quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Bibliotecas do Ceará - História de Amor à Leitura - (Por J. Lucas Jr)

Primeiro passo: Liceu do Ceará   


 
Liceu do Ceará (O Estado 1937)
No ano de 1844, o presidente da Província, Fausto de Aguiar, criou, com ordenado de 400 mil réis,  o cargo de inspetor geral da Instrução Pública, que seria hoje equivalente ao secretário da educação, com o intuito de procurar dinamizar o ensino público no interior, uma vez que pouco se progredia e o fato de os inspetores locais, das vilas, não serem remunerados. Restrito à aprendizagem primária, o presidente procurava um meio de estimular a educação com a criação de um grau mais elevado, no caso o secundário, com variadas cadeiras a serem preenchidas via concursos, prendendo os inspetores na atividade de forma assalariada. O responsável seria o primeiro diretor do Liceu do Ceará, que estava sendo criado, aliás um dos seus fundadores, Thomaz Pompeu de Souza Brasil, futuro senador.



 A biblioteca do Senador Pompeu


 
Estudioso e historiador, em 1847 o diretor desenvolveu a ideia de uma biblioteca para o Liceu, em Fortaleza, ainda que o mesmo não possuísse sede própria, 
o que ocorreria somente em 1894, funcionando na sua residência, na Praça dos Voluntários.  Dispondo de 500 mil réis cedidos pela província, pôs adiante a sua luta, surgindo dali o primeiro acervo correspondente. Naquele ano, aliás, o decreto imperial n° 433 obrigava as tipografias a cederem todos os seus impressos às bibliotecas públicas do País, motivando o governo local a colaborar com Pompeu, solicitando do mesmo a relação dos livros essenciais à biblioteca da escola. Mas infelizmente não houve a contribuição necessária da parte do poder público, não passando de uma pequena sala improvisada com parcos livros. 

 Contudo, a capital cearense contava com um espaço não particular para leitura, antecedendo à Biblioteca Pública do Ceará (1867) e ao Instituto do Ceará (1887). Com 1.730 volumes na época da inauguração, a Biblioteca Pública cresceu com todas as dificuldades, mudando de endereços em busca da sobrevivência. Em 1893 estava instalada na rua Sena Madureira, contando com 10.392 obras, das quais 4.930 foram acessadas pelos 3.334 visitantes. Recebia muito pouco financeiramente para se manter, perdendo do governo as contribuições para as assinaturas de revistas e aquisições de livros, dos quais os mais velhos, sem conservação, estragavam-se.



Biblioteca e sala de aula do Liceu (Gazeta de Notícias 1957)


O jogo por trás das contribuições



 Os recursos do executivo para a área cultural, educacional, religiosa e principalmente para a Santa Casa de Misericórdia dificilmente saíam dos impostos dos contribuintes, poucos diante de uma rede de contribuintes restrita a comerciantes e da elite em torno do centro da cidade. Por isso o Estado fazia rígidos contratos com as loterias para delas angariar fundos para a manutenção de órgãos fundamentais. Isso na ordem de sete contos de réis por mês sob pena de multas e fechamento. Portanto, o jogo não apenas mantinha como foi colaborador da criação da Santa Casa, do Asilo dos Alienados e do Colégio da Imaculada Conceição (assim como a sua capela do Pequeno Grande), ajudando o Liceu e a Biblioteca Pública. O dinheiro do Estado, pelo visto, só dava para pagar os salários dos servidores e dos poderes.


Phenix dos Caixeiros



 
Primeira sede da Fênix (Gazeta de Notícias RJ, 1907)
No dia 24 de junho de 1905 foi inaugurada a primeira sede da Fênix Caixeiral, presidida por Joaquim Magalhães e contava com 661 sócios. Tratava-se de uma sociedade criada em 1891 por um grupo de jovens comerciários. Diante de todo o luxo do prédio, localizado na rua Guilherme Rocha com General Sampaio (logradouros com nomes atuais), era a sua biblioteca, com 4.000 volumes, coordenada pelo bibliotecário João Aleixo de Sá, tendo como destaque o periódico do estabelecimento. Mais uma alternativa para consultas do cearense, que praticava fervorosamente a arte da leitura diante das poucas opções culturais. Uma cidade rica em tipografias, com vários jornais, grêmios literários, embora centralizados a uma parte da população, uma minoria que podia pagar pela informação, contrapondo-se à massa desprezada oriunda do interior, fugindo das secas e das pestes.





