J. Lucas Jr é escritor, professor, bancário, pesquisador e memorialista. O blog, de Fortaleza CE, enfoca os acontecimentos históricos, prevalendo a história do Ceará.
terça-feira, 23 de outubro de 2018
quarta-feira, 17 de outubro de 2018
Fortaleza E.C. 100 Anos. A Origem do Clube da Belle Époque
Território dos Gentios
(FEC) |
O ex-soldado Martim Soares Moreno, nomeado primeiro capitão-mor, fundou, na Barra do Ceará, o Forte de São Sebastião em 1612, contando com uma ermida, sob evocação de Nossa Senhora do Amparo, aos cuidados de um padre, solicitação sua ao El-Rei. Seria o fundamento para a colonização pretendida em 1603, frustrada devido à falta de recursos e um projeto sem continuidade. Contudo, suas ausências, devido às campanhas no Maranhão, Rio Grande do Norte, Bahia e moradia em Pernambuco, deixaram o Ceará entregue a um corpo policial praticamente desprotegido.
Apenas em 1621 Moreno introduziu a criação de gado vacum, equino e o cultivo da cana de açúcar. Mas a incompetência do sucessor no comando do forte, Domingos da Veiga Cabral, seu sobrinho, indispondo-se com os portugueses e com os índios da Barra do Ceará, puseram freio à tentativa de colonização progressiva.
Fortaleza Holandesa
A colonização criou corpo durante o segundo capítulo da presença holandesa, ou seja, com Mathias Beck, a partir de 1649. Uma pequena vila surgiu em volta da fortificação que ele criou, aproveitando as estacas do antigo São Sebastião, no "Marajaig", atual 10° Região Militar, destacando-se o Riacho Pajeú ainda com águas puras. A presença flamenga primeiramente se voltou ao estudo e exploração de minérios. Após a negativa dos achados, introduziu uma administração organizada de acordo com as regras da capital do Brasil Holandês, Pernambuco, por sinal avançadas. Protestante e em choque com os judeus, deixou pacificamente o Ceará em 1654, após a rendição do príncipe Maurício de Nassau frente aos portugueses.
Álvaro de Azevedo Barreto, capitão-mor, tratou de mudar o nome do forte para Nossa Senhora da Assunção e avançar no povoamento, mas esqueceu dos índios e com eles teve um péssimo relacionamento. O Ceará pertencia ao Maranhão desde 1621, passando para a capitania de Pernambuco em 1656, permanecendo até 1799. Um período de negligência portuguesa e de estagnação econômica e social. Sua autonomia a partir daquele ano finalmente permitiu um avanço, ainda que lento, rumo ao progresso.
Produção e Comércio
A partir daquele século, com a consolidação da pecuária no solo cearense, a economia local experimentou a sua primeira etapa de crescimento. As charqueadas, oficinas de carnes salgadas, enriqueceu muitas famílias nobres, surgindo estradas e portos marítimos para evacuar as produções. Em seguida a bonança do algodão, o “ouro branco”, no século XIX, e o surgimento da estrada de ferro ativaram o comércio nas grandes cidades, partindo Fortaleza para destaque de maior centro econômico do Estado. Evidenciava-se a riqueza concentrada em comerciantes, uma sociedade elitizada e influenciada pela cultura francesa, um período de inspiração francesa conhecido por “Belle Époque”.
Foot-Ball
(Campo do Passeio Público, 1904 - Instituto do Ceará)
|
Prof. José Silveira (Correio do Ceará) |
Stella e Fortaleza
Segundo José Silveira, em 1908, após o retorno de estudantes cearenses que estudavam na Europa, foi fundado o Stella Foot-Ball Club por João da Frota Gentil, futuro diretor geral do Banco Frota Gentil e fundador do Colégio São João. Possuía o nome da escola e time em que os cearenses estudavam e jogavam, Stella Matutina, em Feldkirch. Curioso que essa cidade pertence à Áustria, podendo haver um erro histórico quando associamos ao país vizinho. As cores, branca e vermelha, lembravam as da bandeira suíça ou austríaca. Os demais jovens dirigentes eram: Adriano Deodato Martins, Bruno Menescal, José Raimundo da Costa, Oscar Loureiro, Pedro Albano, Paulo Menescal , Ademar Albuquerque e ele, Zé Silveira. Disputava jogos no Passeio Público e na Praça da Lagoinha.
