inspetor do Tesouro Imperial, em Fortaleza. Nome conceituado, sempre citado pelos jornais antigos, ficou conhecido por uma atitude aplaudida, ao comprar, por volta de 1878, o oitizeiro que ficava por trás da Igreja do Rosário apenas no intuito de salvaguardar a árvore, no sentido de evitar as ameaças, uma vez que, na época, era comum o corte sem licença de órgãos públicos. Infelizmente o oitizeito foi derrubado por ordens do prefeito Álvaro Weyne, em 1929. Alguns anos após, o historiador Mozart Soriano Aderaldo plantou uma muda da espécie. E lá se encontra, na rua Guilherme Rocha, até hoje.


5 - O Dr. Campello é pai do Dr. Adolfo Campello, que advogado do foro de Baturité.



Escombros da antiga cadeia.  (Acervo de Evaldo Santos)

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Trairi - 1878 A Dor do Flagelo

Comissão de Socorros da Villa de Trahiry, 6 de agosto de 1878

Ilmo Exmo. Sr.



Acusamos a V. Exa o recebimento dos gêneros ultimamente enviados a esta comissão e aproveitamos a oportunidade para pedir de novo a V. Exa para que se digne a ordenar nova remessa de gêneros, bem como de auxílios para distribuir com a pobreza que acha-se completamente só, tornando-se de grande necessidade algum dinheiro para provermos as despesas oriundas das circunstâncias de casos surgidos.

 A falta de uma ambulância tem dado lugar a que alguns indigentes tenham perecidos e por isso nos restou este pedido.


 A agricultura é o único sonho do povo, pois que há dois anos vem acabrunhada pelos horrores da seca, e continuamos debaixo da mais forte pressão e sem um meio de solução, por isso lembramos a V. Exa a necessidade de ser iniciada a tempo a abertura de roçados e este serviço só poderá sustentar-se com o apoio da Comissão. Por não terem recursos, os infelizes lavradores pedem a V. Exa autorização no sentido de permitir tal serviço com o apoio da Comissão, enviando recursos.

 Tornando-se necessárias as ferramentas para o trabalho do fabrico de tijolos, com uso de pedras, cortar-se-ão madeiras no reparo da igreja matriz, cadeia pública e de duas fontes que se tornarão de muita necessidade, pedimos a V. Exa que se digne a ordenar para que seja remetida a esta Comissão 50 enxadas, 10 machados, 10 foices, 10 alavancas e 10 pás de ferro.

 Tendo-se desenvolvido nesta Vila pobres de mau caráter e inchações, resolvemos alugar uma casa para servir de enfermaria para os indigentes. Não havendo camas para os mesmos, pedimos a V. Exa autorização para se mandar fazer acomodações a fim de não ficarem expostos à umidade da Terra, sendo que nesse caso os medicamentos não terão efeitos.

 Até que seja sem efeito a ambulância, a Comissão resolveu contratar o negociante Joaquim Thomaz da Cunha o fornecimento de medicamentos para o tratamento dos indigentes  e a dieta se for necessário para a alimentação dos mesmos. Aqui tudo pedimos a aprovação de V. Exa.

               Deus Guarde a V. Exa.

Ilmo Exmo Dr. José Júlio de Albuquerque Barros. Presidente da Província


 Joaquim Moreira Braga
 Pedro Leopoldo de Araújo Feitosa - vigário
 Raymundo Vieira de Sousa
 Antônio Paes de Barros.





Nota do Blog:


 Entendemos como “pobres de mau caráter” o aspecto de doentes abatidos e não de má índole.

 José Júlio de Albuquerque Barros é o nome praça da Ig. de Coração de Jesus, em Fortaleza. Homenagem ao ex-presidente da Província.

 Joaquim Moreira Braga, filho do coronel Joaquim Moreira de Souza. Foi expulso de casa após bater na amante do pai, e em seguida prosperou financeiramente. O nome "Braga" era apelido do pai, fazendeiro, e assim foi introduzido na família.

 O texto cita Joaquim Thomaz da Cunha (Marinheiro Cunha) como comerciante, o que convenhamos ser possuidor de farmácia.

 Padre Pedro Leopoldo, o segundo vigário de N. Sra. do Livramento, não tardou em Trairi. Tornou-se Monsenhor e visitou a vila adiante.






quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Trairi - 1888 - Balancete do Nada


Em 18 de julho de 1889 a Câmara Municipal de Trairi publicou o Balancete Financeiro de 1888, assinado pelos vereadores:


Antônio de Freitas Gomes
Sebastião Carneiro de Azevedo
João Chagas Thomaz de Andrade
José Moreira Simões Granja
Alexandre Barboza de Amorim


As receitas resumiam em impostos (que incluíam o uso de currais de peixe), licenças e multas, apenas.


As despesas: judiciário, aluguel do imóvel da Câmara e os servidores da Vila, que se restringiam a: fiscal, secretário, porteiro, zelador do Barracão (Mercado) e o zelador do cemitério.


 Interessante que os salários dos vereadores não constam no balanço. Porque não eram remunerados, mas como se revesavam como delegados percebiam da Província. A população, quase toda financeiramente pobre, tratava os fazendeiros como "doutores" ou "coronéis".


 Portanto, nas proximidades do século XX, Trairi continuava estagnado, com a população vivendo da agricultura e pesca de subsistência.