Bairros
de Fortaleza - Jornal O Estado, 19 de dezembro de 1937
Oiteiro
Por Henrique da Veiga
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Palácio do Plácido de Carvalho - Av. S. Dumont |
Até poucos anos - menos de um decênio - o Oiteiro era o mais
desprezado dos bairros de Fortaleza, especialmente na parte
denominada a rigor – Adeiota. Aquilo, além do Colégio Militar era
quase tudo mataria, terreno baldio e pobres casas de gente humilde.
Para além do castelo do Plácido, então, parecia um deserto, sendo
temerário o trânsito à noite. A má fama vinha desde o tempo em
que o capitão-mor interino, ou seja, o governador de então (1708),
Carlos Ferreira, ao ir ver uma casa que mandara preparar para
hospedagem do engenheiro militar Diogo da Silva Veloso, recebeu dois
balaços de espingarda, que lhe iam dando cabo da vida, como desejava
o almoxarife José Mendes Lima. Ótimo, apenas, para pic-nics nas
safras de caju. E assim passou o delicioso bairro quase dois séculos.
Mas em 1895, uma voz se ergueu pela imprensa para protestar contra
aquele injustificável abandono. Antônio Bezerra iniciara na
“República” do dia 9 de março a sua famosa dérie de artigos
sob título “Ligeira descrição sobra a cidade de Fortaleza”,
transcritos, depois, na revista do Instituto do Ceará (Ano IX, Tomo
IX), que lhe valeu, em parte, humorísticas observações. Nessa
altura, um “oiteirense”, sob o pseudônimo de “Alguém”, saiu
em campo, pelas colunas da própria “República”, escrevendo seis
artigos sobre o bairro, que naquele tem tempo pleiteava, sobretudo,
uma linha de bonde de burros para o qual os habitantes se quotizaram,
abrindo a lista o Dr. Epaminondas da Frota, com 2:000$.
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Ig. Cristo Rei e Convento dos Jesuítas (Pça B. Constant) |
Assim escrevia “Alguém”: “Agora que cearenses ilustres,
sinceramente dedicados aos interesses desta terra discutem e tratam
já da sua história e progresso moral, já dos melhoramentos que se
fazem necessários ao aformoseamento e salubridade da capital, é
justo que nos lembremos do bairro do Oiteiro, o melhor e mais
desprezado na distribuição dos benefícios públicos. É tempo de
varrer esse anátema , que parece pesar sobre o Oiteiro, condenando-o
à privação das demais vantagens e conforto de que gozam os outros
centros da população”. E termina o primeiro artigo: “O OITEIRO
HÁ DE SER CENTRO O CENTRO DA VIDA LOCAL E CONFORTÁVEL DA VIDA DE
FORTALEZA, SUAS CONDIÇÕES CLIMATÉRICAS ABRIR-LHE-ÃO EM BREVE O
CAMINHO AO MAIS ALTO ALDEAMENTO”.
Note-se bem a previsão do articulista, a verdadeira profecia , a
verdadeira profecia, que o tempo se encarregou de positivar. Tinha
razão. Quarenta e dois anos depois, o Oiteiro tornou-se o bairro
elegante, aristocrático, e, a par disso, o bairro das Letras. Basta
olhar para os clichês que aí vão. Transformou-se, como um encanto,
com especialidade na Adeiota, justamente onde quase eram matas. De
norte a sul rasga-se, espaçosa e arborizada, a Avenida Santos
Dumont, toda, quase sem solução de continuidade, um renque
maravilhoso de custosos e artísticos “bungalows” e encantadoras
vilas. Novas ruas e avenidas transversais e laterais se abrem, já
ostentando construções que obedecem ao mesmo ritmo de beleza
arquitetônica, de conforto, em estilo moderno. Temos, neste caso:
ruas Gonçalves Ledo, João Cordeiro, Antônio Augusto, Barão de
Aracati, Carlos Vasconcelos, Monsenhor Bruno e Av. Barba Alardo; ruas
Rodrigues Júnior, D. Luís, 25 de Março e Governador Sampaio, onde,
aliás, começa a zona do Oiteiro. As duas praças intercaladas -
Figueira de Melo e Benjamin Constant - já se povoam de também novos
e elegantes prédios.