Assim permaneceu por anos, quando, em 1912, época em que passou a ser usado o Campo do Prado, no Benfica, destacavam-se o English Teen (cearense fundado em 1908) e o Rio Negro. Contudo, ainda naquele ano surgiriam o Maranguape e o Rio Branco, que originou o Ceará Sporting Club, o rival do Stella Foot-Ball Club, que fincou as bases da fundação do Fortaleza Esporte Clube (Sporting na época), sendo um braço de uma equipe amadora da época, o Fortaleza Foot-Ball Club, fundado por Alcides Santos, cuja existência foi registrada pela revista carioca O Malho durante um amistoso contra o Almirante Barroso, time de marinheiros do Rio de Janeiro, em 1914.
Alcides Santos (Instituto do Ceará) |
Em 18 de outubro de 1918, Alcides Santos, então com 29 anos, funda o Fortaleza Esporte Clube e revoluciona o futebol cearense, investindo na infraestrutura e beneficiando não apenas o seu Clube como o conjunto que fazia o esporte local. Doou o terreno no Alagadiço (atual Av. Bezerra de Menezes), mais espaçoso do que o do Passeio Publico, o do Campo do Prado (ao lado do futuro PV) e fundou a Associação Desportiva Cearense (ADC), o primeiro órgão federativo oficial do Estado, em 1920. Pela efervescência do glamour francês de então, suas cores tricolores são alusivas à bandeira daquele país. Os dirigentes eram os mesmos do Stella mais Clóvis Gaspar, Jayme Albuquerque, Clóvis Moura e Walter Olsen, de família dinamarquesa estabelecida na cidade. O futuro do Clube o Brasil é testemunha. Só emoção e orgulho para a sua apaixonada torcida.
José Silveira, o introdutor do futebol cearense e jogador do Stella.
Filho de José Maria Silveira e de Glória Maria Carneiro Silveira, portugueses, José Silveira nasceu em Fortaleza em 29 de setembro de 1882. Partiu para a Europa em 1898, aos 16 anos, para estudar no Instituto Internacional Dr. Schmidit, na Suíça, estando ao lado de colegas de diversas nacionalidades. Com o futebol local em evidência, jogou como center-half (volante) pelo Rosemberg FC, pertencente à instituição, que seria a segunda maior força do País, superada pelo Grasshopper (Gafanhoto).
De volta à terra alencarina, municiado de bolas e com o livro de regras, constatando que os conterrâneos não sabiam praticar o esporte, procurou um inglês, sócio da firma Leite Barbosa, marinheiros e engenheiros ingleses para um racha contra os cearenses, que contavam com o próprio, Zé, mais Prisco Cruz, Julio Sá, Marcondes Ferraz, J. Queiroz, J. Henrique e quem se dispusesse a encarar o sol e a nova modalidade esportiva. Isso no segundo piso do Passeio Público, em frente ao Gasômetro, que ficava na descida da Santa Casa de Misericórdia, sentido praia. 2x1 para os ingleses.
José Silveira concluiu estudos em Fortaleza em 1909, na Faculdade de Direito. Professor de Línguas do Liceu do Ceará e da Escola Normal, lecionou por cinquenta anos. Falava inglês, francês, espanhol, alemão e italiano. Disse para o Correio do Ceará em 1963: “Dediquei a minha vida ao nobre ofício de ensinar, mas faço questão de frisar: nunca pedi emprego ou posição para mim. Devido a esse retraimento sempre fui um esquecido”.
Foi prefeito de Trairi CE e deputado estadual.
Fontes: História do Campeonato Cearense de Futebol (Nirez), Jornal Correio do Ceará (1963) e Jornal A República (1903).
sexta-feira, 4 de maio de 2018
Trairi CE, 14 de agosto de 1974. O Centenário de Livramento.
O momento foi por demais aguardado. Nas missas, Padre Tomás Féliu ministrava os preparativos para a solenidade tão louvada. Católicos, irmandades, o bispado do Ceará, o conjunto em torno da veneração por uma Santa estava mobilizado. Um pedaço da história do Estado traçava mais algumas linhas para o futuro. Dificilmente havia um trairiense que não soubesse o que se passava. No mercado, no comércio, nas praias, escolas e comunidades do sertão a conversa era única: a Paróquia de Nossa Senhora do Livramento estava completando cem anos.
