quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Trairi - A Natureza dos Índios


 
Tremembés (Nicolau de Resende)
No Ceará, como na vastidão dos sertões brasileiros, eles já foram incontáveis, livres, tendo a terra como a essência da vida. Hoje a esperança os faz existir, embora poucos, em torno de 21 mil índios, pelo menos (dos 900 mil do Brasil), divididos em dez etnias: Anacé, Tapeba, Pitaguary, Jenipapo-Kanindé, Kanindé, Kalabaça, Paiacu, Kariri, Tabajara e Potiguara (ou Potiguar), tendo como nações Tupi, Kariri, Tremembé e Tapuia, todas em constante processo de lutas pela sobrevivência, ante a ganância dos brancos pelas suas terras.


 A história de Trairi, no Ceará, associa-se às primeiras experiências da raça branca nas Américas. Ponto estratégico do litoral brasileiro, serviu de base de apoio a muitos navegadores europeus, na atração de matéria prima, como madeiras, pratas e frutas, além de água doce, banhos nas lagoas, para prosseguimento de viagens, ainda que para tal às custas de difíceis negociações com os índios primitivos, os tremembés.

Nação Tremembé


 De etnologia desconhecida, para muitos estudiosos os tremembés não pertencem ao grupo dos tapuias (que não falavam tupi), muito menos tupi,e assim classificamos os tremembés como Nação. De pele escura, teriam chegado à América oriundos da África, em rústicas embarcações, saltando de ilha em ilha há mais de 110 mil anos. Por isso, foram os primeiros nativos a contatar estrangeiros, custando-lhes muitas vidas. Divinos pescadores e flecheiros, habitaram praticamente todo o litoral do Ceará (que na época incluía o Piauí) e parte do Maranhão. Mas, na defesa contra a invasão branca, suas terras foram cedidas a uma etnia que chegara do leste, mais segura e de diálogo conciliatório.

Potiguaras


 Os potiguaras viviam entre os rios Paraíba e o Jaguaribe, célebres defensores do RN. Na época das capitanias hereditárias, no século XVI, houve uma ofensiva portuguesa naquela região que gerou a conquista das terras e consequente expulsão dos primitivos, que resistiam em trabalhar nos engenhos. Muitos, aliás, anteciparam-se e partiram para o Ceará, onde os tabajaras, da PB, aliaram-se aos franceses, que pelas serras procuravam ouro e prata. Os potiguaras se entenderam com os tremembés, fixando-se entre o Jaguaribe e o Mundaú, e em consequência o surgimento de “troncos”, como os anacés e tapebas.

 Do Mundaú ao Pecém, ficaram conhecidos como “pitiguaras”, provavelmente devido à pronúncia dos tremembés referindo-se aos potiguaras (potiguares ou “petegoares”), em seu dialeto, e por sua vez chamavam o rio Trairi por “Corubu”. No século XVIII, aliás, os anacés moravam na beira do rio Mundaú, conforme registros em cartas de sesmarias.

Europeus


 O Tratado de Tordesilhas (1494), que deliberava a partilha de terras entre Espanha e Portugal não foi bem recebido pelos vizinhos, célebres conquistadores, que desconsideraram o mesmo. Antes da chega dos portugueses, outros europeus estiveram na costa cearense. No caso dos holandeses, ou neerlandeses, flamengos, aos quais os lusitanos acusavam de “pirataria", destacaram-se em várias atividades, registrando tudo, em todos os sentidos, da escrita à pinturas. Os mapas da época traziam seus espantos com o tamanho do território cearense, pois o apresentava maior que o atual.


Antigo mapa holandês põe em dúvida a localização do Forte de São Lourenço. Pode ter se localizado em praias trairienses.

 A Holanda vivia a Guerra dos 80 Anos contra a Espanha, enquanto Portugal apoiava a Inglaterra na Guerra Anglo-Espanhola. Isso gerou a supremacia naval neerlandesa (Holanda), que incursionou a costa nordestina.  A partir de 1600, os negociantes Jan Bautista Sijens e Hendrick Hendrickssen Cop,, além do navegador Claes Adriaenssen Cluit, introduziram vários topônimos oriundos das tribos do litoral cearense, podendo-se ver as citações dos índios no nosso litoral, tremembés, os rios e praias, como “Taraira” (Trairi), K. Resenlaer: “Pendahug”, em 1628; Hondius, “Mondahub”, em 1636; Laet, “Mendahug”, e Santa Tereza, “Mundahug”. Em carta, da Bahia, o governador Diogo de Meneses escreveu “Mondahu”, em 1612, o mesmo nome usado em sesmarias nos anos de 1682, 1683, 1694 e 1706. 

Missionários


 Temos registros, de 1607, da passagem dos padres Francisco Pinto e Luiz Figueira por terras trairienses (Barão de Studart, por exemplo, não cita a localidade, mas relaciona a geografia) e da relação harmoniosa entre os religiosos e os “pitiguaras”, entre os rios Curu e Mundaú. Padre Serafim Leite foi enfático ao mencionar índios praianos como acompanhantes dos missionários até a Serra da Ibiapaba naquele ano. Cobra Azul, que provavelmente vivia na foz do rio Trairi, primeiramente, liderou essa marcha, porém, em seguida, chegou o líder Jacaúna. Por certo, fora informado da excursão quando chegara de outras praias e seguira em disparada rumo à serra. Isso prova que Jacaúna, ou Algodão, vulgo Amanaí, fizera parte, em 1603/04, da expedição de Pero Coelho e conhecia o líder tabajara, da Ibiapaba, Jurupariaçu, o Diabo Grande.

Localização do Forte


Ao forte de São Lourenço, que Pero Coelho teria erguido na foz do rio Jaguaribe, também citado como São Lucas, não é dada a confirmação da legitimidade da sua localização, tendo em vista que em seu entorno viveria Jacaúna e seus índios, que preferiram a catequese à ameaça de guerra contra os portugueses. Sabe-se, porém, que o líder indígena vivia entre o Iguape e o Mundaú. Mapas neerlandeses indicam várias situações, inclusive nas proximidades de Trairi.

Brilhantes Artesãos



Cerâmicas encontradas em escavações (Foto João Nilo Nobre)
A respeito da presença dos “pitiguaras” em Trairi, vão além da pesca e agricultura as suas contribuições às sociedades. Moradores das faixas ribeirinhas dos rios, Trairi e Mundaú, os índios tinham notáveis habilidades para as artes. No decorrer dos anos, os habitantes, a maioria oriunda da miscigenação com o índio, num achado arqueológico, têm encontrado artefatos, motivando, da parte do IPHAN, em 2011, uma série de escavações na localidade de Boa Esperança, atual bairro de Trairi. Do trabalho, surgiram do chão preciosidades como cerâmicas e ossos de antepassados. Tal descoberta vem a confirmar as citações dos moradores mais antigos, que os índios eram grandes artesãos.



  As catequeses forçadas pelo branco mudaram a cultura indígena, porém a resistência nunca cedeu. A tradição se mantem, ainda em meio à discriminação. Reflitamos as palavras da estudiosa Maria Amélia Leite, da Missão Tremembé (Almofala, CE): “o grande desafio é uma política indigenista de responsabilidade do Governo Federal. É preciso que a sociedade entenda que os índios não se acabaram, que aquele relatório de assembleia provincial, dizendo que não tinha mais índio em aldeamento, foi usada de forma continuada por parte dos governos, de setores da imprensa e da sociedade”.










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