São Sebastião - Gravura de Frans Post |
Sabemos que após o
fracasso da primeira expedição portuguesa em solo cearense, tendo a mesma
chegada ao rio Parnaíba em meio a ameaça de motim dos soldados maltrapilhos, o
capitão-mor Pero Coelho fixou-se na Barra do Ceará, dando a ela o nome de Nova
Lusitânia. Ao pequeno arraial, onde construiu, na sua margem direita, o forte de
São Tiago, em 25 de julho de 1604, chamou de Nova Lisboa. Pero Coelho partiu
para a Paraíba em busca da família, em 1605, deixando-o aos cuidados do cabo
Simão Nunes, com 45 soldados, prometendo-os envios de mantimentos. Retornou de
barco no ano seguinte com a mulher e os cinco filhos. A ajuda prometida e que
conseguira junto ao governador geral não
havia chegado, tendo um antigo aliado, João Soromenho, morrido na cadeia pelo
desvio do material.
“Foi forçoso
despovoar-se aquele sítio donde já era feita uma cidade”. “Efêmera e sem brilho
havia de ser a vida desse reduto, testemunho mudo dos sofrimentos e das
misérias”, comentou o capitão. Simão
Nunes, diante da miséria e revolta dos índios locais, o convenceu a seguir para
a foz do Jaguaribe e construir ali um fortim onde pisara durante a chegada ao
Ceará. Pero Coelho de fato construiu o forte de São Lourenço naquele braço do
mar. Mas devido à seca, o cabo e seus companheiros o abandonaram, porém
informaram ao padre Manuel Correia Soares (RN) que Pero e família vinham atrás.
Por sorte viveram e foram levados pelo religioso para Natal e depois Paraíba,
após sofrida peregrinação pelo sertão seco, fato que ceifou a vida do filho
mais velho. Sem ressarcimento, morreu pobre em Lisboa.
Diante da frustração
da ausência de ouro e prata no Ceará, a conquista do Maranhão, sob domínio
francês, era uma obstinação do rei Felipe III. Oito anos após o fracasso de
Pero Coelho, Sua Majestade incumbiu ao tenente Martim Soares Moreno, da
excursão do outro, a tarefa de retornar à Barra do Ceará e erguer um novo
fortim, para em seguida seguir para o Norte.
Frans Post descreve cenário irreal sobre o forte. (1645) |
Assim relatou no
“Relação do Ceará” (1618), o primeiro livro sobre as terras alencarinas: “E
estando eu como tenente do capitão-mor Lourenço Peixoto servindo na fortaleza
do Rio Grande do Norte, fui fazer novas amizades com os moradores daquela costa
até o Seará, o que fiz pela amizade que me tinham, me arrisquei só com dois
homens a meter com eles, donde os incitei um deles fosse comigo para a Bahia
pedir ao Governador Diogo de Menezes para que se fizesse cristãos e que eu iria
assistir com eles, o que fizeram e foi um filho do Principal Jacaúna a Bahia a
fazer este peditório, o que logo dito o governador ordenou e me mandou
negociado de todas as cousas necessárias, encarregou que me comerciasse por
terra com os naturais do Maranhão para de fazer aquela conquista, dando de tudo
parte ao Conselho da Índia e sendo no ano de 1611 cheguei ao Seará com seis
homens em minha companhia e um Clérigo, onde fui muito bem atendido, logo há
poucos dias fiz igreja, e com retábulos que levei se disse missa e se fizeram
muitos índios cristãos”.
“Ali, no dito ano,
degolei mais de duzentos franceses e flamengos piratas e lhe tomei três
embarcações, donde uma delas veio a Sua Majestade e a esta Cidade toda a proa e
proa douradas e para fazer estes assaltos me despia nu e me raspava a barba,
tingindo de negro com arco e flechas, ajudando-me dos índios, falando-lhes de
contínuo a língua e perguntando-lhes o que já sabiam bem fazer. No dito ano,
fiz pazes com três castas tapuias ali vizinhos e por meio deles tive novas do
Maranhão e foram índios dele a falar comigo donde me deram notícias das boas
terras que havia naquelas partes, e gastando muito da minha fazenda para fazer
estas pazes”.
