quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Fortaleza - Os Prédios que Marcaram

O QUE CERTOS PRÉDIOS RECORDAM


Jornal O Estado. Fortaleza, 5 de dezembro de 1937 - Por HENRIQUE DA VEIGA
“Não se embarca mais escravo!” -  Morada da Justiça - “Forno da Padaria” - Telégrafos e Telefones - A Tragédia do Bacamarte - Já foi Palácio - Onde nasceu o gênio da “Electra” - A Famosa Botica.


Matéria de Henrique da Veiga - 1937
Não faz um mês, Felix Lima escreveu em “Caras e Caretas”, de Buenos Aires, interessantes recordações de “La Calle Larga de La Recoleta”, um encanto de reminiscências da antiga capital portenha. São gratas essas recordações. Revivem locais, figuras, fatos do passado, às vezes de decisiva influência no futuro. Em todos os países, mesmo ante o imperativo do urbanismo iconoclasta, procura-se, quanto possível, respeitar lugares, prédios, objetos ligados à história. Na França, dizem que se fez uma curva na rua para evitar o decepamento de uma árvore, sob cuja copa o autor de “Os Miseráveis” costumava escrever. Na Inglaterra, a casa em que Newton nasceu foi demolida, mas no local ficou uma placa lembrando a “Newton House”. Assim por diante...
 Nós, também, da relatividade histórica da vida fortalezense, temos alguma coisa que deve ser lembrada, como por exemplo:


 TEATRINHO DO GRITO LIBERTADOR


1881 - No antigo Teatro São José, o grito pela abolição
Essas casas conjugadas na rua Senador Pompeu, n°s 941 e 953 tiveram a sua época de ouro há meio século, quando da eclosão do grande movimento cívico da abolição que, sacudindo a alma nacional, de norte a sul, conquistou para o Ceará um lugar de relevo na História. Nessas duas casas fundou-se o teatrinho “São José”, onde foram levadas à cena peças que faziam vibrar de entusiasmo os nossos maiores, como “Os Sinos de Cornevile” e outros. Não obstante, as pinturas novas conservam os antigos característicos arquitetônicos, e uma delas, a de n° 941, ostenta o mesmo portão largo, de estilo, por onde passou toda uma geração vibrante e patriota, que se recreava com a arte de Talma, desconhecendo os truques do cinema e a história, nem sempre edificante, dos “astros” e das “estrelas” pagos de Hollywood. Não guarda a crônica desse teatrinho, entretanto, senão um fato cujas consequências, do ponto de vista sócio-político-econômico, foram deveras marcantes na vida cearense.

 Ali, na noite de 26 de janeiro do 1881, José do Amaral e outros próceres abolicionistas firmaram um pacto, que foi o passo decisivo para a repressão à escravocracia, de que “no porto do Ceará não embarca mais escravos!” É posto logo em prática, logo na manhã seguinte, pelo grande chefe do movimento manumissor , com o valioso concurso de Nascimento: José Napoleão, José Barros Silva e outros, segundo reza a Ata da Sessão Magna da Perseverança e Povir”. Foi, pois, dessa casa que partiu o grito de rebeldia à negregada instituição legal de se comprar e vender gente como se compra e vende irracionais.

 E a propósito de teatro e abolição, justo é assinalar, também, a existência de outro - o teatrinho, “S. Luís”- cuja sede eram uma casinha onde é hoje a residência do sr. Ulisses Borges, antiga do dr. João Moreira, esquina vis-à-vis com a Santa Casa. Ali, a ideia manumissora teve, igualmente, impulsos precipitantes, e tal era o entusiasmo que a peça “A Cabana do Pai Tomaz”, encenada pela Companhia Guimarães, teve 52 apresentações! A separação das casas foi feita pelo seu proprietário, o Barão de Ibiapina. Assim divididas rendiam mais...


O Palácio da Justiça


Trib. de Relação

 O Tribunal da Relação sempre funcionou em casa assombrada. Instalado a 3 de fevereiro de 1874, no Paço da Assembleia Legislativa, passou a funcionar no sobrado n° 28 da rua Senador Pompeu, transferindo-se a 17 de abril de 1875 para esse que aí está, à rua Major Facundo 156, onde é hoje, no baixo, a casa comercial de J. Felinto & Cia, e nos altos uma pensão. Nesse velho sobrado, de propriedade do cel. José Gentil, o Tribunal esteve por cerca de 40 anos, por ali passando figuras de alta projeção no mundo jurídico, na Magistratura, no Direito. Verdadeiros luminares da Ciência de Ulpiano, como o são hoje - vale dizê-lo – os seus sucessores na distribuição da Justiça. Ali funcionou, também, a Prefeitura.




O telégrafo



Telégrafos: olhando para a Sé
A história dos Correios e Telégrafos no Ceará está resumida numa edição especial de “O Nordeste” quando da sua inauguração, na Praça Capistrano de Abreu, no majestoso palácio de cimento e vidro, mandado construir pelo ministro José Américo.
 Apesar disso, poucos se lembram que o telégrafo, inaugurado em Fortaleza em 17 de fevereiro de 1878, com uma linha para Aracati, o foi nessa casa de esquina da Praça da Sé, onde hoje funciona um bilhar, a primeira, lado ímpar da rua Castro e Silva, n° 5. Desse tempo, ainda existe um funcionário, Alfredo Barbosa Leite.





