Vila em 1863
Foi nesse período da
primeira administração, o mais longo do município, que Trairi enfrentou seus
maiores desafios. Grande área, carência de meios de transporte, infraestrutura
insignificante, parcos recursos financeiros, serviços públicos
ineficientes e acima de tudo desigualdade social contribuíram para a crescente
miséria da população.
O Ano da Devastação
Embora a tragédia tenha chegado em Trairi no ano anterior, 1877 foi o primeiro e
o mais devastador ano de uma seca que durou quase cinco anos. A velha epidemia voltava ao Ceará e Trairi não ficou de fora, perdendo o controle de uma doença
que não poupava status, matando ricos e pobres. Chegou a Fortaleza a partir dos
navios a vapor que vinham do Rio Grande do Norte, Estado que por sua vez contraiu a peste dos brancos que saíram da Europa,
onde cerca de 25 mil soldados franceses dela pereceram: a varíola. O corpo
coberto de feridas, úlceras com pus que se espalhavam pelo corpo.
Ofícios expressando
preocupação e até desespero foram assinados pela Comissão de Socorros ao governador
da província, Caetano Estelita Cavalcanti Pessoa. Além da fome e da peste, a
população crescia com os flagelados e doentes oriundos de vários povoados. Tudo que
chegava, alimentos, remédios e dinheiro, era relatado, em resposta, pelo intendente
ao governador, como o uso dos recurso, sempre salientando que, “apesar da gratidão”,
não era suficiente para atender a demanda crescente, um povo que, para não
morrer de fome, comia de calango a morcego.
As Autoridades
A Comissão de
Socorros era composta por:
- Antônio Barroso de
Souza: Presidente da CMT, segundo Maria Pia oprimeiro juiz de Trairi, vindo de Paracuru. Suas terras se localizavam
no sul do Estrela.
- Francisco da Rocha
Campelo, juiz, e seu substituto Vicente Teixeira da Costa Sampaio.
- Padre Francisco
José da Silva Carvalho: Primeiro pároco de Nossa Senhora do Livramento.
- José Themístocles Teles de Carvalho: Coletor.
Porto de Mundaú, de Olho nos Vapores
Essa “ajuda”, cereais
e dinheiro, era enviada pelo mar, no caso a Mundaú, através dos vapores “Maranhão”
e “Costeiro”, da Companhia Maranhense, que em cada porto atracavam levando os socorros aos necessitados,
sendo que no retorno do norte levavam as correspondências para Fortaleza. O
encarregado de receber as mercadorias do governo era o Major José Joaquim
Carneiro, que aguardava os navios sobre os morros daquela praia trairiense. De lá, seguia, a cavalo, pelas dunas, à sede, a mercê de surpresas, armado e atento, guiado por Deus.
Numa comunicação,
Coronel Barroso pediu permissão para que alguns flagelados seguissem para
Parnaíba PI, sob alegação de que naquela praia havia assistência. Mas a maioria
se dirigia para Fortaleza, cuja população, em 1877, era de 130 mil habitantes,
dos quais 110 mil retirantes. Famílias orientadas a descer a ladeira da rua
General Sampaio às praias do sentido norte (Formosa - hoje Leste Oeste, Pirambu) ou ao Morro Croatá (hoje garagem da Estação, Oitão Preto), segundo as
autoridades, para pegar ventilação, porém, abandonadas, morriam de fome ou da
praga.
Dr. Rodolfo Teófilo Ajudou
Na troca de ofícios,
a ignorância sobre a doença, até mesmo da parte do chefe dos serviços médicos, Francisco
Leão, pois se tratava como moléstia, peste, doença em decorrência da seca,
febre e diarreias. Apenas a partir de 1878, quando os periódicos passaram a
divulgar as vacinas do farmacêutico Rodolfo Teófilo, usou-se o nome da praga
aterrorizante. O próprio, com todo
sacrifício chegou a enviar medicamentos e receitas ao município, sendo seu nome registrado em agradecimento.
O Antigo Cemitério
Com recursos
enviados, que chegaram a um conto de réis, parte doada por comerciantes de
Fortaleza, foram construídos, em 1877, os antigo cemitério e cadeia. Toda a
mão de obra era composta por flagelados, que recebiam o mínimo para comer. Na
verdade, como na capital (Cadeia Pública e Igreja Coração de Jesus), e em Quixadá (onde D. Pedro II exigiu mão-de-obra flagelada na construção do Cedro, o maior açude moderno da América Latina), o governo
orientava obras como forma de remunerar os desassistidos, que mesmo doentes
trabalhavam. Os mais antigos contam
ter pisado em ossos quando passavam pelo Pici, na sede. Ali, nas proximidades
dos pés de sapotis e tamarindos, foram enterrados os nossos irmãos. Vítimas de sofrimento
que esperamos jamais passar.
1877: Um dos ofícios trocados entre Trahiry e Fortaleza |
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