B. do CE (O Povo, jan 78 - Acervo Lucas) |
A partir de 20 de
janeiro de 1612, Martim e seus amigos potiguaras iniciaram a construção do
forte no mesmo local do São Thiago e São Lourenço, este erguido de maneira mais
simplória pelo padre jesuíta Luís Figueira, em 1608, que vinha de frustrada
incursão na Ibiapaba, um novo fiasco para se chegar ao Maranhão por terra.
Levantado sob estacas e madeiras, possuía
guaritas e casas de soldado no seu interior, além de uma ermida onde se
realizaram missas pelo padre Baltasar João Corrêa . A capela recebeu a
invocação de Nossa Sra. do Amparo, mas o orago, ou padroeiro, foi São Sebastião, santo
do dia em que se começou a obra. Em 1920, como segundo capitão-mor do
Ceará, Martim Soares Moreno pediu ao rei
uma “imagem de São Sebastião, uma vestimenta frontal, capa de asperges, um
cálice e um retábulo de N. Senhora”, prontamente atendido.
O Forte de São
Sebastião, entretanto, para os estudiosos cearenses era modesto. Na opinião do
jornalista, teatrólogo e pesquisador Eduardo Campos (ou Manuelito Eduardo),
renomado diretor dos Diários Associados, presidente do Instituto do Ceará e da
Associação Cearense de Letras, o “forte teria sido de pouca expressão como
construção defensiva, não contando, na sua parte mais comprida, com mais de
vinte metros. Dizem que assumia forma de retângulo, não deveria ter mais de 14
ou 16 metros de largura. Era um fortim pequeno, mas não tão expressivo como se
tem julgado. Preliminarmente, cabem no interior pelo menos 24 ermidas.
Admitindo que uma deva ter 5x3 m3, o forte teria 360 m3. Pelo desenho, tem-se a
impressão que é feita de pedra e argamassa, estaria representada por duas
paredes paralelas, tb desproporcionadas no desenho. Ao redor, fazendo a
cercadura, com entrada e saída para a ermida, ter-se-ia a paliçada tradicional,
de no máximo 400 m3” (Unitário, 30 de abril de 1974).
Em julho de 1613,
decisão do Conselho Ultramarino destinou Martim Soares Moreno a acompanhar
Jerônimo de Albuquerque na expedição contra os franceses, deixando o comando do
São Sebastião com Estevão de Campos, logo substituído por Manuel de Brito
Freire, continuando firme com o trabalho de evangelização o Padre Baltasar.
Foram num pequeno barco, levando os mesmos índios que haviam ido com ele à
Bahia dois anos antes, Jacaúna e seu filho. Tornou-se herói da conquista do
Maranhão.
Após idas e vindas a
Pernambuco e Lisboa, retornou em 23 de setembro de 1621, como capitão-mor,
encontrando o forte reduzido a uma estacada de varas e cabanas de palha, onde
não cabia sequer as pólvoras. Pelo menos não perdera a confiança dos índios,
agora com novos aliados, os tapuias jaguaribaras, na guarda da frágil fortaleza
ao lado de Jacaúna.
Os holandeses levaram cerca de 3400 telhas do S. Sebastião para o Schoonemborch em 1649. |
Nova ausência de
Martim Soares Moreno e, após ida de índios a Olinda para forçar união contra os
portugueses, eis que, em 1637, os holandeses liderados por George Gartsman
tomam o forte sem dificuldade, tendo os 33 portugueses aprisionados levados
para o Rio Grande do Norte. Sem intenção de colonizar, mas de explorar as
serras em busca de prata, os flamengos acabaram surpreendidos, em 1644, pelo
ataque de índios que os trucidaram, matando todos os invasores. Pelo estilo da
ação, é provável que os autores do atentado tenha sido os temidos paiacus.
Os holandeses novamente se apoderaram das terras cearenses,
a partir de 1649, comandado por Matias Beck, construindo de imediato um forte
na embocadura do riacho Pajeú, onde atualmente se encontra a Fortaleza de NS da
Assunção, ao lado do Quartel General da 10° Região Militar. O Schoonemborch foi
construído entre abril e maio de 1649, por 40 homens, incluindo negros levados
de Pernambuco por Matias Beck. Durante esse período, conseguiu-se, com muito
sacrifício, barro numa grande lagoa, a meia légua, ou 2,2 km, presumindo-se que
se tratasse da Lagoa do Urubu, até os dias atuais existente no bairro Álvaro
Weyne, a mesma em que os índios da Barra do Ceará se abasteciam diante da má
qualidade do líquido do rio onde habitavam e onde Martim Soares teria se
alojado.