O Forno da Padaria


A casa, à rua Barão do Rio Branco, sob n° 1001, tem sua história na crônica literária do Ceará. Foi aí que se instalou e funcionou por algum tempo a mais brilhante, fecunda e original sociedade de letras do norte do país - a” Padaria Espiritual”, tão decantada, citada e glorificada através de notáveis trabalhos de Rodrigues de Carvalho, José Luís de Castro, Ronald de Carvalho, Leonardo Mota e outros, e vivida ainda hoje na pessoa, por todos os títulos, de Antônio Sales, que é a crônica, em si mesmo, de todo o movimento intelectual do Ceará nos últimos decênios. Tinha o prédio o n° 105, e as paredes ostentavam alegorias com os nomes dos “padeiros”, traçados pelo rutilante pincel de Luís Sá, o “Corregio Del Sarto” da turma. A venda do “pão” dava para as despesas do aluguel do “forno”, e o proprietário, o Bruno, antigo dono do hoje Casa Parente (edifício), por gostar de outras “massas” pôs a Padaria no olho da rua. E a consciência burguesa, com o automatismo do caiador, fez passar mão de cal pelas paredes, apagando para sempre a obra de arte e inteligência de Luís Sá. Hoje, no ano de 1937, o “forno” é depósito de móveis. Mas mesmo assim merecia uma placa que indique às novas gerações onde nasceu e viveu por algum tempo uma das sociedades que mais influíram no movimento intelectual do país.


Telefones


Na antiga Casa Confúcio, 1° telefone
A 11 de fevereiro de 1883, sendo presidente da Província o depois Barão de Guapará, que, aliás, nada tem com o peixe, inaugurava-se “a primeira linha telefônica, ficando acertada entre o estabelecimento comercial de Confúcio Pamplona, à rua Major Facundo 59, e a casa de José Joaquim de Farias, no largo da Alfândega”, diz o Barão de Studart e adianta o “ Cearense”: “Por essa ocasião, trocaram-se diversas felicitações entre negociantes e particulares, tendo funcionado com a maior regularidade os aparelhos sentados”. Este “sentados” não sei de onde vem, e quanto à marca dos aparelhos nenhuma linha noticiário da época. O que posso garantir é que muita gente, ao chegar o auditor ao ouvido e escutar a voz que vinha lá da Praça da Alfândega, há de ter experimentado a mesma sensação de espanto de D. Pedro II quando examinava, na Exposição de Filadélfia, o “invento falante” de Graham Bell. A Casa Confúcio fez, portanto, papel que vai fazer aquele elegante prédio da Praça dos Voluntários, que, dizem, servirá de testa da futura Prefeitura. Segundo pude colher, por alguém autorizado, o Confúcio era ali onde está a casa, também de ferragens, de J. Torquato & Cia.


Facundo



A residência de João Facundo tornou-se Casa Villar

Não se pense que vou tratar da obra de Mitre. Refiro-me ao maior vulto da política provincial cearense nos primórdios do Império: o major João Facundo de Castro Meneses, assassinado traiçoeiramente,  a tiros de bacamarte, na noite de 8 de dezembro de 1841, ao que se diz, a mandado da esposa do presidente José Joaquim Coelho, português que morreu Barão da Vitória, não sei por que cargas d’água. Sei - e já estive com os volumosos autos do processo em mãos - que, à boquinha da noite, quando se festejava o dia de Nossa Senhora da Conceição, na Prainha, Facundo mal chegava à janela de sua residência, ali onde estão as casas Vilar e Singer, quando o primeiro tiro roncou. E não dera tempo a indagar da esposa sobra a segunda bacamartada, prostrava-o, fulminando-o e ferindo a sua mártir companheira. Ao assassinos, Jacarandá e Cia, estavam escondidos num matagal ali onde é hoje o Banco Caixeiral, mais ou menos. Nem é bom imaginar o que foi aquela noite sinistra, na pacatez provincial de Fortaleza de então.


VOVÔ


Pl. do Comandante das Armas
Prédio histórico
Esse é o vovô dos prédios outrora públicos. Vem do tempo colonial e já teve honras de Palácio com “P” grande. Era ali que residiam ao comandantes das Armas, que é, assim como quem diz, a segunda pessoa do governo, o comandante em chefe das forças militares. Um deles foi o coronel Silva Paulet, que traçou a planta de Fortaleza, substituído em 1824 por famoso português, tenente -coronel Conrado Jacob de Niemeyer, o carrasco de Pessoa Anta, Bolão, Carapinima e Padre Mororó. Fica na Praça da Sé, e conquanto esteja com o frontal modificado, todo o resto fala de três séculos. Hoje, só o Palácio do Governo e a Intendência pegam parelhas com ele em vetustez e sentido histórico.




O BOTICÁRIO


Antônio Rodrigues Ferreira é um nome que não passará na história fortalezense tais os serviços prestados à nossa capital, que lhe prestou a justa homenagem de assim chamar a nossa Praça-coração. Era português,  boticário e político, mas, mais político que boticário. A sua botica era ali onde é hoje a “Farmácia Galeno”, e nessa farmácia toda noite reunia-se a rodinha - o Banco de então – dos correligionários gerais. Ficava em frente o célebre “Beco do Cotovelo”, e muitas conversas dos próceres políticos pegadas do tal beco. Dizem até que, de certa feita, o padre Verdeixa, disfarçado de vendedor de capim, arreou a carga defronte à rodinha e ouviu tudo, repetindo no dia seguinte, pelo jornal, as histórias escutadas dos adversários.


Rua da Palma (Major Facundo). Olhando para o Beco do Cotovelo, a Botica do Ferreira, depois Farmácia Galeno


Fotos: Jornal O Estado ( de José Martins Rodrigues) - 1937



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