terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Trairi - Viagem de Antônio Bezerra de Menezes - Incluindo Mundaú

"Notas de Viagem (Parte do Norte)" - Typographia Economica - 1889 - Antônio Bezerra de Menezes



Dr. Antônio Bezerra 

Antônio Bezerra de Menezes. Nascido em Quixeramobim, de origem caririense, bisneto de militares, do lado paterno participante da Confederação do Equador, sendo pelo lado materno da família Albuquerque, de Pernambuco. Estudioso em ciências naturais, médico, político, foi poeta e historiador, figura destacada da causa abolicionista no Ceará, e como membro da Sociedade Cearense Libertadora um dos fundadores do jornal Libertador, ao lado de Teles Marrocos e de Antônio Martins, filho de Trairi.



Em 1889, com a ajuda do presidente da Província do Ceará, Caio Prado, publicou suas anotações sobre a sua jornada pelos sertões cearenses entre 1884-85. Sua passagem por Trairi, vindo do Acaraú e Almofala, durante os primeiros meses de 1885, numa escrita digna de poeta, em primeira pessoa, destacamos aqui. Ao final, para maiores esclarecimentos, temos notas a respeito dos relatos:


Mundahú (Mundaú)



Assentado próximo à praia, cerca de 2 km da margem direita do rio, este povoado se esconde em meio a coqueiros. Consta de uma extensa irregularmente edificada, que se prolonga de leste a oeste, aqui mais larga, ali mais estreita, e de outras em começo atravessando esta com direção ao mar.

 Os prédios, à exceção de um ou outro melhor, são de taipa ou de pobre aparência. No fim da rua grande, próximo dos morros que ameaçam em futuro não muito remoto aterrar a população, vê-se uma capelinha dedicada a São João. A pobreza desse templo denuncia o estado de fortuna dos habitantes, em sua maioria pescadores.

 A cadeia pública sobressai entre os demais edifícios do lugar. É pequena, mas bem construída. Fica no meio do povoado, ao lado setentrional da rua principal.

 Tem uma escola para meninos e nota-se que é regularmente frequentada.

 Os coqueiros erguem-se por toda parte, na praia, nos morros, nos quintais, pelo meio das ruas, de sorte que o transeunte é ameaçado a cada passo de ser derrubado por um dos seus frutos.



Mundaú. Segundo o autor, havia tantos coqueiros que temia-se ser derrubado por um fruto. Foto Natasha Mazzacaro


Para o lado poente há lugares baixos, apropriados à lavoura, onde se planta cana e fruteiras.
 Em sequencia de seu magnífico ancoradouro, que é procurado pelos vapores das companhias do Maranhão e de Pernambuco e outros barcos menores, para o fim de carregarem  os algodões da Imperatriz e de pontos adjacentes, e darem descargas das mercadorias importadas para o comércio dessas localidades, o Mundahú apresenta por vezes uma certa animação. Os direitos sobre exportação sobre as mercadorias que entram e saem por esse porto são cobrados por um agente, que, no último ano, arrecadou quantia superior a três contos de reis. Entretanto, apesar dos recursos que lhe vem da pequena lavoura, acredito que tão cedo não passará de arraial de pescadores.

 Dando por terminada a minha comissão por essa localidade, agradeci aos amigos Manoel Joaquim Carneiro, Antônio de Freitas Guimarães, Bernardo Soares de Almeida e Antônio dos Santos Mello, os obséquios com que me haviam mimoseado e pus-me de partida para Trahiry na manhã do dia 17.

Trahiry (Trairi)


 Depois de galgarmos elevados morros que se erguem ameaçadores à leste, viemos sair na costa, por onde continuamos a viagem até cerca de 12 km sempre em rumo leste, e dali pendendo para o sul por sobre os morros sobrepostos uns aos outros, descemos ao vale ao cabo de 3 horas de marcha enfadonha.

A mata pouco difere da dos lugares vizinhos, notando-se, no entanto, que a estrada era matizada de um e outro lado pelas flores da verbenácea manacá (duranta bicolor), que em consequência das primeiras chuvas esplendiam suas cores branca e roxa purpurina, embalsamando o ar com suavidade de seu perfume. De vez em quando deixávamos ver  à direita ou à esquerda uma agradável vivenda, que anunciava sítios de recreio ou de plantações fruteiras.

