A Ação que a História Condena
Joaquim Emygdio |
Joaquim Emygdio de Castro e Silva destacou-se como um
célebre e respeitado comerciante cearense. Pioneiro no setor fotográfico
cearense ao lado de Ademar Albuquerque, foi proprietário da Fotografia Americana,
representante da Kodak, cuja propriedade transferiu para Inácio Parente, seu ex
colaborador que montou a Casa Parente. Mas foi no ponto coração da cidade onde instalou uma Loja de tecidos e de miudeza, que funcionou de 1883 a 1921, quando faleceu.
Seus filhos deram continuidade, denominando a casa de Café Emygdio até a sua
demolição, por imposição da prefeitura, no dia 4 de agosto de 1941. A pretensão
do chefe da municipalidade, Raimundo Araripe, não foi adiante. Mas se o prédio
não foi construído na Aldeota, conforme projeto anterior, nem na Praça do
Ferreira, foram-se abaixo os prédios históricos da valorizada área norte do
mais importante logradouro da cidade. Do que lemos nos deslumbramos com os
sonhos de então, pessoas e imprensa alimentando a queda de um pedaço da
história em nome da modernidade. Somente em 26 de agosto de 1939, naquele
espaço, foi inaugurado o centro comercial Abrigo Central, que funcionou até
1966.
O Povo, 5 de agosto de 1941
O Prédio da Prefeitura será Construído à Praça do Ferreira - A História da Loja e do Café Emídio
Vai desaparecer um aspecto
dos mais populares de Fortaleza: o quarteirão situado entre o lado norte da
Praça do Ferreira e a Travessa Pará. A Municipalidade vai demolir aqueles
prédios centenários, de sua propriedade, para, em seu lugar, construir o
Palácio da Prefeitura. O Povo foi parte na execução desse problema urbano
porque, batendo-se contra a nova localização do novo edifício da Prefeitura no
Bairro da Aldeiota, viu, mais uma vez, seus esforços coroados de êxito, quando
o dr. Raimundo de Alencar Araripe abandonou aquela ideia e deliberou construir,
à Praça do Ferreira, a sede municipal. O quarteirão mais central da cidade ser
demolido. Bendita a picareta que lhe der o primeiro golpe e que ela possa
despertar, nos homens que nos governam, energias para novas e mais várias
demolições centrais.
A Velha Intendência
Entre os prédios a
serem abatidos figura o sobrado da antiga Intendência, onde também funcionaram,
por longos anos, o Tribunal do Júri e a Sala de Audiências. Foi ali, naquele
Tribunal, que se inaugurou a imagem de Cristo no Júri.
Opiniões Contrárias
Há quem julgue errônea a escolha. Há quem sugira que a sede
municipal não deveria erguer-se em ponto tão comercial, porque não oferece a
área térrea indispensável às várias seções da Prefeitura e ainda porque o
local, com seus mil atrativos, poderá desviar a atenção funcional dos
empregados burocráticos da municipalidade.
Uma Sugestão
Não deixa de haver
procedência nesses reparos, notadamente no que toca a diminuta superfície do
terreno. Esse inconveniente poderia, no entanto, ser afastado se, gastando mais
uns dois mil contos, a Prefeitura desapropriasse alguns prédios da rua Floriano
Peixoto e Major Facundo, fazendo desaparecer a Travessa Pará e criando um
pequeno largo ao norte do futuro edifício.
O Café Emygdio
Uma das casas mais populares do quarteirão a ser demolido é,
sem dúvida, a da esquina da Praça do Ferreira com a rua Major Facundo, onde até
ontem funcionou o Café Emygdio, fundado em 1921. Sua história, porém, recua
para 1893, e por isso O Povo achou oportuno marcar esta oportunidade com o
registro de algo histórico sobre a casa comercial mais antiga do quarteirão que
vai desaparecer, ou seja, a Loja Emygdio. Fomos ouvir os senhores José e
Estevam Emygdio, gêmeos, proprietários do Café. “Foi com extrema saudade que ontem
fechamos o café. Aquela casa tinha para nós um outro valor, além do valor
comercial. Foi ali onde trabalhou, desde 1893, o nosso sempre lembrado pai,
Joaquim Emygdio, com a loja de fazendas e miudezas que durou 28 anos, ou seja,
até o fim da vida do fundador”.
Famosa esquina do Emygdio (Foto O Povo) |
Essas primeiras
palavras dos dois rapazes despertaram, na lembrança do redator do O Povo, a
figura respeitável e circunspecta de Joaquim Emygdio de Castro na direção da
sua loja, que era uma espécie de Livraria Garnier ou da atual Livraria José Olímpio,
no Rio: um ponto de reunião da elite política e intelectual de Fortaleza. Foi
ali que nós conhecemos os secretários de governo do Comendador Acioli e do
coronel Franco Rabelo. Essa função da Loja Emygdio jamais perturbou os negócios
internos porque Joaquim mantinha um severo equilíbrio em suas relações, sendo a
casa neutra em política e filosofia. Ali reinava um ambiente de “bureau”
diplomático, onde não podia haver choques, e onde as idiossincrasias ficavam
amortecidas pela discreta atitude do “mestre de cerimônias”.
Continuam os irmãos Emygdio: “Nosso pai foi um homem que
mereceu um culto filial. O seu conceito nos acompanha, como incentivo, através
das amizades que ele deixou no comércio e na sociedade. É raro o dia em que os
mais velhos não nos dizem algo relativo a Joaquim Emygdio de Castro ou não nos
repetem episódios de sua vida, como frases anunciadas. Tudo isso alimenta em
nosso espírito o fervor com que seguimos a trilha que ele soube traçar-nos.
Durante os 28 anos em que dirigiu a Loja Emygdio foi um mestre de caracteres. E
é, com vaidosa alegria, que ainda hoje encontramos pessoas que com ele
trabalharam, entre os quais os srs. Ludgero Garcia, Francisco Hildebrando, Deocleciano
Freitas, José Jucá (Jucazinho), Antonio Carvalho Rocha, Luiz Carvalho Rocha,
hoje figura de relevo. Júlio Rodrigues, atual diretor do Banco de Crédito
Comercial, foi um dos últimos auxiliares e com ele trabalhou cinco anos.
Segundo Júlio, deve a sua formação moral às lições que recebeu do nosso pai,
testemunhando visitas de várias pessoas que iam pedir conselhos a ele, fiadas
em seu crédito, sua experiência e no acerto de seus juízos. Sentimo-nos,
portanto, orgulhosos do conceito que nosso pai desfrutou na sociedade em que
viveu e na solidez das amizades sinceras que ele deixou e que nos ajudam a
fazer esta justiça à sua memória. As palavras que José Júlio sempre nos
reproduz fazem muito bem ao nosso espírito, porque elas procedem de um homem de
bem, caráter íntegro e que soube valorizar a influência do nosso pai sobre os
que com ele trabalharam”.
Rua Major Facundo e o Café Emygdio em 1923. (Foto Lopes) |
Os dois Emygdio falavam com sensibilidade e O Povo não quis
prolongar as evocações. Mas esta página fica, para registro desta mudança, no
livro da cidade. Vai desaparecer o velho quarteirão central. As picaretas vão
começar as demolições. Mas o historiador encontrará, mais tarde, estes
apontamentos em que se recorda uma figura humana que, por um quarto de século,
construiu um aspecto moral naquele local que desaparecerá. (Jornal O Povo)
amei o comentario
ResponderExcluirBoas lembrancas
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