Território dos Gentios
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(FEC) |
O Fortaleza Esporte
Clube leva o nome da capital cearense e com ele a história da cidade. Ela tem
como origem a presença de índios tapuias, tremembés, misturando-se com os
potiguaras da Paraíba e do Rio Grande do Norte chegados ao Ceará no século XVI.
Chamados gentios, os do litoral foram os mais organizados em forma de coletividade e de
contato aparentemente amistoso com os portugueses.
O ex-soldado Martim
Soares Moreno, nomeado primeiro capitão-mor, fundou, na Barra do Ceará, o Forte
de São Sebastião em 1612, contando com uma ermida, sob evocação de Nossa
Senhora do Amparo, aos cuidados de um padre, solicitação sua ao El-Rei. Seria o fundamento para a colonização pretendida em 1603, frustrada
devido à falta de recursos e um projeto sem continuidade. Contudo, suas ausências,
devido às campanhas no Maranhão, Rio Grande do Norte, Bahia e moradia em
Pernambuco, deixaram o Ceará entregue a um corpo policial praticamente
desprotegido.
Apenas em 1621 Moreno
introduziu a criação de gado vacum, equino e o cultivo da cana de açúcar. Mas a
incompetência do sucessor no comando do forte, Domingos da Veiga Cabral,
seu sobrinho, indispondo-se com os portugueses e com os índios da Barra do
Ceará, puseram freio à tentativa de colonização progressiva.
Fortaleza Holandesa
A colonização criou corpo durante o segundo capítulo da
presença holandesa, ou seja, com Mathias Beck, a partir de 1649. Uma pequena
vila surgiu em volta da fortificação que ele criou, aproveitando as estacas do
antigo São Sebastião, no "Marajaig", atual 10° Região Militar, destacando-se o Riacho
Pajeú ainda com águas puras. A presença flamenga primeiramente se voltou
ao estudo e exploração de minérios. Após a negativa dos achados, introduziu uma administração
organizada de acordo com as regras da capital do Brasil Holandês, Pernambuco, por sinal avançadas.
Protestante e em choque com os judeus, deixou pacificamente o Ceará em 1654,
após a rendição do príncipe Maurício de Nassau frente aos portugueses.
Álvaro de Azevedo
Barreto, capitão-mor, tratou de mudar o nome do forte para Nossa Senhora da
Assunção e avançar no povoamento, mas esqueceu dos índios e com eles teve um péssimo relacionamento. O
Ceará pertencia ao Maranhão desde 1621, passando para a capitania de Pernambuco
em 1656, permanecendo até 1799. Um período de negligência portuguesa e de
estagnação econômica e social. Sua
autonomia a partir daquele ano finalmente permitiu um avanço, ainda que lento,
rumo ao progresso.
Produção e Comércio
A partir daquele
século, com a consolidação da pecuária no solo cearense, a economia local
experimentou a sua primeira etapa de crescimento. As charqueadas, oficinas de
carnes salgadas, enriqueceu muitas famílias nobres, surgindo estradas e portos
marítimos para evacuar as produções. Em seguida a bonança do algodão, o “ouro
branco”, no século XIX, e o surgimento da estrada de ferro ativaram o comércio
nas grandes cidades, partindo Fortaleza para destaque de maior centro
econômico do Estado. Evidenciava-se a riqueza concentrada em comerciantes, uma
sociedade elitizada e influenciada pela cultura francesa, um período de inspiração francesa
conhecido por “Belle Époque”.
Foot-Ball
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(Campo do Passeio Público, 1904 - Instituto do Ceará)
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Dos encontros elegantes no
Passeio Público às diversões. Precisava-se buscar no estrangeiro uma maneira de
ativar o físico e o lazer do fortalezense. Na Europa praticava-se um novo
esporte. E 1903 foi um ano marcante para a história da pequena cidade. Em
evidência, o futebol ainda não chegara para valer em muitos estados
brasileiros, e o Ceará estava nesse rol. Apenas algumas peladas nas praças e
praias da cidade usando bolas improvidas, além de qualidade técnica a desejar.
Um esporte praticado por rapazes que curiosamente aprenderam regras e práticas
nas cidades onde estudavam no velho continente (Inglaterra, França, Áustria e Alemanha) ou no Rio de janeiro, e, com ajuda de alguns ingleses, surgiu o Ceará
Foot-Ball
Club. Indivíduos com um objeto redondo que corria no areal com capim e uma
multidão de curiosos procurando entender o sentido da obstinação por um
objeto redondo.
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Prof. José Silveira (Correio do Ceará) |
No ano seguinte o
primeiro jogo contra ingleses que moravam na cidade: 2x1 para os forasteiros.
Em seguida, entretanto, aportou no antigo porto da Alfândega um navio inglês
com um time que seguia para amistosos no sudeste do País e Argentina, surgindo
um amistoso entre eles e os cearenses. Ocorreu novamente no segundo plano da
Praça dos Mártires (Passeio Público). Um jogo considerado “profissional”, pois,
pela primeira vez, desde a chegada de José Silveira da Europa com bolas duras,
marca Olimpique, e regras do esporte, ocorria uma disputa contra jogadores
qualificados. Campo lotado, marcando presença, também, ingleses residentes em
Fortaleza, trabalhadores de armazéns, estrada de ferro e companhia de gás:
10x2 para os ingleses. Tamanha foi a repercussão que, com o passar dos tempos,
novas bolas foram aparecendo, a prática esportiva uma realidade nas ruas do
Centro e uma recreação nos colégios particulares e no Liceu do Ceará.