Aquele 14 de agosto caiu numa quarta-feira, fato que não tirou o brilho de um evento histórico. Cem anos de Vila e Paróquia de Nossa Senhora do Livramento. Uma verdadeira massa de fiéis presente, lembrando os festejos religiosos do fim de ano, com representações de todas as comunidades. Autoridades de diversas esferas sociais presentes, como o ex Bispo Auxiliar de Fortaleza, D. Raimundo de Castro e Silva; do Pe. Windemburg Santana (Superior Provincial da Companhia de Jesus), de vários ex vigários da paróquia; do vigário de Baturité, Pe. Hugo Furtado, descendente de Dona Maria Furtado; do presidente da Assembleia Legislativa, Almir Pinto, além de representantes das classes operárias, agrícolas e empresariais do município e do Ceará.
Prefeito Manoel Barroso Neto com os fiéis na rua Raimundo Nonato Ribeiro |
Mas acima de todos estava o povo, os fiéis procedentes daqueles que levantaram a imagem da milagreira desde a sua origem. À meia noite a deslumbrante missa, na qual o devoto beija-mão perdurou quase uma hora. Seguindo-se os cânticos acompanhados da banda do Colégio Piamarta, atos litúrgicos e declamações de poemas, destacando-se a fiel Maria Pia de Salles. Muitos ainda chegavam de longínquos municípios quando se iniciou o grande cortejo. Estudantes e fiéis, pessoas de origem simples mas de grandeza cristã, de fé, carregavam as imagens dos demais santos que ornamentam a Igreja, sendo a de São Pedro aos cuidados dos pescadores.
A multidão e os demais santos acompanham Nossa Senhora do Livramento |
Nossa Senhora do
Livramento abençoou o seu povo. Chorou quando ali chegou após cruzar o Atlântico; chorou quando a viu paróquia, com o Pe. José
da Silva Carvalho, em 1874, surgindo ao seu lado, triunfante, rumo ao templo
idolatrado. E chorou novamente de alegria no centenário, durante uma festa católica da qual o povo
trairiense jamais esquecerá, emocionando
os visitantes. E mais do que isso, nunca a abandonou. Assim conta um povo tão
católico, fiel, sabedor do seu destino, que é amar a Deus e por ele ser
perdoado. Assim conta a História.
(Acervo Lucas)
Pesquisa: "Como Nasceu Trairi" (Maria Pia), "Ungidos do Senhor" (Aureliano D. Silveira), jornais O Povo e Tribuna do Ceará.
segunda-feira, 5 de março de 2018
Correio do Ceará - 1915, Um Marco no Jornalismo Cearense
Rua Conde D'Eu. Primeira sede |
Primeiro número do Correio |
Passados alguns anos surgiram os famosos jornais com
potencialidades comerciais, numa fase do jornalismo de cunho partidário, de
críticas aos adversários e fofocas. Por um lado os conservadores, Pedro II
(1840 - 1889) e Constituição (1863 - 1889), e do outro os liberais, O Cearense
(que tornou-se Cearense, 1848 - 1891), este, conforme João Brígido (do Unitário,
de 1908), introdutor no jornalismo científico no Ceará. Resumindo, uma imprensa
atrelada a ataques que, em suma, visavam a conquista da presidência da
Província, ou seja o poder.
A. C. Mendes |
Eram redatores padres como Silvano de Sousa, e dirigida pelo Padre Climério Chaves. Com a criação do O Nordeste (1922,) por Monsenhor Tabosa para a Diocese, o Correio do Ceará tornou-se mais imparcial e fiel ao jornalismo. Já as receitas não partiam da exclusividade das vendas dos jornais, pois o dono possuía rendas dos Estabelecimentos Gráficos A. C. Mendes.
1960. Jornal na rua Senador Pompeu |
No estilo austero, era o mais popular, fruto de um trabalho empresarial definido, da redação à oficina com código de disciplina e política salarial, respeitando a ordem previdencial e consequentemente os direitos e deveres dos empregados. E para tal, Álvaro Mendes e H. Firmeza muitas vezes faziam concursos para atrair bons profissionais
Primeira edição pelos Diários, em 1937 |
O Correio do Ceará acabou vendido aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, em 1937, logo após a criação de um concorrente, O Estado, de José Martins Rodrigues. Muita expectativa por se tratar de um ano eleitoral, marcado pelo Estado Novo, que culminou com um regime ditatorial a partir de novembro. Nem por isso a redação do jornal se recolheu. Com a direção de João Calmon e circulando de segunda à sexta-feira à tarde (às 15 horas em ponto) e sábado pela manhã, manteve as suas editorias independentes, com grandes colunistas, valorização do esporte e da cultura cearense. Durante o Estado Novo, nos anos 40, combateu o regime autoritário, porém, durante a ditadura de 1964, sob direção de Eduardo Campos, apoiou o regime militar.