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Bangalôs da Aldeota. Foram-se! |
Mas, sobretudo, se notabilizam: a primeira, por estarem ali
encravados a Escola Normal Pedro II, o Colégio da Imaculada
Conceição e a Escola Jesus, Maria e José, onde funcionam várias
associações religiosas e o Cine Paroquial (cinema falado), e a
segunda: empolgante prédio do Colégio Militar, o convento das
Carmelitas e o convento dos Jesuítas, havendo, ainda, na Avenida
Santos Dumont, o Colégio “Coração Eucarístico”, o Ginásio
São João e a Escola Doméstica, esta funcionando no majestoso
castelo de Plácido de Carvalho.
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Bangalôs em 1937 |
Dois magníficos templos católicos, um na Figueira de Melo - a
igreja do Pequeno Grande, como é ordinariamente conhecida, e a de
Cristo Rei, Benjamin Constant, fazem o orgulho do Oiteiro, neste
tocante, por sua vez. Do que é a primeira, assim se exprimiu, em
1907, o dr. Soriano Albuquerque: “O Ceará ostenta em sua formosa
capital um templo que é um verdadeiro primor de arquitetura, sendo o
estilo uma evocação suave de longínquas eras e a construção o
mais brilhante atestado do quanto pode o esforço que brota das almas
persistentes. É o templo da Imaculada Conceição, erguido
simplesmente às custas de donativos por essas mulheres admiráveis,
as Irmãs de Caridade. O interior da igreja deslumbra. O olhar
abrange o recinto num êxtase contemplativo, tal o encanto que
oferece”.
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Fonte na Pça Benjamim Constant |
Isto, sem nos afastarmos da Santos Dumont, porque todo o Oiteiro,
hoje, é uma cidade dentro da cidade capital. Vilas, “chalets”,
“bungalows” surgem de todos os lados, todo dia, sem exagero de
afirmativa. E por isto, ali, onde há dez anos se oferecia um palmo
de terra por 10$, adulando-se para comprar, não se adquire, hoje,
meio palmo por menos de 200$. O Oiteiro empolga. Foi vidente o
articulista de 1895. Os clichês que fixam alguns dos seus aspectos
dizem tudo.
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A casinha da "Aldiota". O dono: "Não vendo!" |
Dentre, porém, de toda aquela suntuosidade de construções, um caso
vem quebrar a harmonia do conjunto. Na Avenida Barba Alardo, no meio
do calçamento, está fincada uma casinha de palha. Velha,
esburacada, acachapada, gotejante. O meio fio de pedra da
Municipalidade chegou ali, parou, passou adiante rumo aos novos
bungalows, e a casinha ficou, desafiando o progresso e desdenhando
das ricas e altaneiras. O dono mantém-se na atitude de a não
vender. Quer é ali. É sua, como seu é o terreno. Não se dispõe
dele por preço algum. É assim um símile do moleiro de Sans-Souci,
faltando apenas, no quarto, a figura de Frederico II para se curvar
ante o imperativo da evocação da Lei. Resta saber se a nossa
Prefeitura está pelo caso de temer os juízes de Berlim.
Nota
do Blog:
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A Av. Barba Alardo, que homenageava o governante cearense no período imperial, era a atual Av. Rui
Barbosa.
- Fato curioso o funcionamento de cinema falado na Escola Jesus,
Maria e José, cujo prédio as autoridades esqueceram.
- A praça do Colégio Militar, Benjamim Constant, mudou de nome para Praça da Bandeira em 1960, mais conhecida como Praça do Cristo Rei. A outra, no Centro, famosa com esse nome, chama-se Praça Clóvis Beviláqua.
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O texto deixa bem claro que a bela Igreja do Pequeno Grande pertence
ao Colégio da Imaculada Conceição. E também que a Escola
Doméstica funcionou no Palácio do Plácido, demolido, hoje Centro de Artesanato Luíza Távora..
Fotos: J. O./Aba Film - O Estado
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