 Veio ao meu encontro o sr. Raymundo Xavier de Sousa, apreciável cavalheiro, com quem eu havia entretido relações no Mundahú, e que se encarregara de arranjar-me casa na vila. Logo que constou a minha chegada, recebi o cartão do coronel Antônio Barroso de Souza, que me cumprimentava e fazia empenho para me hospedar em sua casa durante os dias que por aqui me demorasse. Agradeci-lhe cordialmente; já estava a meu cômodo.

À tarde, saí a passeio para o fim de conhecer a vila e os subúrbios. Notei que o terreno do lado do sul, desde o lagamar que a circunda a pouca distância, e entra pela nascente, até quase o poente, vai-se elevando pouco e pouco para o norte. Esta depressão, por onde se intromete o mar, apresenta nas marés altas vista agradável pela porção d’água, e não menos pela presença do coqueiral dos sítios do lado oposto dessa espécie de golfo. Por ocasião da retirada das águas, apanha-se no solo, grande quantidade de sal sem que se precise de empregar, como em outros lugares, o processo dos poços.

 A vila contém 161 casas, sendo 134 de telha e 27 de palha distribuídas em diversas ruas em começo, das quais a principal e mais extensa corre de sul ao norte. As ruas são tortuosas e irregularmente traçadas. Ao poente, banhando os quintais das casas e formando magníficos sítios, pela variedade de fruteiras, passa o ribeiro Trahiry na mesma direção da rua principal. Numa pracinha ao sul fica a igreja matriz, templo pequeno erigido a Nossa Senhora do Livramento, que se conserva com o devido asseio. Está situado na légua de terra doada por Maria de Jesus e José.

 Para o lado norte, encontra-se o prédio que serve de cadeia e quartel, o qual precisa ainda de serviços para a sua conclusão. É talvez o melhor da vila.



Notas de Viagem

Observei por todo o sertão, infelizmente, que esses edifícios, por serem do governo, são os mais bem construídos e contêm em toda parte grande número de reclusos, vítimas da ignorância e desprezo dos poderes públicos. Quando a política deixar de ser um fanatismo que transvia as classes mais “iluminadas” da nação, a ponto de só curarem de si e dos seus afeiçoados, para não empregar termo mais descortês, quando se respeitar o direito do povo por medo da guilhotina, então sim as escolas substituirão as prisões, o trabalho honesto a ociosidade, a aspiração natural a prática do crime, o merecimento ao favoritismo. E todos serão felizes e trabalharão em comum pelo engrandecimento  da terra natal com a consciência de haverem cumprido o seu dever.



 Além do ribeiro, rumo de poente, está construído o barracão de peixe muito abundante nesse ramo de negócio, em consequência da aproximação da costa que fornece de instante e instante o alimento preciso da maior parte da população. Uma buzina de contínuo anuncia a chegada de novo carregamento mais fresco, mais apetitoso. Além do que se consome diariamente, exporta o Trahiry porção de peixe para o mercado da capital.

 Como o Acarahú, dispõe também de terrenos apropriados ao plantio de cereais e algodão, e todos os anos saem  do seu município para mais de cinco mil fardos da valiosa malvacea. A cerca da origem dessa localidade, sabe-se que foi seu primeiro o povoador  Desidério da Costa Araújo de Mattos, ignorando-se a época em que por aqui veio morar.

Há na vila duas escolas, uma para o sexo masculino e outra para o feminino. Em Mundahú para o sexo masculino, e Paracuru um para meninos e outra para meninas.

 Cria-se no município porção de gado, e o dízimo produziu no último ano a quantia de 1:728$000 reis.

 O dízimo do pescado importou em 1:521$000 reis.

 A população é calculada em 8 mil almas.

Aos cofres do tesouro provincial fez recolher a coletoria a quantia de 8:466$330 reis, apenas 636$927 reis menos que a estação do Acarahú, que dispõe de muito mais recursos, não se podendo concluir desse confronto  senão que as rendas da província aqui mais zelosamente arrecadadas.



