quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Fortaleza E.C. 100 Anos. A Origem do Clube da Belle Époque


Território dos Gentios


 

(FEC)
  O Fortaleza Esporte Clube leva o nome da capital cearense e com ele a história da cidade. Ela tem como origem a presença de índios tapuias, tremembés, misturando-se com os potiguaras da Paraíba e do Rio Grande do Norte chegados ao Ceará no século XVI. Chamados gentios, os do litoral foram os mais organizados em forma de coletividade e de contato aparentemente amistoso com os portugueses.

 O ex-soldado Martim Soares Moreno, nomeado primeiro capitão-mor, fundou, na Barra do Ceará, o Forte de São Sebastião em 1612, contando com uma ermida, sob evocação de Nossa Senhora do Amparo, aos cuidados de um padre, solicitação sua ao El-Rei. Seria o fundamento para a colonização pretendida em 1603, frustrada devido à falta de recursos e um projeto sem continuidade. Contudo, suas ausências, devido às campanhas no Maranhão, Rio Grande do Norte, Bahia e moradia em Pernambuco, deixaram o Ceará entregue a um corpo policial praticamente desprotegido.

 Apenas em 1621 Moreno introduziu a criação de gado vacum, equino e o cultivo da cana de açúcar. Mas a incompetência do sucessor no comando do forte, Domingos da Veiga Cabral, seu sobrinho, indispondo-se com os portugueses e com os índios da Barra do Ceará, puseram freio à tentativa de colonização progressiva.


Fortaleza Holandesa


A colonização criou corpo durante o segundo capítulo da presença holandesa, ou seja, com Mathias Beck, a partir de 1649. Uma pequena vila surgiu em volta da fortificação que ele criou, aproveitando as estacas do antigo São Sebastião, no "Marajaig", atual 10° Região Militar, destacando-se o Riacho Pajeú ainda com águas puras. A presença flamenga primeiramente se voltou ao estudo e exploração de minérios. Após a negativa dos achados, introduziu uma administração organizada de acordo com as regras da capital do Brasil Holandês, Pernambuco, por sinal avançadas. Protestante e em choque com os judeus, deixou pacificamente o Ceará em 1654, após a rendição do príncipe Maurício de Nassau frente aos portugueses.

 Álvaro de Azevedo Barreto, capitão-mor, tratou de mudar o nome do forte para Nossa Senhora da Assunção e avançar no povoamento, mas esqueceu dos índios e com eles teve um péssimo relacionamento. O Ceará pertencia ao Maranhão desde 1621, passando para a capitania de Pernambuco em 1656, permanecendo até 1799. Um período de negligência portuguesa e de estagnação econômica e social.  Sua autonomia a partir daquele ano finalmente permitiu um avanço, ainda que lento, rumo ao progresso.


Produção e Comércio


 A partir daquele século, com a consolidação da pecuária no solo cearense, a economia local experimentou a sua primeira etapa de crescimento. As charqueadas, oficinas de carnes salgadas, enriqueceu muitas famílias nobres, surgindo estradas e portos marítimos para evacuar as produções. Em seguida a bonança do algodão, o “ouro branco”, no século XIX, e o surgimento da estrada de ferro ativaram o comércio nas grandes cidades, partindo Fortaleza para destaque de maior centro econômico do Estado. Evidenciava-se a riqueza concentrada em comerciantes, uma sociedade elitizada e influenciada pela cultura francesa, um período de inspiração francesa conhecido por “Belle Époque”. 