H. Firmeza, "Príncipe dos Jornalistas do Ceará". Revisava todo o jornal |
saía com o resumo da semana anterior.
Em 1965, em comemoração ao seu centenário, saiu com quatro edições especiais, sendo que a Associação Cearense de Imprensa promoveu o Curso Livre de Jornalismo. Em 1980 o jornal passaria a Venelouis Xavier Pereira, tendo Colombo Sá seu editor. Não duraria mais que dois anos, porém com magistral número de 19.962 edições.
1960. Jornal se antecipa ao rompimento de parede do Orós |
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Fotos e consulta: Correio do Ceará
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018
Clóvis Beviláqua. O Maior Civilista sem Casaca
Dr. Clóvis e D. Amélia (da família) |
Proclamada a
Republica, em 1889, secretariou o Dr. Thaumaturgo de Azevedo, o primeiro
presidente do Piauí, seguindo adiante para Fortaleza como deputado constituinte.
Nascimento do Código Civil Brasileiro
Faculdade de Direito de Recife |
Famoso e humilde
No que pese uma vida
dedicada ao ensino e de consultorias, Clóvis Beviláqua não enriqueceu
financeiramente. Não importando o grau da personalidade dos solicitantes, desde
que chegara ao Rio de Janeiro, em 1906, cobrava o mesmo valor pelos pareceres,
inferiores aos dos colegas. Conforme o jornalista do Flan, Francisco de Assis
Barbosa, “não ligava para dinheiro. Excetuando o “Código Civil Comentado” e “O
Direito das Coisas”, vendeu a propriedade de todos os livros, a maior e mais
completa obra que um jurista produziu em língua portuguesa. Tudo por uma
quantia irrisória”. Das duas obras, aos cuidados da Livraria Francisco Alves, e
de uma pensão paga pelo governo, sustentavam-se as filhas do jurista. Ambas sequer
possuíam emprego, assim como de vida humilde eram seus parentes no Ceará. A
própria casa da família, na Rua Barão de Mesquita, 500, foi adquirida através
de um empréstimo na Caixa Econômica, “facilitado por uma entrada proveniente de
subscrição popular da Sul América”. Ali o intelectual dedicou a outra tarefa
que amava: cuidar de animais. Abraçava-se aos gatos, cachorros, dava milho aos
pombos sentado na sua cadeira de balanço, nas suas mãos. E não esquecia dos demais, pois alimentava até
as aves dos vizinhos. Interessante,
criava galinhas mas não as matava, afinal possuíam nomes, eram como membros da
família.
Maior civilista do País sem casaca
Tamanha modéstia
vinha de longe. 1916 era o ano do
centenário de nascimento do jurista baiano Teixeira de Freitas. Bateram em sua
porta. Era seu amigo Edmundo da Luz Pinto, presidente da Associação dos
Estudantes da Faculdade de Direito do Rio de janeiro, que o convidara para
fazer uma conferência sobre o seu colega centenário. Agradeceu, mas não poderia
ir porque não possuía uma casaca. O outro tratou de ir atrás e conseguiu a
roupa, alugada na Casa Storino, e para a concorrida sessão, no dia 10 de
agosto, compareceu ao Teatro Municipal. O imponente monumento da cultura
nacional viveu um momento ímpar. Da mesa, da qual presidia, o famoso jurista
Rui Barbosa, conterrâneo de Teixeira, o apresentou: “Dou a palavra ao maior dos
nossos civilistas vivos para falar sobre o maior dos nossos civilistas mortos”.
Fez a conferência, silenciando o prédio, lotado por estudantes. Foram tantas as
palmas que até Clóvis Beviláqua as bateu pensando dirigir-se ao colega baiano.
Defensor da mulher. Aliás, das mulheres.
