O QUE CERTOS PRÉDIOS RECORDAM
Jornal O Estado. Fortaleza, 5 de dezembro de 1937 - Por
HENRIQUE DA VEIGA
“Não se embarca mais escravo!” - Morada da Justiça - “Forno da Padaria” -
Telégrafos e Telefones - A Tragédia do Bacamarte - Já foi Palácio - Onde nasceu
o gênio da “Electra” - A Famosa Botica.
Matéria de Henrique da Veiga - 1937 |
Nós, também, da
relatividade histórica da vida fortalezense, temos alguma coisa que deve ser
lembrada, como por exemplo:
TEATRINHO DO GRITO LIBERTADOR
1881 - No antigo Teatro São José, o grito pela abolição |
Essas casas
conjugadas na rua Senador Pompeu, n°s 941 e 953 tiveram a sua época de ouro há
meio século, quando da eclosão do grande movimento cívico da abolição que,
sacudindo a alma nacional, de norte a sul, conquistou para o Ceará um lugar de
relevo na História. Nessas duas casas fundou-se o teatrinho “São José”, onde
foram levadas à cena peças que faziam vibrar de entusiasmo os nossos maiores,
como “Os Sinos de Cornevile” e outros. Não obstante, as pinturas novas
conservam os antigos característicos arquitetônicos, e uma delas, a de n° 941,
ostenta o mesmo portão largo, de estilo, por onde passou toda uma geração
vibrante e patriota, que se recreava com a arte de Talma, desconhecendo os
truques do cinema e a história, nem sempre edificante, dos “astros” e das
“estrelas” pagos de Hollywood. Não guarda a crônica desse teatrinho, entretanto,
senão um fato cujas consequências, do ponto de vista sócio-político-econômico,
foram deveras marcantes na vida cearense.
Ali, na noite de 26
de janeiro do 1881, José do Amaral e outros próceres abolicionistas firmaram um
pacto, que foi o passo decisivo para a repressão à escravocracia, de que “no
porto do Ceará não embarca mais escravos!” É posto logo em prática, logo na
manhã seguinte, pelo grande chefe do movimento manumissor , com o valioso
concurso de Nascimento: José Napoleão, José Barros Silva e outros, segundo reza
a Ata da Sessão Magna da Perseverança e Povir”. Foi, pois, dessa casa que
partiu o grito de rebeldia à negregada instituição legal de se comprar e vender
gente como se compra e vende irracionais.
E a propósito de
teatro e abolição, justo é assinalar, também, a existência de outro - o
teatrinho, “S. Luís”- cuja sede eram uma casinha onde é hoje a residência do
sr. Ulisses Borges, antiga do dr. João Moreira, esquina vis-à-vis com a Santa
Casa. Ali, a ideia manumissora teve, igualmente, impulsos precipitantes, e tal
era o entusiasmo que a peça “A Cabana do Pai Tomaz”, encenada pela Companhia
Guimarães, teve 52 apresentações! A separação das casas foi feita pelo seu
proprietário, o Barão de Ibiapina. Assim divididas rendiam mais...
O Palácio da Justiça
Trib. de Relação |
O Tribunal da Relação
sempre funcionou em casa assombrada. Instalado a 3 de fevereiro de 1874, no
Paço da Assembleia Legislativa, passou a funcionar no sobrado n° 28 da rua
Senador Pompeu, transferindo-se a 17 de abril de 1875 para esse que aí está, à
rua Major Facundo 156, onde é hoje, no baixo, a casa comercial de J. Felinto
& Cia, e nos altos uma pensão. Nesse velho sobrado, de propriedade do cel.
José Gentil, o Tribunal esteve por cerca de 40 anos, por ali passando figuras
de alta projeção no mundo jurídico, na Magistratura, no Direito. Verdadeiros
luminares da Ciência de Ulpiano, como o são hoje - vale dizê-lo – os seus
sucessores na distribuição da Justiça. Ali funcionou, também, a Prefeitura.
O telégrafo
Telégrafos: olhando para a Sé |
Apesar disso, poucos
se lembram que o telégrafo, inaugurado em Fortaleza em 17 de fevereiro de 1878,
com uma linha para Aracati, o foi nessa casa de esquina da Praça da Sé, onde
hoje funciona um bilhar, a primeira, lado ímpar da rua Castro e Silva, n° 5.
Desse tempo, ainda existe um funcionário, Alfredo Barbosa Leite.
O Forno da Padaria
A casa, à rua Barão do Rio Branco, sob n° 1001, tem sua história na crônica literária do Ceará. Foi aí que se instalou e funcionou por algum tempo a mais brilhante, fecunda e original sociedade de letras do norte do país - a” Padaria Espiritual”, tão decantada, citada e glorificada através de notáveis trabalhos de Rodrigues de Carvalho, José Luís de Castro, Ronald de Carvalho, Leonardo Mota e outros, e vivida ainda hoje na pessoa, por todos os títulos, de Antônio Sales, que é a crônica, em si mesmo, de todo o movimento intelectual do Ceará nos últimos decênios. Tinha o prédio o n° 105, e as paredes ostentavam alegorias com os nomes dos “padeiros”, traçados pelo rutilante pincel de Luís Sá, o “Corregio Del Sarto” da turma. A venda do “pão” dava para as despesas do aluguel do “forno”, e o proprietário, o Bruno, antigo dono do hoje Casa Parente (edifício), por gostar de outras “massas” pôs a Padaria no olho da rua. E a consciência burguesa, com o automatismo do caiador, fez passar mão de cal pelas paredes, apagando para sempre a obra de arte e inteligência de Luís Sá. Hoje, no ano de 1937, o “forno” é depósito de móveis. Mas mesmo assim merecia uma placa que indique às novas gerações onde nasceu e viveu por algum tempo uma das sociedades que mais influíram no movimento intelectual do país.
