sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Praça do Ferreira. Do Sobrado do Pachecão ao Coreto do Godofredo


Largo das Trincheiras



Jardim 7 de Setembro
(Leitura para Todos)
Naquele quadrilátero central da pequena Fortaleza de 1830, os tropeiros, comerciantes montados, oriundos de todas as bandas, Messejana, Arronches, Soure, Aquiraz, arriavam as suas mercadorias, fixando os animais cansados nos frades de pedra, em meio à fedentina da água parada, bichos criados soltos no areal e capinzal misturados, sob as sombras das castanholeiras, oitis, mongubeiras, cajueiros, ponto final da cansativa jornada, o Largo das Trincheiras, onde surgiu a Feira Nova da capital. No sentido diagonal, das Trincheiras à Boa Vista, uma viela de mocambos, casebres pintados a cal, chamada Beco do Cotovelo, que distinguia-se dos vizinhos mais abastados, donos desses arredores: o sobrado do Comendador Antonio Machado, construído por presos, de um lado e na outra ponta o de Francisco José Pacheco de Medeiros, o Pachecão; os sobrados de João Severiano Ribeiro e de Vicente Mendes, encontrando-se nas proximidades a pequena escola do Professor Joaquim Alves de Carvalho e o boteco dos Siqueira.

Pachecão e a Intendência Municipal


 Em 1831 o sobrado do José Pacheco foi adquirido para acomodar o legislativo, ou precisamente a Municipalidade, também com poder administrativo, por 6:593$984, ou seja, mais de seis contos de réis, em quatro prestações, conforme escritura de 24 de janeiro de 1831, em cuja área surgiria a famosa Intendência Municipal, no antigo Alto da Boa Vista (atua rua Floriano Peixoto), e o Abrigo Central. O prédio da Intendência manteve-se erguido até 1941, quando o prefeito Raimundo Alencar Araripe mandou demolir o quarteirão na intenção de construir a sede da prefeitura, que não saiu de uma bela maquete. Atualmente estaria, como fins de localização, à frente do Edifício Sul América.


Sobrado do Comendador Machado à direita (Carioca)
Nessa venda parece não ter se dado muito bem Pachecão, investindo com a renda em terras em Soure (Caucaia) e, segundo testemunhas, interferindo nos negócios particulares dos moradores daquela vila, sobretudo em questões de terras habitadas. Contudo, não teria progredido financeiramente como o seu velho vizinho. Já Machado foi denunciado pela família de Bernardo José Teixeira, seu cunhado, de apoderar-se de suas propriedades, inclusive da única botica da cidade. Resolvido a deixar o Brasil em 1822, indo de jangada para a Paraíba e de lá a vapor para Lisboa, o português não pode presenciar a armação que o irmão da sua digníssima Felliciana aprontara, produzindo documentos falsos de viuvez e de venda de imóveis, arrolando até Pachecão como testemunha de empréstimo junto a Manoel Caetano de Gouveia. Se por um lado a família de Bernardo Teixeira queixava-se da infeliz situação financeira, por outro Machado alugava bens para serviços do governo provincial. E o mais famoso dele, o sobrado, construído pelo coronel Conrado Jacob de Niemeyer em 1825, acabou vendido ao empresário Plácido de Carvalho, que ali construiu o Excelsior Hotel.


A Chegada do Boticário



Bondes animais. (Fon Fon)
Em 1825 chegava ao Ceará Antonio Rodrigues Ferreira, farmacólogo, de Niterói, aos 24 anos, desertor, como o pai, do Exercito Real, de passagem por Recife, onde conseguiu licença para receitar. Liberal convicto, moço, acabou preso após a dissolução da Constituinte, em 1823, aquartelando-se no Palácio do Catete , no Rio de janeiro. Mas acabou libertado por um general amigo. Em Pernambuco conheceu, onde estava hospedado, o negociante Manoel Caetano de Gouveia, que o convidou para ser seu caixeiro em Fortaleza. Começava ali uma reviravolta na vida do boticário e um pedaço da história de Fortaleza. Casado desde 1827 com a aracatiense Francisca Áurea de Macedo, com quem não teve filhos, chamava atenção o seu comportamento humilde, não se apegando a bens materiais. Logo abriu a Farmácia Ferreira, que o povo chamava de Botica do Ferreira (futura Farmácia Galeno), não distinguindo sua clientela por questões sociais, muitas vezes visitando o cliente-paciente em casa. Essa prática incomum, numa sociedade elitizada, fechada com a monarquia, e de ideias e comportamentos europeus, acabou levando-o à vida pública. Após a morte da esposa, em 1842, estreou na Câmara Municipal logo como vice-presidente, uma vez chefe do Partido Conservador, também conhecido como Carcará ou Caranguejo. No ano seguinte seria presidente, o que lhe valeu o cargo de comandante da administração da cidade por doze anos consecutivos, o maior período de mandato de um prefeito de Fortaleza, permanecendo na vida pública até a sua morte, em 29 de abril de 1859.