A vila, hoje cidade, e o rio, que resiste às secas. (Acervo Marcelo Barbosa)


Na distância de 18 km à leste da vila acha-se a grade lagoa das Almécegas, formada naturalmente pelas areias dos morros que fecharam-lhe o sangradouro. Até 1860, os moradores da circunvizinhança abriam a barra para o escoamento das águas, mas afinal tiveram que ceder ante a teimosia dos ventos que lhes neutralizavam o trabalho e daí a inundação estendeu seu domínio por largos espaços de terreno, destruindo as habitações das margens e atraindo outras, onde hoje termina a sua circunscrição.

 Há por ali sítios famosos. Nos anos da última seca, serviu o lugar de refúgio de milhares emigrantes que desciam o sertão acossados pela fome, e em consequência a fertilidade e abundância de peixe escaparam a calamidade. Pessoa fidedigna afirmou que viu apanhar-se traíra de tamanho extraordinário, algumas das quais mediam pouco menos de um metro.



Ilustre figura do Estado do Ceará


Se o governo não botasse tanta má vontade a tudo o que pertence a esta província, poderia aproveitando as disposições naturais do local e com pequeno dispêndio. Dotar-nos com um magnífico reservatório que tem prestado e há de prestar grande auxílio a uma parte da população. Apesar do abandono  em que permanecemos, a natureza se compadece de nós, e com pequenos recursos que nos fornece em tempos regulares erguemo-nos sempre, tirando da adversidade incontestável vantagem sobre outras províncias, que se ufanam de ricas e de privilegiadas. Abençoado desprezo esse que dá motivo para alevantarmo-nos contando somente com o próprio esforço!

 Este município foi criado com os limites da freguesia de Parasinho pela Lei 1068, de 12 de novembro de 1863, suprimida pela de 12 de novembro de novembro de 1864, restaurado pela Lei 1235, de 27 de novembro de 1868, tendo por sede Paracuru. A sede do município e freguesia ainda foi transferida para Trahiry com a denominação de Nossa senhora do Livramento pela Lei 1604, de 14 de agosto de 1874, passando a ter a primeira denominação de Trahiry pela Lei 1669, de 19 de agosto de 1875. Desanexado da comarca da capital, passou a pertencer a da Imperatriz  pela Lei 1408, de 9 de agosto de 1875. Seus limites têm sido alterados do modo seguinte: com Pentecoste, Lei 1283 de 29 de setembro de 1869, combinada com a Lei 1542, de 23 de agosto de 1873: com são Francisco, Lei 1641, de 19 de setembro de 1874, alterada pela Lei 2041, de 5 de novembro de 1883.

 O distrito de Mundahú, que a Lei 1771, de 19 de novembro de 1878 anexou à Imperatriz,passou ultimamente a pertencer ao Trahiry pela Lei 2045, de 9 de novembro de 1883.

 Como freguesia, foi criada pela Lei 1020, de 14 de novembro de 1862, cuja sede era a igreja de Nossa senhora dos Remédios do Parasinho,a qual foi transferida para o Trahiry pela Lei 1604 de 14 de agosto de 1874. A Lei que criou a freguesia marcou os limites atualmente regulado com a freguesia de Soure, Lei 1361 de 15 de novembro de 1870,com a do Pentecoste, Lei 1283, de 19 de setembro de 1869; de são Francisco, Lei 1641, de 19 de setembro de 1874; a de Imperatriz, Lei 1020, de 14 de novembro de 1862.

 Tem quatro distrito de paz: o do Trahiry, restaurado pela Lei 253, de 19 de novembro de 1842; o do Parasinho, criado pela Lei 1027, de 21 de dezembro de 1862; o de siupé, restaurado pela Lei 1836 de 17 de setembro de 1879, e o do Mundahú, criado pela Lei 831, de 22 de setembro  de 1857, que lhe traçou os limites: pela Lei 1771, de 17 de novembro de 1878 foi desmembrado do termo do Trahiry e anexado a Soure pela Lei 2045, de 5 de novembro de 1883.

 O Trahiry tem também o seu solo ensanguentado pela brutalidade dos sicários. Foi durante muito tempo covil de assassinos e desertores, que aqui encontravam proteção e amparo. Felizmente mudou-se a face das coisas, e hoje o município acompanha aos outros no desenvolvimento material na proporção das suas forças.


