Desaparecem dez imagens de Igreja e padre é acusado. A denúncia é dos moradores do Distrito de Siupé.
Jornal O Povo, 12 de janeiro de 1987. Texto: Nonato Albuquerque. Fotos: Jorge Henrique
Templo do século XVIII. Foto de Robério Soares (2011) |
No Ceará, pouca gente sabe da existência de um
lugar chamado Siupé. É um povoado distante 90 quilômetros da Capital, próximo
a São Gonçalo do Amarante, e com uma
população em torno de duas mil pessoas. A referência comum é feita pela EMCETUR – Empresa Cearense de
Turismo, que inclui em seu mapa turístico a visita obrigatória à Igreja de Nossa
Senhora da Soledade. Quem se der a esse trabalho terá uma surpresa nada
agradável. O péssimo estado de conservação do templo e a depredação de peças consideradas
valiosas do seu patrimônio, como imagens do século XVIII e sacrário, estão
preocupando os fiéis da localidade que exigem das autoridades religiosas uma
ação mais enérgica.
“Está tudo abandonado, roubaram quase tudo”,
acusa Teresinha Uchôa, natural da localidade e que, retornando numa visita,
deparou-se com o estado deplorável em que se encontra a igrejinha. Ela, na
opinião de Teresinha, é a sustentação do sentido religioso de um povo que vive
unicamente para “trabalhar e rezar”.
A responsável pelo cartório local, Raimunda
Correia Soares, confirma a depredação de que foi vítima a igreja, durante vários
anos. Não existe nenhum banco para que os católicos possam assistir à missa
que, geralmente, é celebrada uma vez por mês pelo vigário de São Gonçalo. É a
própria comunidade que se encarrega, nos demais dias da semana, das tarefas de
realizar a celebração do ato religioso. “Nós celebramos a missa até naquela
parte em que podemos fazer”, explica dona Mirandinha, considerando que a Igreja
é a primeira grande responsável pelo estado atual do templo.
PATRIMÔNIO ARRASADO
Imagem do descaso: mão no chão (O Povo, 1987) |
O PADRE O QUE DIZ
A revolta maior da população é com relação ao
descaso das próprias autoridades religiosas. Conta Teresinha Uchôa que, nos dia
de sua infância, a igrejinha era bem conservada. Havia o bancos que desaparecerem,
“altares com cada uma das imagens, uma grade trabalhada que separava o altar
mor dos fiéis, o sacrário e um armário com várias imagens. Arrasaram tudo”,
denuncia ela, interessada em saber o destino a que foi dado esse patrimônio.
Teresinha Uchôa conta que tudo começou com a
venda das terras da igreja pelo padre Francisco Araújo Lopes a grupos
particulares. Eles prometeram fazer muitos benefícios para a região, como a construção
de escolas, indústrias de beneficiamento de coco e outros melhoramentos. Nada
foi feito. Temendo serem desalojados de seus locais de trabalho, os agricultores
se reuniram e protestaram. Criou-se um caso nacional que levou o INCRA a desapropriação
de 3.600 hectares para o assentamento de 402 famílias. O decreto de desapropriação
foi assinado pelo então presidente João Figueiredo no dia 23 de abril de 1980, sendo
publicado no Diário Oficial exatamente dois dias depois.
As terras da igreja de Siupé, segundo moradores,
foram vendidas por “uma mixaria”: CR$ 200 milhões e o dinheiro depositado em
banco pelo padre Francisco Araújo Lopes. “Ele contou ao povo que não tocou em
nenhum tostão, que iria apenas retirar os juros para o emprego nas obras de restauração
da igreja”, conta dona Mundinha Correia. Nada foi feito, acrescenta Teresinha
Uchôa, muito embora o sacerdote tenha constatado num relatório enviado à
Arquidiocese, e que ela (Teresinha) chegou a ler, gastos com a mudança do teto,
a construção de um piso, a pintura “e outros melhoramentos, que nunca chegaram
a acontecer”.
O padre Lopes, hoje vigário do Monte Castelo,
conta que tudo isso “é conversa fiada”. “Eu reformei o teto, comprei o carro da
paróquia e isso tudo não tem mais graça. Já prestei contas com a Arquidiocese”,
defende-se o sacerdote, classificando a atitude dos moradores de “falta de
mentalidade. Eles deveriam era ajudar a reformar a igreja”. Isso parece que tem
sido feito pela comunidade.