Contudo, um dos
fundadores da Academia Brasileira de Letras, Clóvis Beviláqua, membro da
Cadeira 14, teve um desgosto que o fez se afastar em definitivo da casa. Em
1930, sua esposa, a escritora Amélia de Freitas Beviláqua, inscreveu-se para a vaga
de Alfredo Pujol. Ela já bem conhecida, já que, a contragosto dos imortais, acompanhava
o marido nas sessões. Entretanto, acabou rejeitada após o presidente Aloysio da
Costa colocar em votação, tendo como motivo a negativa ao sexo feminino possuir
assento na Academia, o que só viria a ocorrer em 1977, com Rachel de Queiroz.
Em reação à negativa, bradou em boa voz o esposo inconformado: “ Lá fora deixo
o meu chapéu e a minha bengala. Onde minha mulher não pode entrar eu também não
entrarei!”. O casal se conheceu durante os estudos no Recife, ela culta,
piauiense, filha de desembargador, escritora desde a infância, e que teve o
companheiro como parceiro em livros.
A família
Funerais do jurista no Campo Santo, Rio (Diários Associados)
Após a sua morte, em 26
de julho de 1944, as filhas, Dóris e Violeta, prosseguiram a tarefa de zelar os
livros dos pais. Superando 10 mil volumes, com certeza a maioria voltada ao
Direito, estragando-se na umidade e na precariedade do espaço, a biblioteca de
Clóvis Beviláqua foi pretendida pelo Estado a fim de enriquecer os arquivos Ministério das Relações Exteriores. Dóris
Beviláqua, entretanto, recusou não apenas essa oferta como outras: “Não quero
que mexam em nada. Guardarei os livros de papai e mamãe aqui mesmo. Depois da
minha morte e das minhas irmãs, então sim, a biblioteca ficará para os
estudantes pobres. Papai tinha horror em pensar que os seus livros seria postos
em leilão. Lembro-me que ele ficava triste com o anúncio dos leilões de
bibliotecas particulares no Jornal do Comércio”.
A gratidão da sua terra
JK no Ceará. (Correio do Ceará, 1965) |
No dia 3 de agosto de
1965, o presidente Juscelino Kubitschek, dentro das comemorações do centenário
de nascimento do jurista cerense, esteve em Fortaleza, inaugurando o Hospital
das Clínicas e recebendo o título de Doutor Honoris Causa da UFC. E nos dois
dias posteriores eventos ligados ao Direito, culminando com um recital na
Concha Acústica da UFC com os pianistas cearenses Jacques Klein e Cesarina
Klein. Parecia que toda a cidade encontrava-se do lado de fora em todas as
ocasiões.
Fortaleza, 1965. Inauguração da estátua. (Unitário) |
J. Lucas Jr
Fonte: Pantaleão Damasceno (Jornal Unitário), Jornal Correio do Ceará e Jornal Flan.
Rio de Janeiro. O jurista com a esposa e filhas. Lendo, Florisa, falecida em 1945. (Álbum de família) |
Biblioteca: Violeta e os amores de Clóvis Beviláqua. (Flan) |
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
Bibliotecas do Ceará - História de Amor à Leitura - (Por J. Lucas Jr)
Primeiro passo: Liceu do Ceará
Liceu do Ceará (O Estado 1937) |
A biblioteca do Senador Pompeu
Estudioso e
historiador, em 1847 o diretor desenvolveu a ideia de uma biblioteca para o Liceu,
em Fortaleza, ainda que o mesmo não possuísse sede própria, o que ocorreria somente em 1894, funcionando na sua
residência, na Praça dos Voluntários. Dispondo de 500 mil réis cedidos pela
província, pôs adiante a sua luta, surgindo dali o primeiro acervo correspondente.
Naquele ano, aliás, o decreto imperial n° 433 obrigava as tipografias a cederem
todos os seus impressos às bibliotecas públicas do País, motivando o governo
local a colaborar com Pompeu, solicitando do mesmo a relação dos livros
essenciais à biblioteca da escola. Mas infelizmente não houve a contribuição
necessária da parte do poder público, não passando de uma pequena sala improvisada
com parcos livros.
Contudo, a capital cearense contava com um espaço não particular para leitura, antecedendo à Biblioteca Pública do Ceará (1867) e ao Instituto do Ceará (1887). Com 1.730 volumes na época da inauguração, a Biblioteca Pública cresceu com todas as dificuldades, mudando de endereços em busca da sobrevivência. Em 1893 estava instalada na rua Sena Madureira, contando com 10.392 obras, das quais 4.930 foram acessadas pelos 3.334 visitantes. Recebia muito pouco financeiramente para se manter, perdendo do governo as contribuições para as assinaturas de revistas e aquisições de livros, dos quais os mais velhos, sem conservação, estragavam-se.
