sábado, 26 de novembro de 2016

Trairi - A Peste e o Antigo Cemitério

Vila em 1863


Trairi, a partir de 12 de novembro de 1863, pela Lei 1068, tornou-se Vila, sendo o primeiro presidente da Câmara o coronel Antônio Barroso de Souza, ou seja, quem administrava o município. Em 31 de outubro do ano seguinte a mesma foi extinta pela Lei 1110. No dia 27 de novembro de 1868, Pará-Curú tornou-se vila pela primeira vez, conforme a Lei 1235, e Trahiry a ela pertencente. Porém, com a Lei 1604, de 14 de agosto de 1874, passou a denominar-se Nossa Senhora do Livramento, sendo restabelecido Trahiry com a Lei 1669, de 19 de agosto de 1875.


 Foi nesse período da primeira administração, o mais longo do município, que Trairi enfrentou seus maiores desafios. Grande área, carência de meios de transporte, infraestrutura insignificante, parcos recursos financeiros, serviços públicos ineficientes e acima de tudo desigualdade social contribuíram para a crescente miséria da população.

O Ano da Devastação


  Embora a tragédia tenha chegado em Trairi no ano anterior,  1877 foi o primeiro e o mais devastador ano de uma seca que durou quase cinco anos. A velha epidemia voltava ao Ceará e Trairi não ficou de fora, perdendo o controle de uma doença que não poupava status, matando ricos e pobres. Chegou a Fortaleza a partir dos navios a vapor que vinham do Rio Grande do Norte, Estado que por sua vez contraiu a peste dos brancos que saíram da Europa, onde cerca de 25 mil soldados franceses dela pereceram: a varíola. O corpo coberto de feridas, úlceras com pus que se espalhavam pelo corpo.

 Ofícios expressando preocupação e até desespero foram assinados pela Comissão de Socorros ao governador da província, Caetano Estelita Cavalcanti Pessoa. Além da fome e da peste, a população crescia com os flagelados e doentes oriundos de vários povoados. Tudo que chegava, alimentos, remédios e dinheiro, era relatado, em resposta, pelo intendente ao governador, como o uso dos recurso, sempre salientando que, “apesar da gratidão”, não era suficiente para atender a demanda crescente, um povo que, para não morrer de fome, comia de calango a morcego.


As Autoridades


 A Comissão de Socorros era composta por:

 - Antônio Barroso de Souza: Presidente da CMT, segundo Maria Pia oprimeiro juiz de Trairi, vindo de Paracuru. Suas terras se localizavam no sul do Estrela.
 - Francisco da Rocha Campelo, juiz, e seu substituto Vicente Teixeira da Costa Sampaio.
 - Padre Francisco José da Silva Carvalho: Primeiro pároco de Nossa Senhora do Livramento.
- José Themístocles Teles de Carvalho: Coletor.


 Porto de Mundaú, de Olho nos Vapores


 Essa “ajuda”, cereais e dinheiro, era enviada pelo mar, no caso a Mundaú, através dos vapores “Maranhão” e “Costeiro”, da Companhia Maranhense, que em cada porto atracavam levando os socorros aos necessitados, sendo que no retorno do norte levavam as correspondências para Fortaleza. O encarregado de receber as mercadorias do governo era o Major José Joaquim Carneiro, que aguardava os navios sobre os morros daquela praia trairiense. De lá, seguia, a cavalo, pelas dunas, à sede, a mercê de surpresas, armado e atento, guiado por Deus.

 Numa comunicação, Coronel Barroso pediu permissão para que alguns flagelados seguissem para Parnaíba PI, sob alegação de que naquela praia havia assistência. Mas a maioria se dirigia para Fortaleza, cuja população, em 1877, era de 130 mil habitantes, dos quais 110 mil retirantes. Famílias orientadas a descer a ladeira da rua General Sampaio às praias do sentido norte (Formosa - hoje Leste Oeste, Pirambu) ou ao Morro Croatá (hoje garagem da  Estação, Oitão Preto), segundo as autoridades, para pegar ventilação, porém, abandonadas, morriam de fome ou da praga.


 Dr. Rodolfo Teófilo Ajudou


 Na troca de ofícios, a ignorância sobre a doença, até mesmo da parte do chefe dos serviços médicos, Francisco Leão, pois se tratava como moléstia, peste, doença em decorrência da seca, febre e diarreias. Apenas a partir de 1878, quando os periódicos passaram a divulgar as vacinas do farmacêutico Rodolfo Teófilo, usou-se o nome da praga aterrorizante.  O próprio, com todo sacrifício chegou a enviar medicamentos e receitas ao município, sendo seu nome registrado em agradecimento.


 O Antigo Cemitério


 Com recursos enviados, que chegaram a um conto de réis, parte doada por comerciantes de Fortaleza, foram construídos, em 1877, os antigo cemitério e cadeia. Toda a mão de obra era composta por flagelados, que recebiam o mínimo para comer. Na verdade, como na capital (Cadeia Pública e Igreja Coração de Jesus), e em Quixadá (onde D. Pedro II exigiu mão-de-obra flagelada na construção do Cedro, o maior açude moderno da América Latina), o governo orientava obras como forma de remunerar os desassistidos, que mesmo doentes trabalhavam.  Os mais antigos contam ter pisado em ossos quando passavam pelo Pici, na sede. Ali, nas proximidades dos pés de sapotis e tamarindos, foram enterrados os nossos irmãos. Vítimas de sofrimento que esperamos jamais passar.



1877: Um dos ofícios trocados entre Trahiry e Fortaleza



Nenhum comentário:

Postar um comentário