domingo, 31 de julho de 2016

Forte de São Sebastião - Fortaleza de Índios e Brancos



São Sebastião - Gravura de Frans Post
Sabemos que após o fracasso da primeira expedição portuguesa em solo cearense, tendo a mesma chegada ao rio Parnaíba em meio a ameaça de motim dos soldados maltrapilhos, o capitão-mor Pero Coelho fixou-se na Barra do Ceará, dando a ela o nome de Nova Lusitânia. Ao pequeno arraial, onde construiu, na sua margem direita, o forte de São Tiago, em 25 de julho de 1604, chamou de Nova Lisboa. Pero Coelho partiu para a Paraíba em busca da família, em 1605, deixando-o aos cuidados do cabo Simão Nunes, com 45 soldados, prometendo-os envios de mantimentos. Retornou de barco no ano seguinte com a mulher e os cinco filhos. A ajuda prometida e que conseguira junto ao governador geral  não havia chegado, tendo um antigo aliado, João Soromenho, morrido na cadeia pelo desvio do material.

 “Foi forçoso despovoar-se aquele sítio donde já era feita uma cidade”. “Efêmera e sem brilho havia de ser a vida desse reduto, testemunho mudo dos sofrimentos e das misérias”, comentou o capitão.  Simão Nunes, diante da miséria e revolta dos índios locais, o convenceu a seguir para a foz do Jaguaribe e construir ali um fortim onde pisara durante a chegada ao Ceará. Pero Coelho de fato construiu o forte de São Lourenço naquele braço do mar. Mas devido à seca, o cabo e seus companheiros o abandonaram, porém informaram ao padre Manuel Correia Soares (RN) que Pero e família vinham atrás. Por sorte viveram e foram levados pelo religioso para Natal e depois Paraíba, após sofrida peregrinação pelo sertão seco, fato que ceifou a vida do filho mais velho. Sem ressarcimento, morreu pobre em Lisboa.

 Diante da frustração da ausência de ouro e prata no Ceará, a conquista do Maranhão, sob domínio francês, era uma obstinação do rei Felipe III. Oito anos após o fracasso de Pero Coelho, Sua Majestade incumbiu ao tenente Martim Soares Moreno, da excursão do outro, a tarefa de retornar à Barra do Ceará e erguer um novo fortim, para em seguida seguir para o Norte.

Frans Post descreve cenário irreal sobre o forte. (1645)

 Assim relatou no “Relação do Ceará” (1618), o primeiro livro sobre as terras alencarinas: “E estando eu como tenente do capitão-mor Lourenço Peixoto servindo na fortaleza do Rio Grande do Norte, fui fazer novas amizades com os moradores daquela costa até o Seará, o que fiz pela amizade que me tinham, me arrisquei só com dois homens a meter com eles, donde os incitei um deles fosse comigo para a Bahia pedir ao Governador Diogo de Menezes para que se fizesse cristãos e que eu iria assistir com eles, o que fizeram e foi um filho do Principal Jacaúna a Bahia a fazer este peditório, o que logo dito o governador ordenou e me mandou negociado de todas as cousas necessárias, encarregou que me comerciasse por terra com os naturais do Maranhão para de fazer aquela conquista, dando de tudo parte ao Conselho da Índia e sendo no ano de 1611 cheguei ao Seará com seis homens em minha companhia e um Clérigo, onde fui muito bem atendido, logo há poucos dias fiz igreja, e com retábulos que levei se disse missa e se fizeram muitos índios cristãos”.

 “Ali, no dito ano, degolei mais de duzentos franceses e flamengos piratas e lhe tomei três embarcações, donde uma delas veio a Sua Majestade e a esta Cidade toda a proa e proa douradas e para fazer estes assaltos me despia nu e me raspava a barba, tingindo de negro com arco e flechas, ajudando-me dos índios, falando-lhes de contínuo a língua e perguntando-lhes o que já sabiam bem fazer. No dito ano, fiz pazes com três castas tapuias ali vizinhos e por meio deles tive novas do Maranhão e foram índios dele a falar comigo donde me deram notícias das boas terras que havia naquelas partes, e gastando muito da minha fazenda para fazer estas pazes”.