Salão da Biblioteca do Phenix Caixeiral, segunda sede. (Instituto do Ceará)




 Livrarias e seus cuidados


 
Livraria Edésio, na Pça do Ferreira. (A Noite 1932)
Com a chegada da primeira livraria, Oliveira, do português Joaquim José de Oliveira, e em seguida a de Manoel Antônio da Rocha Junior, no século XIX, a leitura tornou-se cada vez mais um hábito do cearense. Livros e revistas se avolumaram nas residências de intelectuais, professores, educadores, e nas grandes bibliotecas. Carecia, entretanto, de meios modernos de manutenção das obras, mas essa precariedade redundou na perda de muitos volumes, principalmente de antigos jornais. Diante de tantas denúncias e tentativas de investimentos da parte do poder público, previsões de tragédias acabaram se consolidando, como o incêndio de 1987. Na do Estado, Menezes Pimentel, devido às suas péssimas condições físicas, um curto circuito provocou um incêndio que consumiu boa parte da hemeroteca, destruindo os exemplares dos históricos Pedro II, Constituição, Cearense, A Gazeta do Norte, Libertador e A Razão, jornais antigos que fizeram parte do dia a dia do fortalezense.




Livraria O Arlindo (Amoreira). De gravata, o proprietário. (Unitário 1960)



 Bibliófilos:





Livraria Moraes, na rua Major Facundo. (A Noite 1939)
O Ceará contou com grandes bibliófilos, pessoas que guardavam parte dos seus proventos para comprar e admirar livros e revistas: Paulino Nogueira, Barão de Studart, Capistrano de Abreu, Antônio Sales, Djacir Menezes (que deixou mais de 50 mil volumes com a família e parte dela cedida à UECE), Mozart Soriano Aderaldo, Antônio Girão Barroso, Otacílio Colares, Artur Eduardo Benevides, Cruz Filho, Luiz Sucupira, Fran Martins, Eduardo Campos, Abelardo Montenegro, Raimundo Girão, Batista Aragão, Carlos Studart Filho, Pompeu Sobrinho, José Albano, entre vários amantes. E também os das grandes ações. O professor e escritor Moreira Campos, que começou a colecionar por volta de 1930, doou sua coleção para o Curso de Letras da UFC, a sua segunda morada, quando se mudou de uma casa no Benfica para um apartamento. Já na biblioteca de João Carlos Neves, telegrafista, havia  cerca de oitenta livros sobre Padre Cícero, também doados. Adísia Sá, como professora, doou a sua coleção para o Centro de Humanidades da UECE, onde lecionava. E Cid Carvalho conserva a grandiosidade da coleção do pai, Jáder de Carvalho. 


 Graciosidades feitas no Ceará passaram pelas mãos desses ilustres apreciadores: Revista Verdes Mares (do Grêmio Estudantil do Colégio Cearense), Educação Nova (do Governo Estadual), A Ideia (do Liceu do Ceará), Terra da Luz ( do Colégio Castelo Branco), A Jangada Cearense (da Confederação dos Pescadores do Ceará), O Estímulo (do Instituto São Luiz), Revista Contemporânea (de Waldery Uchoa), Folha Estudantil (do Centro Estudantil Cearense), Lar (da Escola Doméstica São Rafael), Via Lactea (do Colégio Santa Cecília), Revista da Academia Cearense de Letras e a requíssima Revista do Instituto do Ceará.


Biblioteca Dolor Barreira



 
Dr. Dolor Barreira. Prof Emérito da UFC
Caso polêmico ocorreu em 1969. A famosa biblioteca do jurista, membro da Academia Cearense de Letras e do Instituto do Ceará, Dolor Barreira, falecido dois anos antes, seria doada, como era desejo do proprietário.  A família acabou entrando em choque com o secretário de Cultura municipal, Raimundo Girão, ex-prefeito de Fortaleza, que insinuou na imprensa que ela estaria fazendo “leilão” com o bem, uma vez haver indicações de que o referido estaria vendido. 