 Na “sala de visita da cidade”, de imediato demoliu o Beco do Cotovelo, nascendo dali a Praça D. Pedro II, afinal tinha que agradar o monarca e aguardar alguma ajuda financeira vinda pelos vapores do Atlântico. Foi o necessário para ocorrer uma vasta expansão econômica naquela área, com o surgimento de lojas e de belos sobrados. Em menção a Ferreira a chamavam de “Largo do Ferreira” ou “Largo do Boticário”. Até que, em 12 de outubro de 1871, por indicação do vereador João Antônio do Amaral Junior, a Câmara Municipal mudou o nome da Praça Municipal para Praça do Ferreira, em homenagem a Antonio Rodrigues Ferreira. Era a época dos primeiros bondes puxados a burro e mais adiante a cavalos, da firma Ferro-Carril, tendo como ponto central aquele centro de encontros do cearense, na rua da Boa Vista (antiga Alto), onde em 1875 surgiu o primeiro café da cidade, o Café Americano. Esses bondes de burros, que seguiam em linhas de ferro, comportavam até 25 passageiros, e dali partiam a cada  meia hora, com boleeiro e condutor fardados, ao preço de 100 réis.

 Segundo o historiador Paulino Nogueira, “aquele homem feio, um pouco baixo, magro, moreno, narigudo, cabelo quase à escovinha, trajava-se mal, inseparável de uma luneta de ouro, que não tirava do olho direito”. Aquele homem trouxe para a sua mesa o projeto urbanístico de Silva Paulet, em forma de xadrez, engavetado desde a época do Governador Sampaio (1813). Mandou chamar o  pernambucano Adolpho Herbster, engenheiro da província, que revolucionou a cidade com uma planta detalhada, ajustando as ruas nos moldes da modernidade.


 Os Quiosques



Café do Comércio. (Leitura para Todos)
Durante o apogeu vivenciado durante a gestão do Boticário, quiosques de madeira e zinco foram criados nos cantos da praça.  O Java (1884), de Manuel "Côco” Pereira, de madeira, ficava em frente à Intendência Municipal (norte); Completavam o Iracema (sudoeste), restaurante, e o do Comércio (noroeste), este ampliado, em forma de chalé, após o ajardinamento em 1902. Então surgiu o último, em 1891, o Elegante (sudeste), este, assim como o Comércio, construídos pelo negociante pedro Ribeiro Filho, conforme plantas aprovadas pela câmara.. Do lado oposto à Câmara, entre o Iracema e o Café Elegante, um chafariz de ferro fundido, de origem francesa, com quatro torneiras. Ao centro um grande catavento. Oito tanques passaram a fornecer água para os canteiros, um avanço para uma população em volta de tanta miséria oriunda das secas. Aliás, durante a estiagem de 1877 a 1879 construiu-se um cacimbão utilizando pedras vindas de Portugal, utilizadas para fincar os mastros dos veleiros. Exatamente aquele da fonte da atual praça.Com exceção do Java, os cafés possuíam vários sócios, passando por seguidas transferências, inclusive o Elegante chegou a se chamar Café Chique quando propriedade de Arnauld Cavalcante Rocha.

Na praça, por volta de 1896, os clubes elegantes, localizados nas imediações, Clube Cearense e Clube Iracema, disputavam as melhores alegorias durante os carnavais. Evidenciavam-se, assim, as discriminações, como ocorria no Passeio Público: pretos e pobres nas laterais e os ricos no centro, separados por gradis. Tempos após incorporam o “O Banco”, um assento público restrito senhores da sociedade e intelectuais com suas vestimentas em linho branco.


