sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Fortaleza 1937 - Bairro Outeiro

Bairros de Fortaleza - Jornal O Estado, 19 de dezembro de 1937
Oiteiro Por Henrique da Veiga


Palácio do Plácido de Carvalho - Av. S. Dumont
Até poucos anos - menos de um decênio - o Oiteiro era o mais desprezado dos bairros de Fortaleza, especialmente na parte denominada a rigor – Adeiota. Aquilo, além do Colégio Militar era quase tudo mataria, terreno baldio e pobres casas de gente humilde. Para além do castelo do Plácido, então, parecia um deserto, sendo temerário o trânsito à noite. A má fama vinha desde o tempo em que o capitão-mor interino, ou seja, o governador de então (1708), Carlos Ferreira, ao ir ver uma casa que mandara preparar para hospedagem do engenheiro militar Diogo da Silva Veloso, recebeu dois balaços de espingarda, que lhe iam dando cabo da vida, como desejava o almoxarife José Mendes Lima. Ótimo, apenas, para pic-nics nas safras de caju. E assim passou o delicioso bairro quase dois séculos.

Mas em 1895, uma voz se ergueu pela imprensa para protestar contra aquele injustificável abandono. Antônio Bezerra iniciara na “República” do dia 9 de março a sua famosa dérie de artigos sob título “Ligeira descrição sobra a cidade de Fortaleza”, transcritos, depois, na revista do Instituto do Ceará (Ano IX, Tomo IX), que lhe valeu, em parte, humorísticas observações. Nessa altura, um “oiteirense”, sob o pseudônimo de “Alguém”, saiu em campo, pelas colunas da própria “República”, escrevendo seis artigos sobre o bairro, que naquele tem tempo pleiteava, sobretudo, uma linha de bonde de burros para o qual os habitantes se quotizaram, abrindo a lista o Dr. Epaminondas da Frota, com 2:000$.

Ig. Cristo Rei e Convento dos Jesuítas (Pça B. Constant)
Assim escrevia “Alguém”: “Agora que cearenses ilustres, sinceramente dedicados aos interesses desta terra discutem e tratam já da sua história e progresso moral, já dos melhoramentos que se fazem necessários ao aformoseamento e salubridade da capital, é justo que nos lembremos do bairro do Oiteiro, o melhor e mais desprezado na distribuição dos benefícios públicos. É tempo de varrer esse anátema , que parece pesar sobre o Oiteiro, condenando-o à privação das demais vantagens e conforto de que gozam os outros centros da população”. E termina o primeiro artigo: “O OITEIRO HÁ DE SER CENTRO O CENTRO DA VIDA LOCAL E CONFORTÁVEL DA VIDA DE FORTALEZA, SUAS CONDIÇÕES CLIMATÉRICAS ABRIR-LHE-ÃO EM BREVE O CAMINHO AO MAIS ALTO ALDEAMENTO”.
Note-se bem a previsão do articulista, a verdadeira profecia , a verdadeira profecia, que o tempo se encarregou de positivar. Tinha razão. Quarenta e dois anos depois, o Oiteiro tornou-se o bairro elegante, aristocrático, e, a par disso, o bairro das Letras. Basta olhar para os clichês que aí vão. Transformou-se, como um encanto, com especialidade na Adeiota, justamente onde quase eram matas. De norte a sul rasga-se, espaçosa e arborizada, a Avenida Santos Dumont, toda, quase sem solução de continuidade, um renque maravilhoso de custosos e artísticos “bungalows” e encantadoras vilas. Novas ruas e avenidas transversais e laterais se abrem, já ostentando construções que obedecem ao mesmo ritmo de beleza arquitetônica, de conforto, em estilo moderno. Temos, neste caso: ruas Gonçalves Ledo, João Cordeiro, Antônio Augusto, Barão de Aracati, Carlos Vasconcelos, Monsenhor Bruno e Av. Barba Alardo; ruas Rodrigues Júnior, D. Luís, 25 de Março e Governador Sampaio, onde, aliás, começa a zona do Oiteiro. As duas praças intercaladas - Figueira de Melo e Benjamin Constant - já se povoam de também novos e elegantes prédios.