Conflitos e Barbaridades



 Entre muitos fatos, alguns para dar uma cópia da fereza dos antigos habitantes. Pelo ano de 1840, Antônio Thomé travou razões com Francisco Castro Aranha, seu irmão. Intrigou-se com ele e jurou matá-lo. Numa tarde, diversos indivíduos, a mando de Thomé, apresentam-se no lugar Sant’Ana, onde habitava o irmão e o intimidaram que saísse para morrer. Castro resiste o quanto é possível, fazendo esforço para segurar bem as portas. Mas os assassinos deitam fogo na casa e nas chamas acabam todos que se achavam dentro: o próprio Castro, sua senhora e seu filho de nome Sancho, afilhado de Antônio Thomé.

 O português José Ferreira Pinto de Carvalho, habitava coma sua família a fazenda Barreiras, a 30 Km da vila. Em consequência de roubos praticados em bens de sua propriedade, por Pedro Felix de Moura e Carlos Rodrigues da Costa, Ferreira levou-os aos tribunais. Dali por diante, tornaram-se aqueles criminosos seus inimigos figadais e não cessaram de ameaçá-lo de morte, até que na noite de 20 de agosto de 1872, pelas 7 horas, Pedro Felix, auxiliado por três sicários, assaltaram a casa de Ferreira e o assassinaram, bem como a sua senhora, um filho, um neto e o vaqueiro Antunes Paz, que ali compareceu na ocasião. Este lutou como um herói e só caiu aos golpes por achar-se calçados com peneiras e gibão. Mesmo assim feriu gravemente um dos assassinos. Os matadores foram presos e condenados à galé, sendo Pedro remetido para o presídio de Fernando de Noronha, onde se supõe exista nos tempos atuais.

 Liberato Barroso, filho de pai ilustre pela estima pública, revelou desde a infância má índole, a despeito dos esforços empregados para corrigi-lo. Por ferimentos graves na pessoa de um companheiro de viagem ao Arraial, foi levado a júri e absolvido. O prestígio do seu pai fazia pender sempre a sorte a seu favor.

 Um ano depois de casado, achando-se sua esposa, D. Paulina de Pontes Franco em casa do pai na fazenda Alto Alegre, ali se apresentou Liberato, trazendo no semblante a mais afável expressão de contentamento. Seu sogro, que  o conhecia vantajosamente e se arreceiava do seu caráter refalsado, à sua chegada dá ordens aos fâmulos que não se ausentem e emprega-os em serviços ao derredor da casa. Liberato pouco se demora, despedindo-se de todos promete voltar dentro de poucos dias. Uma tarde, D. Paulina, em conversa com as irmãs, diz-lhes que não sabe o que está para suceder-lhe, pois que lhe pressagiava o coração uma grande desgraça. Mal terminava a palavra, ouve-se o ruído das patas de um cavalo: era Liberato que acabara de chegar. Ela o recebe com carícia, e depois de conversarem alguns minutos ele lhe pergunta se está disposta a acompanhá-lo. Obtida a resposta afirmativa, pede-lhe em seguida um pouco de água. Dona Paulina dirige-se ao ângulo da sala e enquanto introduz a caneca na talha, Liberato dá-lhe três punhaladas pelas costas e se retira, limpando o ferro homicida na sola do sapato. A mãe da vítima, que entra na ocasião, exproba o procedimento bárbaro do genro, chamando-o de malvado e é intimada para calar-se sob pena de caber-lhe igual sorte. Afluindo à sala diversas pessoas da família, deixa o marido assassino o lugar do crime com a indiferença de Antônio Gasparoni. Preso afinal e submetido a julgamento foi absolvido unanimemente, sentença esta que ainda hoje cobre de rediento o júri desta localidade.

 A par destes feitos tão tristemente célebres, que a maioria da gente honesta deplora e estigmatiza, há muito de que ufanar-se a nascente vila do Trahiry.


Antônio Dias Martins Jr.



