quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Siupé - Igreja Histórica de São Gonçalo foi Depredada

Desaparecem dez imagens de Igreja e padre é acusado. A denúncia é dos moradores do Distrito de Siupé.

Jornal O Povo, 12 de janeiro de 1987. Texto: Nonato Albuquerque. Fotos: Jorge Henrique


Templo do século XVIII. Foto de Robério Soares (2011)
 No Ceará, pouca gente sabe da existência de um lugar chamado Siupé. É um povoado distante 90 quilômetros da Capital, próximo a  São Gonçalo do Amarante, e com uma população em torno de duas mil pessoas. A referência comum  é feita pela EMCETUR – Empresa Cearense de Turismo, que inclui em seu mapa turístico a visita obrigatória à Igreja de Nossa Senhora da Soledade. Quem se der a esse trabalho terá uma surpresa nada agradável. O péssimo estado de conservação do templo e a depredação de peças consideradas valiosas do seu patrimônio, como imagens do século XVIII e sacrário, estão preocupando os fiéis da localidade que exigem das autoridades religiosas uma ação mais enérgica.
 “Está tudo abandonado, roubaram quase tudo”, acusa Teresinha Uchôa, natural da localidade e que, retornando numa visita, deparou-se com o estado deplorável em que se encontra a igrejinha. Ela, na opinião de Teresinha, é a sustentação do sentido religioso de um povo que vive unicamente para “trabalhar e rezar”.

 A responsável pelo cartório local, Raimunda Correia Soares, confirma a depredação de que foi vítima a igreja, durante vários anos. Não existe nenhum banco para que os católicos possam assistir à missa que, geralmente, é celebrada uma vez por mês pelo vigário de São Gonçalo. É a própria comunidade que se encarrega, nos demais dias da semana, das tarefas de realizar a celebração do ato religioso. “Nós celebramos a missa até naquela parte em que podemos fazer”, explica dona Mirandinha, considerando que a Igreja é a primeira grande responsável pelo estado atual do templo.

 PATRIMÔNIO ARRASADO


 
Imagem do descaso: mão no chão (O Povo, 1987)
Pelo que ela pôde se lembrar, a Igreja de Nossa Senhora da Soledade já viveu tempos mais felizes. No passado havia um total de dez imagens de santos, contando com a padroeira, todas em estilo original e de grande valor histórico. “Um padre chegou a dizer-me, certa feita, que aquelas coroas das imagens eram de ouro puro”. Não só a coroa hoje como as imagens hoje desapareceram. Peças trabalhadas como o sacrário que foi instalado desde a fundação da igrejinha sumiram sem que fossem dadas explicações nenhuma à comunidade. Os moradores de Siupé contam que esses desaparecimentos não se devem apenas a atos de vândalos. O agricultor José Flor de Alcântara recorda, por exemplo, que na época em que ocorriam mais saques aos templos religiosos do interior, a população inteira de Siupé chegou a fazer vigílias noturnas para evitar o roubo de imagens caríssimas do templo. “Na época, o povo se cansou de passar noite e madrugada aqui em frente à igreja com medo que os ladrões viessem roubar as imagens”. Tanto zelo e preocupação, porém, resultaram em nada. A igrejinha de Nossa Senhora da Soledade não resistiu à sanha dos depredadores e todo o seu patrimônio foi devastado. Restam hoje uma imagem da padroeira - “a verdadeira foi levada para Roma pelos padres”, cita a professora Isabelle Brás Peixoto da Silva, numa monografia sobre a localidade, elaborada pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará – uma de Nossa Senhora das Dores e um Coração de Jesus, arrasado pelo tempo e pela má conservação.


O PADRE O QUE DIZ

 A revolta maior da população é com relação ao descaso das próprias autoridades religiosas. Conta Teresinha Uchôa que, nos dia de sua infância, a igrejinha era bem conservada. Havia o bancos que desaparecerem, “altares com cada uma das imagens, uma grade trabalhada que separava o altar mor dos fiéis, o sacrário e um armário com várias imagens. Arrasaram tudo”, denuncia ela, interessada em saber o destino a que foi dado esse patrimônio.

 Teresinha Uchôa conta que tudo começou com a venda das terras da igreja pelo padre Francisco Araújo Lopes a grupos particulares. Eles prometeram fazer muitos benefícios para a região, como a construção de escolas, indústrias de beneficiamento de coco e outros melhoramentos. Nada foi feito. Temendo serem desalojados de seus locais de trabalho, os agricultores se reuniram e protestaram. Criou-se um caso nacional que levou o INCRA a desapropriação de 3.600 hectares para o assentamento de 402 famílias. O decreto de desapropriação foi assinado pelo então presidente João Figueiredo no dia 23 de abril de 1980, sendo publicado no Diário Oficial exatamente dois dias depois.