Bangalôs da Aldeota. Foram-se!
Mas, sobretudo, se notabilizam: a primeira, por estarem ali encravados a Escola Normal Pedro II, o Colégio da Imaculada Conceição e a Escola Jesus, Maria e José, onde funcionam várias associações religiosas e o Cine Paroquial (cinema falado), e a segunda: empolgante prédio do Colégio Militar, o convento das Carmelitas e o convento dos Jesuítas, havendo, ainda, na Avenida Santos Dumont, o Colégio “Coração Eucarístico”, o Ginásio São João e a Escola Doméstica, esta funcionando no majestoso castelo de Plácido de Carvalho.


Bangalôs em 1937
Dois magníficos templos católicos, um na Figueira de Melo - a igreja do Pequeno Grande, como é ordinariamente conhecida, e a de Cristo Rei, Benjamin Constant, fazem o orgulho do Oiteiro, neste tocante, por sua vez. Do que é a primeira, assim se exprimiu, em 1907, o dr. Soriano Albuquerque: “O Ceará ostenta em sua formosa capital um templo que é um verdadeiro primor de arquitetura, sendo o estilo uma evocação suave de longínquas eras e a construção o mais brilhante atestado do quanto pode o esforço que brota das almas persistentes. É o templo da Imaculada Conceição, erguido simplesmente às custas de donativos por essas mulheres admiráveis, as Irmãs de Caridade. O interior da igreja deslumbra. O olhar abrange o recinto num êxtase contemplativo, tal o encanto que oferece”.

Fonte na Pça Benjamim Constant
Isto, sem nos afastarmos da Santos Dumont, porque todo o Oiteiro, hoje, é uma cidade dentro da cidade capital. Vilas, “chalets”, “bungalows” surgem de todos os lados, todo dia, sem exagero de afirmativa. E por isto, ali, onde há dez anos se oferecia um palmo de terra por 10$, adulando-se para comprar, não se adquire, hoje, meio palmo por menos de 200$. O Oiteiro empolga. Foi vidente o articulista de 1895. Os clichês que fixam alguns dos seus aspectos dizem tudo.


A casinha da "Aldiota". O dono: "Não vendo!"
Dentre, porém, de toda aquela suntuosidade de construções, um caso vem quebrar a harmonia do conjunto. Na Avenida Barba Alardo, no meio do calçamento, está fincada uma casinha de palha. Velha, esburacada, acachapada, gotejante. O meio fio de pedra da Municipalidade chegou ali, parou, passou adiante rumo aos novos bungalows, e a casinha ficou, desafiando o progresso e desdenhando das ricas e altaneiras. O dono mantém-se na atitude de a não vender. Quer é ali. É sua, como seu é o terreno. Não se dispõe dele por preço algum. É assim um símile do moleiro de Sans-Souci, faltando apenas, no quarto, a figura de Frederico II para se curvar ante o imperativo da evocação da Lei. Resta saber se a nossa Prefeitura está pelo caso de temer os juízes de Berlim.


Nota do Blog:
- A Av. Barba Alardo, que homenageava o governante cearense no período imperial, era a atual Av. Rui Barbosa.
- Fato curioso o funcionamento de cinema falado na Escola Jesus, Maria e José, cujo prédio as autoridades esqueceram.
- A praça do Colégio Militar, Benjamim Constant, mudou de nome para Praça da Bandeira em 1960, mais conhecida como Praça do Cristo Rei. A outra, no Centro, famosa com esse nome, chama-se Praça Clóvis Beviláqua.
- O texto deixa bem claro que a bela Igreja do Pequeno Grande pertence ao Colégio da Imaculada Conceição. E também que a Escola Doméstica funcionou no Palácio do Plácido, demolido, hoje Centro de Artesanato Luíza Távora..
Fotos: J. O./Aba Film - O Estado






Nenhum comentário:

Postar um comentário