 No movimento abolicionista, por exemplo, que há de trazer a melhor porção de glória para esta província, cabe boa parte a um de seus filhos, que na cruzada civilizadora, apresentou-se cavaleiro armado de tanto patriotismo e abnegação, quanta tenacidade e denodo. Quero falar de Antônio Martins, o moço sertanejo, que teve alma bastante para, cerrando os ouvidos para os reclamos da conveniência negreira, verberar em estrofes incandescentes  o crime dos retardatários, e avançar entre os primeiros o estandarte branco da igualação dos direitos dos homens nas ameias do escravagismo, ávido de ver surgir da elaboração desse esforço titânico da mocidade generosa do começo de uma nova pátria digna dos brasileiros.

 De obscuro empregado do comércio aldeão fez-se tribuno, jornalista e poeta , e secundado do prestígio de seu belo talento colocou-se à frente do movimento reacionário que devia, por enérgica transformar em Terra da Luz a região caluniada pelo ódio dos vencidos. Foi dos dez cognominados libertadeiros que juravam vencer ou cair na luta travada contra inveterados preconceitos, e antes que o desânimo o abatesse em das dificuldades das forças contrárias, viu coroados seus esforços e sacrifícios com mais grata das compensações: a paz na consciência de haver cumprido o seu dever. E todo o plano de progresso, cuja realização possa fazer algum bem para a terra natal, ei-lo pressuroso ao serviço de boa causa, como patriota que é, já concorrendo com o fulgor da sua pena, já com a franqueza de sua bolça.

 Antônio Martins: o intransigente soldado das ideias novas, tem demais um coração magnânimo que o torna ainda simpático por atos de generosidade, e apesar da modéstia em que se esconde, faz parte da plêiade valente que se ilustra nas letras e não escolhe meios para desbravar os tropeços que se antepõem à marcha triunfante dos pioneiros do futuro.

 Quando a pátria reconhecida tiver de refletir aos posteros os feitos mais gloriosos dos seus filhos pela estabilidade de sua legítima grandeza, seu nome avultará entre os mais queridos e mais respeitáveis. Há muito tempo que me habituei a prezá-lo como benemérito e como herói.

Assim comentou Leon Dennis, célebre discípulo de Alan Kardec, sobre  amorte de Bezerra de Menezes, em 11 de abril de 1900:

"Quando tais homens deixam de existir, enluta-se não somente o Brasil, mas os espíritas de todo o mundo".


 Notas do Blog: 


 Raymundo Xavier de Souza: único filho homem do coronel Francisco Xavier de Souza, da época dos primeiros colonizadores. Cuidava das “oficinas” da família em Mundaú. A residência deles na sede se localizava na “ Rua de Baixo”, Furtunato Barroso, vizinho à morada do ex-prefeito Antônio Silva.

 O autor não cita Dona Maria Furtado como doadora das terras de Nossa Senhora do Livramento e sim o seu nome adotivo, “Maria de Jesus e José”, beata.

 Almécegas: lagoa natural, sempre existiu. Como se lê, a movimentação das dunas causa vazantes e inundações.

 A população de “8 mil almas” (1885) chegou a 9 mil em 1875, quando, cinco anos antes, muitos fugiram dos grandes centros do interior, como Quixeramobim e Sobral, para evitar convocação para a Guerra do Paraguai. Milhares de trairienses e de “forasteiros”, que em suas terras buscavam comida diante da fome no sertão, morreram em decorrência de secas e pestes entre 1877-79. Foi fundado um cemitério, com mão de obra retirante, em 1877, no hoje bairro do Pici. No Dicionnario Geographico do Ceará 1908, o autor, Álvaro de Alencar, cita 4937 habitantes no censo de 1890. Apenas na década de 1930 voltou a superar 9 mil habitantes.

 A Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, de Jurandyr Pires Ferreira, que é adotada pelo IBGE, diz na edição de 1959: “Pela primeira vez o município foi criado de acordo com a Lei n° 1068 de 12 de novembro de 1863”.