B. do CE (O Povo, jan 78 - Acervo Lucas)

 A partir de 20 de janeiro de 1612, Martim e seus amigos potiguaras iniciaram a construção do forte no mesmo local do São Thiago e São Lourenço, este erguido de maneira mais simplória pelo padre jesuíta Luís Figueira, em 1608, que vinha de frustrada incursão na Ibiapaba, um novo fiasco para se chegar ao Maranhão por terra. Levantado sob estacas e madeiras, possuía  guaritas e casas de soldado no seu interior, além de uma ermida onde se realizaram missas pelo padre Baltasar João Corrêa . A capela recebeu a invocação de Nossa Sra. do Amparo, mas o orago, ou padroeiro, foi São Sebastião, santo do dia em que se começou a obra. Em 1920, como segundo capitão-mor do Ceará,  Martim Soares Moreno pediu ao rei uma “imagem de São Sebastião, uma vestimenta frontal, capa de asperges, um cálice e um retábulo de N. Senhora”, prontamente atendido.

 O Forte de São Sebastião, entretanto, para os estudiosos cearenses era modesto. Na opinião do jornalista, teatrólogo e pesquisador Eduardo Campos (ou Manuelito Eduardo), renomado diretor dos Diários Associados, presidente do Instituto do Ceará e da Associação Cearense de Letras, o “forte teria sido de pouca expressão como construção defensiva, não contando, na sua parte mais comprida, com mais de vinte metros. Dizem que assumia forma de retângulo, não deveria ter mais de 14 ou 16 metros de largura. Era um fortim pequeno, mas não tão expressivo como se tem julgado. Preliminarmente, cabem no interior pelo menos 24 ermidas. Admitindo que uma deva ter 5x3 m3, o forte teria 360 m3. Pelo desenho, tem-se a impressão que é feita de pedra e argamassa, estaria representada por duas paredes paralelas, tb desproporcionadas no desenho. Ao redor, fazendo a cercadura, com entrada e saída para a ermida, ter-se-ia a paliçada tradicional, de no máximo 400 m3” (Unitário, 30 de abril de 1974).

 Em julho de 1613, decisão do Conselho Ultramarino destinou Martim Soares Moreno a acompanhar Jerônimo de Albuquerque na expedição contra os franceses, deixando o comando do São Sebastião com Estevão de Campos, logo substituído por Manuel de Brito Freire, continuando firme com o trabalho de evangelização o Padre Baltasar. Foram num pequeno barco, levando os mesmos índios que haviam ido com ele à Bahia dois anos antes, Jacaúna e seu filho. Tornou-se herói da conquista do Maranhão.

 Após idas e vindas a Pernambuco e Lisboa, retornou em 23 de setembro de 1621, como capitão-mor, encontrando o forte reduzido a uma estacada de varas e cabanas de palha, onde não cabia sequer as pólvoras. Pelo menos não perdera a confiança dos índios, agora com novos aliados, os tapuias jaguaribaras, na guarda da frágil fortaleza ao lado de Jacaúna.


Os holandeses levaram cerca de 3400 telhas do S. Sebastião
para o Schoonemborch em 1649.
 Nova ausência de Martim Soares Moreno e, após ida de índios a Olinda para forçar união contra os portugueses, eis que, em 1637, os holandeses liderados por George Gartsman tomam o forte sem dificuldade, tendo os 33 portugueses aprisionados levados para o Rio Grande do Norte. Sem intenção de colonizar, mas de explorar as serras em busca de prata, os flamengos acabaram surpreendidos, em 1644, pelo ataque de índios que os trucidaram, matando todos os invasores. Pelo estilo da ação, é provável que os autores do atentado tenha sido os temidos paiacus.

Os holandeses novamente se apoderaram das terras cearenses, a partir de 1649, comandado por Matias Beck, construindo de imediato um forte na embocadura do riacho Pajeú, onde atualmente se encontra a Fortaleza de NS da Assunção, ao lado do Quartel General da 10° Região Militar. O Schoonemborch foi construído entre abril e maio de 1649, por 40 homens, incluindo negros levados de Pernambuco por Matias Beck. Durante esse período, conseguiu-se, com muito sacrifício, barro numa grande lagoa, a meia légua, ou 2,2 km, presumindo-se que se tratasse da Lagoa do Urubu, até os dias atuais existente no bairro Álvaro Weyne, a mesma em que os índios da Barra do Ceará se abasteciam diante da má qualidade do líquido do rio onde habitavam e onde Martim Soares teria se alojado.