Telefones
Na antiga Casa Confúcio, 1° telefone |
A 11 de fevereiro de
1883, sendo presidente da Província o depois Barão de Guapará, que, aliás, nada
tem com o peixe, inaugurava-se “a primeira linha telefônica, ficando acertada
entre o estabelecimento comercial de Confúcio Pamplona, à rua Major Facundo 59,
e a casa de José Joaquim de Farias, no largo da Alfândega”, diz o Barão de
Studart e adianta o “ Cearense”: “Por essa ocasião, trocaram-se diversas
felicitações entre negociantes e particulares, tendo funcionado com a maior
regularidade os aparelhos sentados”. Este “sentados” não sei de onde vem, e
quanto à marca dos aparelhos nenhuma linha noticiário da época. O que posso
garantir é que muita gente, ao chegar o auditor ao ouvido e escutar a voz que
vinha lá da Praça da Alfândega, há de ter experimentado a mesma sensação de
espanto de D. Pedro II quando examinava, na Exposição de Filadélfia, o “invento
falante” de Graham Bell. A Casa Confúcio fez, portanto, papel que vai fazer
aquele elegante prédio da Praça dos Voluntários, que, dizem, servirá de testa da
futura Prefeitura. Segundo pude colher, por alguém autorizado, o Confúcio era
ali onde está a casa, também de ferragens, de J. Torquato & Cia.
Facundo
A residência de João Facundo tornou-se Casa Villar |
Não se pense que vou
tratar da obra de Mitre. Refiro-me ao maior vulto da política provincial
cearense nos primórdios do Império: o major João Facundo de Castro Meneses,
assassinado traiçoeiramente, a tiros de
bacamarte, na noite de 8 de dezembro de 1841, ao que se diz, a mandado da
esposa do presidente José Joaquim Coelho, português que morreu Barão da
Vitória, não sei por que cargas d’água. Sei - e já estive com os volumosos
autos do processo em mãos - que, à boquinha da noite, quando se festejava o dia
de Nossa Senhora da Conceição, na Prainha, Facundo mal chegava à janela de sua
residência, ali onde estão as casas Vilar e Singer, quando o primeiro tiro
roncou. E não dera tempo a indagar da esposa sobra a segunda bacamartada, prostrava-o,
fulminando-o e ferindo a sua mártir companheira. Ao assassinos, Jacarandá e Cia,
estavam escondidos num matagal ali onde é hoje o Banco Caixeiral, mais ou
menos. Nem é bom imaginar o que foi aquela noite sinistra, na pacatez
provincial de Fortaleza de então.
VOVÔ
Pl. do Comandante das Armas Prédio histórico |
Esse é o vovô dos
prédios outrora públicos. Vem do tempo colonial e já teve honras de Palácio com
“P” grande. Era ali que residiam ao comandantes das Armas, que é, assim como
quem diz, a segunda pessoa do governo, o comandante em chefe das forças
militares. Um deles foi o coronel Silva Paulet, que traçou a planta de
Fortaleza, substituído em 1824 por famoso português, tenente -coronel Conrado
Jacob de Niemeyer, o carrasco de Pessoa Anta, Bolão, Carapinima e Padre Mororó.
Fica na Praça da Sé, e conquanto esteja com o frontal modificado, todo o resto
fala de três séculos. Hoje, só o Palácio do Governo e a Intendência pegam
parelhas com ele em vetustez e sentido histórico.
O BOTICÁRIO
Antônio Rodrigues Ferreira é um nome que não passará na
história fortalezense tais os serviços prestados à nossa capital, que lhe
prestou a justa homenagem de assim chamar a nossa Praça-coração. Era português, boticário e político, mas, mais político que
boticário. A sua botica era ali onde é hoje a “Farmácia Galeno”, e nessa
farmácia toda noite reunia-se a rodinha - o Banco de então – dos correligionários
gerais. Ficava em frente o célebre “Beco do Cotovelo”, e muitas conversas dos
próceres políticos pegadas do tal beco. Dizem até que, de certa feita, o padre
Verdeixa, disfarçado de vendedor de capim, arreou a carga defronte à rodinha e
ouviu tudo, repetindo no dia seguinte, pelo jornal, as histórias escutadas dos
adversários.
Rua da Palma (Major Facundo). Olhando para o Beco do Cotovelo, a Botica do Ferreira, depois Farmácia Galeno Fotos: Jornal O Estado ( de José Martins Rodrigues) - 1937 |
Nenhum comentário:
Postar um comentário