 Liberato Barroso: Liberato Barroso de Souza na verdade era sobrinho, filho de criação do antigo intendente, coronel Antônio Barroso de Souza, e por curiosidade, o autor hospedou-se na sua residência. Dona Maria Pia conta que no dia do julgamento em fato do assassinato da esposa, sua mãe adotiva, Dona Cazuza, dos Francisco Braga (Itapipoca), ameaçou cortar a cabeça de cada jurado caso o filho fosse condenado. (Não confundir com o político Benjamim Liberato Barroso, da rua de Fortaleza)

Aos dez libertadeiros (abolicionistas), referia-se aos fundadores da Persverança e Povir (1879), por onde partiu a bandeira pela libertação dos escravos: Antônio Martins, João Cordeiro, Justiniano de serpa, Isaac do Amaral, Juvenal Galeno, Rodolfo Teófilo, Francisco José do Nascimento, Frederico Borges, Teles Marrocos e ele, Bezerra de Menezes, que pela modéstia não se citou

 Antônio Martins: Antônio Dias Martins Junior. Filho do coronel Antônio Dias Martins e de Francisca Xavier de Albuquerque, foi um dos mais brilhantes jornalistas cearenses do século XIX, destacando-se pelo trabalho abolicionista no seu jornal Libertador. Irmão, por parte de pai, do poeta Álvaro Martins, um dos fundadores do grêmio literário Padaria Espiritual, e de outros, e membro da Academia Cearense de Letras.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Trairi - A Natureza dos Índios


 
Tremembés (Nicolau de Resende)
No Ceará, como na vastidão dos sertões brasileiros, eles já foram incontáveis, livres, tendo a terra como a essência da vida. Hoje a esperança os faz existir, embora poucos, em torno de 21 mil índios, pelo menos (dos 900 mil do Brasil), divididos em dez etnias: Anacé, Tapeba, Pitaguary, Jenipapo-Kanindé, Kanindé, Kalabaça, Paiacu, Kariri, Tabajara e Potiguara (ou Potiguar), tendo como nações Tupi, Kariri, Tremembé e Tapuia, todas em constante processo de lutas pela sobrevivência, ante a ganância dos brancos pelas suas terras.


 A história de Trairi, no Ceará, associa-se às primeiras experiências da raça branca nas Américas. Ponto estratégico do litoral brasileiro, serviu de base de apoio a muitos navegadores europeus, na atração de matéria prima, como madeiras, pratas e frutas, além de água doce, banhos nas lagoas, para prosseguimento de viagens, ainda que para tal às custas de difíceis negociações com os índios primitivos, os tremembés.

Nação Tremembé


 De etnologia desconhecida, para muitos estudiosos os tremembés não pertencem ao grupo dos tapuias (que não falavam tupi), muito menos tupi,e assim classificamos os tremembés como Nação. De pele escura, teriam chegado à América oriundos da África, em rústicas embarcações, saltando de ilha em ilha há mais de 110 mil anos. Por isso, foram os primeiros nativos a contatar estrangeiros, custando-lhes muitas vidas. Divinos pescadores e flecheiros, habitaram praticamente todo o litoral do Ceará (que na época incluía o Piauí) e parte do Maranhão. Mas, na defesa contra a invasão branca, suas terras foram cedidas a uma etnia que chegara do leste, mais segura e de diálogo conciliatório.

Potiguaras


 Os potiguaras viviam entre os rios Paraíba e o Jaguaribe, célebres defensores do RN. Na época das capitanias hereditárias, no século XVI, houve uma ofensiva portuguesa naquela região que gerou a conquista das terras e consequente expulsão dos primitivos, que resistiam em trabalhar nos engenhos. Muitos, aliás, anteciparam-se e partiram para o Ceará, onde os tabajaras, da PB, aliaram-se aos franceses, que pelas serras procuravam ouro e prata. Os potiguaras se entenderam com os tremembés, fixando-se entre o Jaguaribe e o Mundaú, e em consequência o surgimento de “troncos”, como os anacés e tapebas.

 Do Mundaú ao Pecém, ficaram conhecidos como “pitiguaras”, provavelmente devido à pronúncia dos tremembés referindo-se aos potiguaras (potiguares ou “petegoares”), em seu dialeto, e por sua vez chamavam o rio Trairi por “Corubu”. No século XVIII, aliás, os anacés moravam na beira do rio Mundaú, conforme registros em cartas de sesmarias.

Europeus


 O Tratado de Tordesilhas (1494), que deliberava a partilha de terras entre Espanha e Portugal não foi bem recebido pelos vizinhos, célebres conquistadores, que desconsideraram o mesmo. Antes da chega dos portugueses, outros europeus estiveram na costa cearense. No caso dos holandeses, ou neerlandeses, flamengos, aos quais os lusitanos acusavam de “pirataria", destacaram-se em várias atividades, registrando tudo, em todos os sentidos, da escrita à pinturas. Os mapas da época traziam seus espantos com o tamanho do território cearense, pois o apresentava maior que o atual.