Segundo o seu diário, a partir de 21 de abril daquele ano, Matias mandou buscar no forte arruinado, telhas e outros materiais. Pelo formato das cobertas da época, o que se retirou representaria o tamanho da figura vista no centro da gravura do holandês Frans Post (1645): 3400 telhas. Contudo, ruínas encontradas durante a ampliação do Clube de Regatas, em 1974, seriam dos paredões, com 15 ou 16 m de comprimento, que, edificados paralelamente, serviam de defesa e ataque que viessem da praia. A propósito, o desenho de Post não condiz com a legitimidade do forte, quadrada, sem flancos especiais, tendo duas torres nos dois ângulos, de pedras soltas sobrepostas sem cal, de altura de homem de homem e meio ou dois homens. (3,4 metros), tendo sido ampliada a área, aproximado o prédio do rio e incluído imagens fantasiosas de gado, na época inexistente no Ceará.

 Disse o historiador e ex-secretário de Cultura e Urbanismo, Raimundo Girão, em 1984, que “os holandeses o melhoraram sensivelmente, garantindo com paliçadas e outras instalações, certo de que conservariam a bandeira de sua pátria, planejando duradouramente aos ventos soprados do verde mar bravio”. “A segunda investida recuperou aquela foz de desencantos, não sem um detido exame para um novo aproveitamento. Dadas as condições topográficas, eram impróprias as entradas e saídas de navios num rio soterrado. Sob enfoque turístico-histórico da Barra do Ceará, sua história pode ser dividida em duas fases: a do povoamento a partir de 1612, com a fundação de Fortaleza, e na fase mais moderna de 1927 até os dias atuais”. Com a queda de Maurício de Nassau em Pernambuco, fragilizado ainda pelas consequências da seca de 1651-54, Matias Beck deixou pacificamente, com a família, o Brasil, dirigindo-se para São Domingos, nas Antilhas. O novo capitão-mor português, Álvaro de Azevedo Barreto,  assumiu o forte de Schoonemboch, e com algumas mudanças o denominou de Nossa Senhora da Assunção.

 Subordinado ao Maranhão desde 1621, em 1656 o Ceará passou para o domínio pernambucano. Sua a autonomia, porém, só chegou muito tempo depois, em 1799, quando enfim, independente, experimentou os progressos, embora lentamente, em todos os níveis sociais e econômicos.

Correio do CE maio 74
(Acervo Lucas)
O jornal Correio do Ceará de  15 de maio de 1974 trouxe matéria de Lêda Maria, que escrevia uma série sobre o achado daquele ano. Presentes ao local, o prefeito Vicente Fialho, historiadores, geólogos, professores, alunos e imprensa. Crianças escoteiras foram flagradas segurando balas de canhão, no que nos sugere serem oriundas de ataques pelo mar e que os portugueses e os índios as enterraram como segurança. O ex-secretário Raimundo Girão se disse convicto que se tratava do local do forte e esperava “um trabalho zeloso dos operários e não por meio de tratores”. Em 1961, projeto-de-lei do deputado Plácido Castelo, conseguiu verbas para escavações na Barra do Ceará, aos cuidados do historiador Ismael Pordeus, em busca de resquícios do forte, sem sucesso. Em 1974, porém, acreditava-se que as conclusões tornaria o local ponto turístico. Para o então secretário de Cultura, Ernando Uchôa, as análises, a partir de então, seriam relevantes para a cidade, e prometeu providências para “resguardar o ponto histórico naquele Ano da Cultura", prosseguindo pesquisas para desvendar “todo o material da grande fortaleza”. Infelizmente nada foi cumprido.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Onde posso clicar, pra compartilhar?

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  3. Olá, gostaria de poder entrar em contato consigo. Trata-se dos 400 anos da nomeação de Martim Soares Moreno como Capitão Mor do Ceará. Tenho interesse em conhecer mais fatos sobre o Forte São Sebastião.

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