Biblioteca e sala de aula do Liceu (Gazeta de Notícias 1957) |
O jogo por trás das contribuições
Phenix dos Caixeiros
Primeira sede da Fênix (Gazeta de Notícias RJ, 1907) |
Salão da Biblioteca do Phenix Caixeiral, segunda sede. (Instituto do Ceará) |
Livrarias e seus cuidados
Livraria Edésio, na Pça do Ferreira. (A Noite 1932)
Com a chegada da primeira livraria, Oliveira, do português Joaquim José de Oliveira, e em seguida a de Manoel Antônio da
Rocha Junior, no século XIX, a leitura tornou-se cada vez mais um hábito do cearense.
Livros e revistas se avolumaram nas residências de intelectuais, professores,
educadores, e nas grandes bibliotecas. Carecia, entretanto, de meios modernos
de manutenção das obras, mas essa precariedade redundou na perda de muitos
volumes, principalmente de antigos jornais. Diante de tantas denúncias e
tentativas de investimentos da parte do poder público, previsões de tragédias
acabaram se consolidando, como o incêndio de 1987. Na do Estado, Menezes
Pimentel, devido às suas péssimas condições físicas, um curto circuito provocou
um incêndio que consumiu boa parte da hemeroteca, destruindo os exemplares dos
históricos Pedro II, Constituição, Cearense, A Gazeta do Norte, Libertador e A
Razão, jornais antigos que fizeram parte do dia a dia do fortalezense.
Livraria O Arlindo (Amoreira). De gravata, o proprietário. (Unitário 1960) |
Bibliófilos:
Livraria Moraes, na rua Major Facundo. (A Noite 1939) |
Graciosidades feitas no Ceará passaram pelas mãos desses ilustres apreciadores: Revista Verdes Mares (do Grêmio Estudantil do Colégio Cearense), Educação Nova (do Governo Estadual), A Ideia (do Liceu do Ceará), Terra da Luz ( do Colégio Castelo Branco), A Jangada Cearense (da Confederação dos Pescadores do Ceará), O Estímulo (do Instituto São Luiz), Revista Contemporânea (de Waldery Uchoa), Folha Estudantil (do Centro Estudantil Cearense), Lar (da Escola Doméstica São Rafael), Via Lactea (do Colégio Santa Cecília), Revista da Academia Cearense de Letras e a requíssima Revista do Instituto do Ceará.
Biblioteca Dolor Barreira
Dr. Dolor Barreira. Prof Emérito da UFC |
Localizada na residência do Dr. Barreira, na Rua Major Facundo com a Av. Duque de Caixas, na área correspondente atualmente à agência da Caixa Econômica Federal, tinha como bibliotecária Maria Conceição de Sousa, que cuidava dos seus 40 mil volumes. Caso a prefeitura continuasse duvidando, seria provável um outro destino. Por muito pouco o rico acervo do professor, incluindo as estantes, não foi parar na UNESCO. Felizmente a biblioteca tornou-se municipal em 1971, localizando-se na Av. da Universidade, de onde se mudou para o atual endereço, do outro lado da mesma rua.
Em 2007, as mesma foi agraciada com a doação de 5 mil volumes do famoso historiador e professor Geraldo Nobre, pela sua família. Das antigas livrarias como Ribeiro, Araújo, Gualter, Aequitas, Imperial, Humberto, Selecta, Hermínio Barroso, Renascença, Alaor, Moraes, Comercial, surgiram os colecionadores particulares, daqueles que não se importam com o tempo quando se procura um bom livro, um bom livro mais outro livro e assim surge uma nova alternativa de consulta.
Carlyle Martins
Carlyle Martins e sua biblioteca (Tribuna do Ceará)
Muitos se trancam, outros liberam as suas prateleiras para os
pesquisadores. Sobrinho do poeta Álvaro Martins, um dos fundadores da Padaria
Espiritual, Carlyle Martins foi um desses apaixonados por leitura. Na sua eterna residência, na Av do Imperador, já próxima da parada final dos trens, o poeta e membro da Academia Cearense de Letras recebia, desde os idos
de 1950, as visitas, orientando-as para a boa conservação das obras. Mostrava
boa receptividade, mas também o cuidado com os seus 15 mil volumes de cunho
literário, que segundo o próprio não venderia “por dinheiro algum”. Na época, o
famoso jurista incentivava nomes que iniciavam nas artes e que lhe atraiam pela
riqueza cultural: Eusélio de Oliveira, Sânzio de Azevedo, Horácio Dídimo,
Esther Barroso, Henriques de Cêrro Azul. Dos poetas até então falecidos citava
Antonio Sales e José de Albano, uma conclusão difícil diante de tantos nomes
que abrilhantaram a literatura cearense.