Antigo mapa holandês põe em dúvida a localização do Forte de São Lourenço. Pode ter se localizado em praias trairienses.

 A Holanda vivia a Guerra dos 80 Anos contra a Espanha, enquanto Portugal apoiava a Inglaterra na Guerra Anglo-Espanhola. Isso gerou a supremacia naval neerlandesa (Holanda), que incursionou a costa nordestina.  A partir de 1600, os negociantes Jan Bautista Sijens e Hendrick Hendrickssen Cop,, além do navegador Claes Adriaenssen Cluit, introduziram vários topônimos oriundos das tribos do litoral cearense, podendo-se ver as citações dos índios no nosso litoral, tremembés, os rios e praias, como “Taraira” (Trairi), K. Resenlaer: “Pendahug”, em 1628; Hondius, “Mondahub”, em 1636; Laet, “Mendahug”, e Santa Tereza, “Mundahug”. Em carta, da Bahia, o governador Diogo de Meneses escreveu “Mondahu”, em 1612, o mesmo nome usado em sesmarias nos anos de 1682, 1683, 1694 e 1706. 

Missionários


 Temos registros, de 1607, da passagem dos padres Francisco Pinto e Luiz Figueira por terras trairienses (Barão de Studart, por exemplo, não cita a localidade, mas relaciona a geografia) e da relação harmoniosa entre os religiosos e os “pitiguaras”, entre os rios Curu e Mundaú. Padre Serafim Leite foi enfático ao mencionar índios praianos como acompanhantes dos missionários até a Serra da Ibiapaba naquele ano. Cobra Azul, que provavelmente vivia na foz do rio Trairi, primeiramente, liderou essa marcha, porém, em seguida, chegou o líder Jacaúna. Por certo, fora informado da excursão quando chegara de outras praias e seguira em disparada rumo à serra. Isso prova que Jacaúna, ou Algodão, vulgo Amanaí, fizera parte, em 1603/04, da expedição de Pero Coelho e conhecia o líder tabajara, da Ibiapaba, Jurupariaçu, o Diabo Grande.

Localização do Forte


Ao forte de São Lourenço, que Pero Coelho teria erguido na foz do rio Jaguaribe, também citado como São Lucas, não é dada a confirmação da legitimidade da sua localização, tendo em vista que em seu entorno viveria Jacaúna e seus índios, que preferiram a catequese à ameaça de guerra contra os portugueses. Sabe-se, porém, que o líder indígena vivia entre o Iguape e o Mundaú. Mapas neerlandeses indicam várias situações, inclusive nas proximidades de Trairi.

Brilhantes Artesãos



Cerâmicas encontradas em escavações (Foto João Nilo Nobre)
A respeito da presença dos “pitiguaras” em Trairi, vão além da pesca e agricultura as suas contribuições às sociedades. Moradores das faixas ribeirinhas dos rios, Trairi e Mundaú, os índios tinham notáveis habilidades para as artes. No decorrer dos anos, os habitantes, a maioria oriunda da miscigenação com o índio, num achado arqueológico, têm encontrado artefatos, motivando, da parte do IPHAN, em 2011, uma série de escavações na localidade de Boa Esperança, atual bairro de Trairi. Do trabalho, surgiram do chão preciosidades como cerâmicas e ossos de antepassados. Tal descoberta vem a confirmar as citações dos moradores mais antigos, que os índios eram grandes artesãos.



  As catequeses forçadas pelo branco mudaram a cultura indígena, porém a resistência nunca cedeu. A tradição se mantem, ainda em meio à discriminação. Reflitamos as palavras da estudiosa Maria Amélia Leite, da Missão Tremembé (Almofala, CE): “o grande desafio é uma política indigenista de responsabilidade do Governo Federal. É preciso que a sociedade entenda que os índios não se acabaram, que aquele relatório de assembleia provincial, dizendo que não tinha mais índio em aldeamento, foi usada de forma continuada por parte dos governos, de setores da imprensa e da sociedade”.










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