Stella e Fortaleza
Segundo José Silveira,
em 1908, após o retorno de estudantes cearenses que estudavam na Europa, foi
fundado o Stella Foot-Ball Club por João da Frota Gentil, futuro diretor geral
do Banco Frota Gentil e fundador do Colégio São João. Possuía o nome da escola
e time em que os cearenses estudavam e jogavam, Stella Matutina, em Feldkirch. Curioso que essa cidade pertence à Áustria, podendo haver um erro histórico quando associamos ao país vizinho. As cores,
branca e vermelha, lembravam as da bandeira suíça ou austríaca. Os demais jovens dirigentes eram:
Adriano Deodato Martins, Bruno Menescal, José Raimundo da Costa, Oscar
Loureiro, Pedro Albano, Paulo Menescal , Ademar Albuquerque e ele, Zé Silveira.
Disputava jogos no Passeio Público e na Praça da Lagoinha.
Assim permaneceu por
anos, quando, em 1912, época em que passou a ser usado o Campo do Prado, no Benfica, destacavam-se o English Teen (cearense fundado em 1908) e o Rio Negro. Contudo, ainda naquele ano surgiriam o Maranguape e o Rio Branco, que originou o Ceará Sporting Club,
o rival do Stella Foot-Ball Club, que fincou as bases da fundação do Fortaleza
Esporte Clube (Sporting na época), sendo um braço de uma equipe amadora da época, o Fortaleza
Foot-Ball Club, fundado por Alcides Santos, cuja existência foi registrada pela
revista carioca O Malho durante um amistoso contra o Almirante Barroso, time de
marinheiros do Rio de Janeiro, em 1914.
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Alcides Santos (Instituto do Ceará) |
A Liga Metropolitana
de Futebol não passava de uma representatividade extraoficial dos clubes que
disputaram torneios a partir de 1913: Rio Branco, Hispéria e Maranguape. Mas em
1914 contaria com uma novidade, o Stella. Consagrava a figura de Alcides Santos,
seu presidente e da Liga naquele ano. Ele comerciante e filho do professor,
intelectual e deputado Agapito dos Santos. Outros abnegados: Pedro Riquet, José
Bruno Menescal, Lucio Bauerfeldt, Walter Barroso, Jaime e Oscar Loureiro. Sua
equipe de estreia contou com José Raimundo da Costa, que não era o jornalista e
ex-presidente do Fortaleza; Ademar Bezerra de Albuquerque, futuro funcionário
do Banco Frota Gentil, documentarista audiovisual, criador da ABA Film; Aleardo
Costa Sousa, Paraense, Adriano Martins, Oscar Loureiro, Paulo Bruno Fiuza
Menescal, Pedro Albano, Diógenes Vasconcelos, Atahualpa Alencar e José Silveira,
o homem da primeira bola. Dois anos depois despareceria o Stella por uma causa nobre, um projeto maior.
Em 18 de
outubro de 1918, Alcides Santos, então com 29 anos, funda o Fortaleza Esporte
Clube e revoluciona o futebol cearense, investindo na infraestrutura e beneficiando
não apenas o seu Clube como o conjunto que fazia o esporte local. Doou o
terreno no Alagadiço (atual Av. Bezerra de Menezes), mais espaçoso do que o do
Passeio Publico, o do Campo do Prado (ao lado do futuro PV) e fundou a
Associação Desportiva Cearense (ADC), o primeiro órgão federativo oficial do
Estado, em 1920. Pela efervescência do glamour francês de então, suas cores
tricolores são alusivas à bandeira daquele país. Os dirigentes eram os mesmos do Stella mais
Clóvis Gaspar, Jayme Albuquerque, Clóvis Moura e Walter Olsen, de família dinamarquesa
estabelecida na cidade. O futuro do Clube o Brasil é testemunha. Só emoção e
orgulho para a sua apaixonada torcida.
José Silveira, o
introdutor do futebol cearense e jogador do Stella.
Filho de José Maria Silveira e de Glória Maria Carneiro Silveira, portugueses, José Silveira nasceu em Fortaleza em 29 de setembro de 1882. Partiu
para a Europa em 1898, aos 16 anos, para estudar no Instituto Internacional Dr.
Schmidit, na Suíça, estando ao lado de colegas de diversas nacionalidades. Com
o futebol local em evidência, jogou como center-half (volante) pelo Rosemberg
FC, pertencente à instituição, que seria a segunda maior força do País,
superada pelo Grasshopper (Gafanhoto).
De volta à terra alencarina, municiado de
bolas e com o livro de regras, constatando que os conterrâneos não sabiam
praticar o esporte, procurou um inglês, sócio da firma Leite Barbosa,
marinheiros e engenheiros ingleses para um racha contra os cearenses, que
contavam com o próprio, Zé, mais Prisco Cruz, Julio Sá, Marcondes Ferraz, J.
Queiroz, J. Henrique e quem se dispusesse a encarar o sol e a nova modalidade esportiva. Isso no segundo piso do Passeio Público, em frente ao Gasômetro,
que ficava na descida da Santa Casa de Misericórdia, sentido praia. 2x1
para os ingleses.
José Silveira concluiu estudos em Fortaleza em 1909, na
Faculdade de Direito. Professor de Línguas do Liceu do Ceará e da Escola
Normal, lecionou por cinquenta anos. Falava inglês, francês, espanhol, alemão e
italiano. Disse para o Correio do Ceará em 1963: “Dediquei a minha vida ao
nobre ofício de ensinar, mas faço questão de frisar: nunca pedi emprego ou
posição para mim. Devido a esse retraimento sempre fui um esquecido”.
Foi prefeito de Trairi CE e deputado estadual.
Fontes: História do Campeonato Cearense de Futebol (Nirez), Jornal
Correio do Ceará (1963) e Jornal A República (1903).