Foot-Ball



 
(Campo do Passeio Público, 1904 - Instituto do Ceará)


  Dos encontros elegantes no Passeio Público às diversões. Precisava-se buscar no estrangeiro uma maneira de ativar o físico e o lazer do fortalezense. Na Europa praticava-se um novo esporte. E 1903 foi um ano marcante para a história da pequena cidade. Em evidência, o futebol ainda não chegara para valer em muitos estados brasileiros, e o Ceará estava nesse rol. Apenas algumas peladas nas praças e praias da cidade usando bolas improvidas, além de qualidade técnica a desejar. Um esporte praticado por rapazes que curiosamente aprenderam regras e práticas nas cidades onde estudavam no velho continente (Inglaterra, França, Áustria e Alemanha) ou no Rio de janeiro, e, com ajuda de alguns ingleses, surgiu o Ceará Foot-Ball Club. Indivíduos com um objeto redondo que corria no areal com capim e uma multidão de curiosos procurando entender o sentido da obstinação por um objeto redondo.

 
Prof. José Silveira (Correio do Ceará)
No ano seguinte o primeiro jogo contra ingleses que moravam na cidade: 2x1 para os forasteiros. Em seguida, entretanto, aportou no antigo porto da Alfândega um navio inglês com um time que seguia para amistosos no sudeste do País e Argentina, surgindo um amistoso entre eles e os cearenses. Ocorreu novamente no segundo plano da Praça dos Mártires (Passeio Público). Um jogo considerado “profissional”, pois, pela primeira vez, desde a chegada de José Silveira da Europa com bolas duras, marca Olimpique, e regras do esporte, ocorria uma disputa contra jogadores qualificados. Campo lotado, marcando presença, também, ingleses residentes em Fortaleza, trabalhadores de armazéns, estrada de ferro e companhia de gás: 10x2 para os ingleses. Tamanha foi a repercussão que, com o passar dos tempos, novas bolas foram aparecendo, a prática esportiva uma realidade nas ruas do Centro e uma recreação nos colégios particulares e no Liceu do Ceará.


 Stella e Fortaleza


 Segundo José Silveira, em 1908, após o retorno de estudantes cearenses que estudavam na Europa, foi fundado o Stella Foot-Ball Club por João da Frota Gentil, futuro diretor geral do Banco Frota Gentil e fundador do Colégio São João. Possuía o nome da escola e time em que os cearenses estudavam e jogavam, Stella Matutina, em Feldkirch. Curioso que essa cidade pertence à Áustria, podendo haver um erro histórico quando associamos ao país vizinho. As cores, branca e vermelha, lembravam as da bandeira suíça ou austríaca. Os demais jovens dirigentes eram: Adriano Deodato Martins, Bruno Menescal, José Raimundo da Costa, Oscar Loureiro, Pedro Albano, Paulo Menescal , Ademar Albuquerque e ele, Zé Silveira. Disputava jogos no Passeio Público e na Praça da Lagoinha.

 Assim permaneceu por anos, quando, em 1912,  época em que passou a ser usado o Campo do Prado, no Benfica, destacavam-se o English Teen (cearense fundado em 1908) e o Rio Negro. Contudo,  ainda naquele ano surgiriam o Maranguape e o Rio Branco, que originou o Ceará Sporting Club, o rival do Stella Foot-Ball Club, que fincou as bases da fundação do Fortaleza Esporte Clube (Sporting na época), sendo um braço de uma equipe amadora da época, o Fortaleza Foot-Ball Club, fundado por Alcides Santos, cuja existência foi registrada pela revista carioca O Malho durante um amistoso contra o Almirante Barroso, time de marinheiros do Rio de Janeiro, em 1914. 

 
Alcides Santos (Instituto do Ceará)
A Liga Metropolitana de Futebol não passava de uma representatividade extraoficial dos clubes que disputaram torneios a partir de 1913: Rio Branco, Hispéria e Maranguape. Mas em 1914 contaria com uma novidade, o Stella. Consagrava a figura de Alcides Santos, seu presidente e da Liga naquele ano. Ele comerciante e filho do professor, intelectual e deputado Agapito dos Santos. Outros abnegados: Pedro Riquet, José Bruno Menescal, Lucio Bauerfeldt, Walter Barroso, Jaime e Oscar Loureiro. Sua equipe de estreia contou com José Raimundo da Costa, que não era o jornalista e ex-presidente do Fortaleza; Ademar Bezerra de Albuquerque, futuro funcionário do Banco Frota Gentil, documentarista audiovisual, criador da ABA Film; Aleardo Costa Sousa, Paraense, Adriano Martins, Oscar Loureiro, Paulo Bruno Fiuza Menescal, Pedro Albano, Diógenes Vasconcelos, Atahualpa Alencar e José Silveira, o homem da primeira bola. Dois anos depois despareceria o Stella por uma causa nobre, um projeto maior.