1987: abandono ( Foto O Povo) |
NINGUÉM SE ENTENDE
Ao contrário do que afirma padre Lopes, as
obras de restauração da igreja foram patrocinadas pela Associação Comunitária
de Siupé, dirigida pelo suplente de vereador Zeferino Correia de Souza, que
garante ter construído o piso, feito pinturas das paredes e, com a ajuda dos
moradores, providenciado o retalhamento da igreja , para evitar alagamentos na
época invernosa. Mesmo assim, a situação atual da igreja é constrangedora. A
confirmar o próximo inverno e o que resta em seu interior está sujeito às chuvas,
devido ao número enorme de goteiras.
“O padre Lopes diz que fez alguma coisa pela
igreja, nunca. O que ele fez com o dinheiro da venda das terras, que deixou 402
famílias no desamparo, ninguém sabe. Empregá-lo na igreja é faltar com a
verdade”. Para ele e os demais moradores, o patrimônio construído pela igreja
durante esse tempo todo era vultoso. “Até gado em grande quantidade tinha, que
o povo oferecia à Nossa Senhora. Tudo foi arrasado”, conta um irmão de
Zeferino.
A comunidade faz questão de ressaltar que não
existe nenhum sentimento de revanche contra atos praticados pelo sacerdote
naquela localidade. Eles querem ser informados da verdade, “pois o padre anda
dizendo que fez melhoramentos na igreja, o que é uma mentira deslavada”. Espera
que as autoridades religiosas façam uma investigação. “Até o padre que vem
aqui, uma vez por outra, fala, fala, fala e ninguém entende nada”, diz outro
morador, queixando-se do celebrante Pedro Areta, um estrangeiro que é o responsável
pela paróquia. “O povo não sabe nem português, aí vem um sacerdote que celebra
em castelhano”, reclama outro morador.
LENDA DA IGREJA
A história de Siupé está muito ligada aos
indígenas do tronco Anacé, segundo historiadores. Em 1563, o português Felipe
Coelho Moraes chegou ao lugar, iniciando o seu povoamento. Por ali passaram
também os responsáveis pela primeira reforma do templo. A Igreja de Nossa Senhora
da Soledade foi edificada e decorada pelo bacharel Manoel da Cunha Figueiredo
em 1865 e teve como primeiro vigário o padre Joaquim Alves Ferreira.
A localidade de Siupé é constituída de
agricultores que vivem das culturas de subsistência, como milho, feijão, coco,
mandioca, açúcar, batata e castanha. 80 por cento dos moradores vivem da agricultura.
A construção da igreja, segundo os mais antigos, se deve a uma aparição de Nossa
Senhora num pé de gameleira, local onde foi levantada a capela. Nela, estão
enterrados muitos padres, e, segundo alguns, o fundador de Sobral.
Jornal O Povo
Nota do Blog:
Segundo o blog SGA Notícias, com fontes do pesquisador Robério Soares:
Acredita-se que a construção da igreja de Siupé
tenha se dado entre 1730 e 1737, nas terras doadas ao Sargento-mor Antônio
Marques Leito, pois a partir de 1737 foram encontradas referências a atos
litúrgicos como batizados, casamentos, enterros nos livros de assentamento da
igreja. Aqui foram sepultados vários sacerdotes e pessoas importantes do
passado, como o Padre José Moreira de Sousa, seu irmão Padre Francisco Moreira
de Sousa, além de Antônio Rodrigues Magalhães, fundador da cidade de Sobral.
Uma das mais antigas povoações do
estado, o distrito de Siupé tem muita história do Ceará e de S. G. Amarante. As
primeiras informações do homem branco datam de 1653. Ao tempo das primeiras penetrações
no território cearense, as terras onde hoje se localiza o município de São
Gonçalo do Amarante eram habitadas por índios de várias nações, principalmente
anacés – origem de Anacetaba – primeiro nome de São Gonçalo. As investidas do
português visando o povoamento da região tiveram início com a concessão das
primeiras Sesmarias na década de 1680, onde surgiram alguns núcleos
populacionais, como São Gonçalo e Siupé.
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