 Localizada na residência do Dr. Barreira, na Rua Major Facundo com a Av. Duque de Caixas, na área correspondente atualmente à agência da Caixa Econômica Federal, tinha como bibliotecária Maria Conceição de Sousa, que cuidava dos seus 40 mil volumes. Caso a prefeitura continuasse duvidando, seria provável um outro destino. Por muito pouco o rico acervo do professor, incluindo as estantes, não foi parar na UNESCO. Felizmente a biblioteca tornou-se municipal em 1971, localizando-se na Av. da Universidade, de onde se mudou para o atual endereço, do outro lado da mesma rua. 



Em 2007, as mesma foi agraciada com a doação de 5 mil volumes do famoso historiador e professor Geraldo Nobre, pela sua família. Das antigas livrarias como Ribeiro, Araújo, Gualter, Aequitas, Imperial, Humberto, Selecta, Hermínio Barroso, Renascença,  Alaor, Moraes, Comercial, surgiram os colecionadores particulares, daqueles que não se importam com o tempo quando se procura um bom livro, um bom livro mais outro livro e assim surge uma nova alternativa de consulta.



Carlyle Martins



 
Carlyle Martins e sua biblioteca (Tribuna do Ceará)
Muitos se trancam, outros liberam as suas prateleiras para os pesquisadores. Sobrinho do poeta Álvaro Martins, um dos fundadores da Padaria Espiritual, Carlyle Martins foi um desses apaixonados por leitura. Na sua eterna residência, na Av do Imperador, já próxima da parada final dos trens, o poeta e membro da Academia Cearense de Letras recebia, desde os idos de 1950, as visitas, orientando-as para a boa conservação das obras. Mostrava boa receptividade, mas também o cuidado com os seus 15 mil volumes de cunho literário, que segundo o próprio não venderia “por dinheiro algum”. Na época, o famoso jurista incentivava nomes que iniciavam nas artes e que lhe atraiam pela riqueza cultural: Eusélio de Oliveira, Sânzio de Azevedo, Horácio Dídimo, Esther Barroso, Henriques de Cêrro Azul. Dos poetas até então falecidos citava Antonio Sales e José de Albano, uma conclusão difícil diante de tantos nomes que abrilhantaram a literatura cearense.



 Tonny Ítalo



 
Biblioteca do Instituto Tonny Ítalo (Lucas Jr)

 Diante de tantas experiências de sucesso, a vontade de ajudar superou as dificuldades diversas. Chegaram à periferia de Fortaleza e à zona rural do Estado do Ceará as bibliotecas comunitárias, que trabalhavam limitadamente Diante disso, a Secult CE criou uma área de apoio a elas, promovendo discussões e ajudando com doações de livros e revistas, contribuindo com o seu fortalecimento. Particularmente, presenciamos o impacto das Bibliotecas Comunitárias e no momento comemoramos o secesso dessa parceria. A biblioteca Rodolpho Theophilo, do Instituto Tonny Ítalo, em Itaitinga, passa por um processo de crescimento a ponto de vê-se necessário sua expansão física. Como seu coordenador, notamos a satisfação das crianças carentes que a visitam, além das atenções dadas pelos adultos e estudantes. Foram duas doações em dois anos da Secretaria de Cultura do Ceará, que junto às de dezenas de colaboradores só têm dado alegrias à comunidade de Taveira, ensejando a esperança e a certeza de que com a educação evitaremos que a violência continue a desmoronar o sonho das famílias e da sociedade, por um mundo de inteligência. Que todas essas bibliotecas citadas sejam o palco de uma reviravolta cultural, a leitura como uma adoração universal, livros pequeninos ou ricos, o importante é que não nos abusemos de ler, de aprender, de nos guiar, livres, para uma vida de encantos.


“Só a educação do povo poderá obstar completamente ao progresso da imoralidade que é a causa primordial dos gravíssimos males que vexam a nossa sociedade”. (Fausto Augusto de Aguiar, Presidente da Província do Ceará, 1844)


Fontes: jornais Pedro II, Cearense e Tribuna do Ceará; Almanaque do Ceará.

















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