 Em 18 de outubro de 1918, Alcides Santos, então com 29 anos, funda o Fortaleza Esporte Clube e revoluciona o futebol cearense, investindo na infraestrutura e beneficiando não apenas o seu Clube como o conjunto que fazia o esporte local. Doou o terreno no Alagadiço (atual Av. Bezerra de Menezes), mais espaçoso do que o do Passeio Publico, o do Campo do Prado (ao lado do futuro PV) e fundou a Associação Desportiva Cearense (ADC), o primeiro órgão federativo oficial do Estado, em 1920. Pela efervescência do glamour francês de então, suas cores tricolores são alusivas à bandeira daquele país.  Os dirigentes eram os mesmos do Stella mais Clóvis Gaspar, Jayme Albuquerque, Clóvis Moura e Walter Olsen, de família dinamarquesa estabelecida na cidade. O futuro do Clube o Brasil é testemunha. Só emoção e orgulho para a sua apaixonada torcida.




 José Silveira, o introdutor do futebol cearense e jogador do Stella.



 Filho de José Maria Silveira e de Glória Maria Carneiro Silveira, portugueses, José Silveira nasceu em Fortaleza em 29 de setembro de 1882. Partiu para a Europa em 1898, aos 16 anos, para estudar no Instituto Internacional Dr. Schmidit, na Suíça, estando ao lado de colegas de diversas nacionalidades. Com o futebol local em evidência, jogou como center-half (volante) pelo Rosemberg FC, pertencente à instituição, que seria a segunda maior força do País, superada pelo Grasshopper (Gafanhoto). 

De volta à terra alencarina, municiado de bolas e com o livro de regras, constatando que os conterrâneos não sabiam praticar o esporte, procurou um inglês, sócio da firma Leite Barbosa, marinheiros e engenheiros ingleses para um racha contra os cearenses, que contavam com o próprio, Zé, mais Prisco Cruz, Julio Sá, Marcondes Ferraz, J. Queiroz, J. Henrique e quem se dispusesse a encarar o sol e a nova modalidade esportiva. Isso no segundo piso do Passeio Público, em frente ao Gasômetro, que ficava na descida da Santa Casa de Misericórdia, sentido praia.  2x1 para os ingleses. 

José Silveira concluiu estudos em Fortaleza em 1909, na Faculdade de Direito. Professor de Línguas do Liceu do Ceará e da Escola Normal, lecionou por cinquenta anos. Falava inglês, francês, espanhol, alemão e italiano. Disse para o Correio do Ceará em 1963: “Dediquei a minha vida ao nobre ofício de ensinar, mas faço questão de frisar: nunca pedi emprego ou posição para mim. Devido a esse retraimento sempre fui um esquecido”.

 Foi prefeito de Trairi CE e deputado estadual.




Fontes: História do Campeonato Cearense de Futebol (Nirez), Jornal Correio do Ceará (1963) e Jornal A República (1903).





2 comentários:

  1. Fortaleza é amor em história e alegria 💜

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  2. Ola! Eu sou argentino é amante da historia do futebol brasileiro. E possivel conhecer mais da fundacao do Fortaleza Esporte Clube? a que horas do dia foi a reuniao? Existe um documento o ata de fundacao? Houve um discurso, evento social, jantar ou apresentacao do clube na sociedade? Obrigado!

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