 As terras da igreja de Siupé, segundo moradores, foram vendidas por “uma mixaria”: CR$ 200 milhões e o dinheiro depositado em banco pelo padre Francisco Araújo Lopes. “Ele contou ao povo que não tocou em nenhum tostão, que iria apenas retirar os juros para o emprego nas obras de restauração da igreja”, conta dona Mundinha Correia. Nada foi feito, acrescenta Teresinha Uchôa, muito embora o sacerdote tenha constatado num relatório enviado à Arquidiocese, e que ela (Teresinha) chegou a ler, gastos com a mudança do teto, a construção de um piso, a pintura “e outros melhoramentos, que nunca chegaram a acontecer”.

 O padre Lopes, hoje vigário do Monte Castelo, conta que tudo isso “é conversa fiada”. “Eu reformei o teto, comprei o carro da paróquia e isso tudo não tem mais graça. Já prestei contas com a Arquidiocese”, defende-se o sacerdote, classificando a atitude dos moradores de “falta de mentalidade. Eles deveriam era ajudar a reformar a igreja”. Isso parece que tem sido feito pela comunidade.


1987: abandono ( Foto O Povo)


NINGUÉM SE ENTENDE


 Ao contrário do que afirma padre Lopes, as obras de restauração da igreja foram patrocinadas pela Associação Comunitária de Siupé, dirigida pelo suplente de vereador Zeferino Correia de Souza, que garante ter construído o piso, feito pinturas das paredes e, com a ajuda dos moradores, providenciado o retalhamento da igreja , para evitar alagamentos na época invernosa. Mesmo assim, a situação atual da igreja é constrangedora. A confirmar o próximo inverno e o que resta em seu interior está sujeito às chuvas, devido ao número enorme de goteiras.

 “O padre Lopes diz que fez alguma coisa pela igreja, nunca. O que ele fez com o dinheiro da venda das terras, que deixou 402 famílias no desamparo, ninguém sabe. Empregá-lo na igreja é faltar com a verdade”. Para ele e os demais moradores, o patrimônio construído pela igreja durante esse tempo todo era vultoso. “Até gado em grande quantidade tinha, que o povo oferecia à Nossa Senhora. Tudo foi arrasado”, conta um irmão de Zeferino.

 A comunidade faz questão de ressaltar que não existe nenhum sentimento de revanche contra atos praticados pelo sacerdote naquela localidade. Eles querem ser informados da verdade, “pois o padre anda dizendo que fez melhoramentos na igreja, o que é uma mentira deslavada”. Espera que as autoridades religiosas façam uma investigação. “Até o padre que vem aqui, uma vez por outra, fala, fala, fala e ninguém entende nada”, diz outro morador, queixando-se do celebrante Pedro Areta, um estrangeiro que é o responsável pela paróquia. “O povo não sabe nem português, aí vem um sacerdote que celebra em castelhano”, reclama outro morador.

LENDA DA IGREJA


 A história de Siupé está muito ligada aos indígenas do tronco Anacé, segundo historiadores. Em 1563, o português Felipe Coelho Moraes chegou ao lugar, iniciando o seu povoamento. Por ali passaram também os responsáveis pela primeira reforma do templo. A Igreja de Nossa Senhora da Soledade foi edificada e decorada pelo bacharel Manoel da Cunha Figueiredo em 1865 e teve como primeiro vigário o padre Joaquim Alves Ferreira.
 A localidade de Siupé é constituída de agricultores que vivem das culturas de subsistência, como milho, feijão, coco, mandioca, açúcar, batata e castanha. 80 por cento dos moradores vivem da agricultura. A construção da igreja, segundo os mais antigos, se deve a uma aparição de Nossa Senhora num pé de gameleira, local onde foi levantada a capela. Nela, estão enterrados muitos padres, e, segundo alguns, o fundador de Sobral.
                                                                                                                                          Jornal O Povo

Nota do Blog:

Segundo o blog SGA Notícias, com fontes do pesquisador Robério Soares:


 Acredita-se que a construção da igreja de Siupé tenha se dado entre 1730 e 1737, nas terras doadas ao Sargento-mor Antônio Marques Leito, pois a partir de 1737 foram encontradas referências a atos litúrgicos como batizados, casamentos, enterros nos livros de assentamento da igreja. Aqui foram sepultados vários sacerdotes e pessoas importantes do passado, como o Padre José Moreira de Sousa, seu irmão Padre Francisco Moreira de Sousa, além de Antônio Rodrigues Magalhães, fundador da cidade de Sobral.
Uma das mais antigas povoações do estado, o distrito de Siupé tem muita história do Ceará e de S. G. Amarante. As primeiras informações do homem branco datam de 1653. Ao tempo das primeiras penetrações no território cearense, as terras onde hoje se localiza o município de São Gonçalo do Amarante eram habitadas por índios de várias nações, principalmente anacés – origem de Anacetaba – primeiro nome de São Gonçalo. As investidas do português visando o povoamento da região tiveram início com a concessão das primeiras Sesmarias na década de 1680, onde surgiram alguns núcleos populacionais, como São Gonçalo e Siupé.


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