7 de Setembro


Cel. Guilherme Rocha. (O Malho)
Em 1902, já na república, Nogueira Accioly comandava a política cearense e o Partido Conservador ao estilo  oligárquico, indicando como intendente de Fortaleza o coronel Guilherme Rocha, seu antigo aliado e próspero comerciante, enquanto Pedro Borges o governador. Processou-se na cidade o zelo com os bens, embora os mesmos cada vez mais voltados aos ricos. Como a Marquez do Herval (José de Alencar), a Praça dos Mártires foi reformada, tornando-se uma das belas do País, e a Praça do Ferreira passou por uma mudança radical após proposta do vereador Casimiro Montenegro, futuro intendente, de criação de um jardim que homenageasse a Independência da República. E assim, na data histórica brasileira, foi inaugurado o Jardim 7 de Setembro. A Praça do Ferreira, portanto, passou a ser conhecida como Jardim ou Avenida 7 de Setembro, uma vez dividida em quatro. Guilherme Rocha cercou a praça com gradis de ferro e no centro o jardim, em formato de cruz, gradeado com um portão em cada face. Como iluminação, 38 lampiões internamente, enquanto fora 20 combustores auxiliares. O velho logradouro decididamente estava reservado à classe social mais abastada.


Bondes elétricos


 No dia 9 de outubro de 1913 o prefeito Ildefonso Albano, também aliado do Comendador Accioly, deposto após revolta popular no ano anterior, inaugurou o bonde elétrico. O munícipe fez questão de pilotar o primeiro, em meio à curiosidade da multidão que o acompanhou a partir da loja Crisântemo.  Os bondes da Ceará Light & Power permaneceram em atividade até 1945, passando os encargos para o governo e prefeitura, que os extinguiram dois anos depois pressionados pelas empresas de ônibus que cresciam junto com a população.




O Coreto


 Uma nova reforma da praça pôs fim aos quiosques. No dia 24 de maio de 1925 o prefeito Godofredo Maciel, continuando a prioridade dos jardins, inaugurou, na Avenida 7 de setembro,  o coreto, onde a banda da Polícia, a filarmônica, executou “allegros” e dobrados. Em sua volta, os cinemas Polytheama, Majestic, e Moderno; a Casa Albano, o Emydgio, Foto Ribeiro, entre tantos comércios apaixonantes, com o coreto atraindo multidões que testemunharam comícios e discursos célebres como de Maurício Lacerda (pai de Carlos Lacerda), Djacyr Menezes, Rachel de Queiroz, Dr. Morais Correia, Demócrito Rocha e de Perboyre e Silva, eterno presidente da Associação Cearense de Imprensa.  Voltaria a ser chamada de Praça do Ferreira.



1959. Centenário de morte do Boticário. Visita ao túmulo. (Tribuna do Ceará)


Centenário do falecimento. 29 abril 1959. Programação em lembrança pelo falecimento do tenente-coronel Boticário Ferreira, tido como "a maior personalidade do Seculo XIX" (Tribuna do Ceará):


7:30: Missa na Ig. do Rosário, por Dom Almeida Lustosa.
9:00: Visita ao túmulo, Ginásio Municipal. (Cemitério S. João Batista)
12:00: Palestra do prefeito Cordeiro Neto. Pelas emissoras de rádio.
16:00: Sessão solene no Ginásio Municipal. Grêmio Joaquim Nogueira.
19:00: Palestra professora Geraldina Amaral, Waldery Uchoa e Mozart Soriano Aderaldo.
20:00: Retreta na Praça do Ferreira pela banda da Escola Preparatória de Fortaleza.
Obs: no seu testamente deixou os seus bens para o seu pai, caso estivesse vivo. Do contrário, para sua sobrinha.



 Fontes: Jornais Cearense e Unitário. Artigos de Paulino Nogueira, Raymundo Menezes e de Gustavo Barroso.





1925. Com o coreto. (Fon Fon)


 
1922. Como Av. 7 de Setembro. (A Illustração Brazileira)



Sobrado do Comendador Machado. Construção 1825. Demolição: 1927. 



Comendador Machado - Foto Instituto do Ceará

 





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