Segundo o seu diário, a partir de 21 de abril daquele ano,
Matias mandou buscar no forte arruinado, telhas e outros materiais. Pelo
formato das cobertas da época, o que se retirou representaria o tamanho da
figura vista no centro da gravura do holandês Frans Post (1645): 3400 telhas.
Contudo, ruínas encontradas durante a ampliação do Clube de Regatas, em 1974,
seriam dos paredões, com 15 ou 16 m de comprimento, que, edificados
paralelamente, serviam de defesa e ataque que viessem da praia. A propósito, o
desenho de Post não condiz com a legitimidade do forte, quadrada, sem flancos
especiais, tendo duas torres nos dois ângulos, de pedras soltas sobrepostas sem
cal, de altura de homem de homem e meio ou dois homens. (3,4 metros), tendo
sido ampliada a área, aproximado o prédio do rio e incluído imagens fantasiosas
de gado, na época inexistente no Ceará.
Disse o historiador e
ex-secretário de Cultura e Urbanismo, Raimundo Girão, em 1984, que “os
holandeses o melhoraram sensivelmente, garantindo com paliçadas e outras
instalações, certo de que conservariam a bandeira de sua pátria, planejando
duradouramente aos ventos soprados do verde mar bravio”. “A segunda investida
recuperou aquela foz de desencantos, não sem um detido exame para um novo
aproveitamento. Dadas as condições topográficas, eram impróprias as entradas e
saídas de navios num rio soterrado. Sob enfoque turístico-histórico da Barra do
Ceará, sua história pode ser dividida em duas fases: a do povoamento a partir
de 1612, com a fundação de Fortaleza, e na fase mais moderna de 1927 até os
dias atuais”. Com a queda de Maurício de Nassau em Pernambuco, fragilizado
ainda pelas consequências da seca de 1651-54, Matias Beck deixou pacificamente,
com a família, o Brasil, dirigindo-se para São Domingos, nas Antilhas. O novo
capitão-mor português, Álvaro de Azevedo Barreto, assumiu o forte de Schoonemboch, e com
algumas mudanças o denominou de Nossa Senhora da Assunção.
Subordinado ao
Maranhão desde 1621, em 1656 o Ceará passou para o domínio pernambucano. Sua a
autonomia, porém, só chegou muito tempo depois, em 1799, quando enfim,
independente, experimentou os progressos, embora lentamente, em todos os níveis
sociais e econômicos.
Correio do CE maio 74 (Acervo Lucas) |
O jornal Correio do
Ceará de 15 de maio de 1974 trouxe matéria
de Lêda Maria, que escrevia uma série sobre o achado daquele ano. Presentes ao
local, o prefeito Vicente Fialho, historiadores, geólogos, professores, alunos
e imprensa. Crianças escoteiras foram flagradas segurando balas de canhão, no
que nos sugere serem oriundas de ataques pelo mar e que os portugueses e os
índios as enterraram como segurança. O ex-secretário Raimundo Girão se disse
convicto que se tratava do local do forte e esperava “um trabalho zeloso dos
operários e não por meio de tratores”. Em 1961, projeto-de-lei do deputado Plácido Castelo, conseguiu verbas para escavações na Barra do Ceará, aos cuidados do historiador Ismael Pordeus, em busca de resquícios do forte, sem sucesso. Em 1974, porém, acreditava-se que as conclusões tornaria o
local ponto turístico. Para o então secretário de Cultura, Ernando Uchôa, as
análises, a partir de então, seriam relevantes
para a cidade, e prometeu providências para “resguardar o ponto histórico naquele Ano da Cultura", prosseguindo pesquisas para desvendar “todo o material da
grande fortaleza”. Infelizmente nada foi cumprido.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOnde posso clicar, pra compartilhar?
ResponderExcluirCopiando o link.
ExcluirOlá, gostaria de poder entrar em contato consigo. Trata-se dos 400 anos da nomeação de Martim Soares Moreno como Capitão Mor do Ceará. Tenho interesse em conhecer mais fatos sobre o Forte São Sebastião.
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