Tonny Ítalo
Biblioteca do Instituto Tonny Ítalo (Lucas Jr)
Diante de tantas experiências de sucesso, a vontade de ajudar superou as dificuldades diversas. Chegaram à periferia de Fortaleza e à zona rural do Estado do Ceará as bibliotecas comunitárias, que trabalhavam limitadamente Diante disso, a Secult CE criou uma área de apoio a elas, promovendo discussões e ajudando com doações de livros e revistas, contribuindo com o seu fortalecimento. Particularmente, presenciamos o impacto das Bibliotecas Comunitárias e no momento comemoramos o secesso dessa parceria. A biblioteca Rodolpho Theophilo, do Instituto Tonny Ítalo, em Itaitinga, passa por um processo de crescimento a ponto de vê-se necessário sua expansão física. Como seu coordenador, notamos a satisfação das crianças carentes que a visitam, além das atenções dadas pelos adultos e estudantes. Foram duas doações em dois anos da Secretaria de Cultura do Ceará, que junto às de dezenas de colaboradores só têm dado alegrias à comunidade de Taveira, ensejando a esperança e a certeza de que com a educação evitaremos que a violência continue a desmoronar o sonho das famílias e da sociedade, por um mundo de inteligência. Que todas essas bibliotecas citadas sejam o palco de uma reviravolta cultural, a leitura como uma adoração universal, livros pequeninos ou ricos, o importante é que não nos abusemos de ler, de aprender, de nos guiar, livres, para uma vida de encantos.
“Só a educação do povo poderá obstar completamente ao
progresso da imoralidade que é a causa primordial dos gravíssimos males que
vexam a nossa sociedade”. (Fausto Augusto de Aguiar, Presidente da Província do
Ceará, 1844)
Fontes: jornais Pedro II, Cearense e Tribuna do Ceará; Almanaque do Ceará.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
Praça do Ferreira. Do Sobrado do Pachecão ao Coreto do Godofredo
Largo das Trincheiras
Jardim 7 de Setembro (Leitura para Todos) |
Pachecão e a Intendência Municipal
Em 1831 o sobrado
do José Pacheco foi adquirido para acomodar o legislativo, ou precisamente a
Municipalidade, também com poder administrativo, por 6:593$984, ou seja, mais
de seis contos de réis, em quatro prestações, conforme escritura de 24 de
janeiro de 1831, em cuja área surgiria a famosa Intendência Municipal, no
antigo Alto da Boa Vista (atua rua Floriano Peixoto), e o Abrigo Central. O prédio da Intendência manteve-se erguido até 1941, quando o
prefeito Raimundo Alencar Araripe mandou demolir o quarteirão na intenção de
construir a sede da prefeitura, que não saiu de uma bela maquete. Atualmente
estaria, como fins de localização, à frente do Edifício Sul América.
Sobrado do Comendador Machado à direita (Carioca) |
A Chegada do Boticário
Bondes animais. (Fon Fon) |
Na “sala de visita
da cidade”, de imediato demoliu o Beco do Cotovelo, nascendo dali a Praça D.
Pedro II, afinal tinha que agradar o monarca e aguardar alguma ajuda financeira
vinda pelos vapores do Atlântico. Foi o necessário para ocorrer uma vasta expansão
econômica naquela área, com o surgimento de lojas e de belos sobrados. Em
menção a Ferreira a chamavam de “Largo do Ferreira” ou “Largo do Boticário”.
Até que, em 12 de outubro de 1871, por indicação do vereador João Antônio do
Amaral Junior, a Câmara Municipal mudou o nome da Praça Municipal para Praça do
Ferreira, em homenagem a Antonio Rodrigues Ferreira. Era a época dos primeiros
bondes puxados a burro e mais adiante a cavalos, da firma Ferro-Carril, tendo
como ponto central aquele centro de encontros do cearense, na rua da Boa Vista
(antiga Alto), onde em 1875 surgiu o primeiro café da cidade, o Café Americano.
Esses bondes de burros, que seguiam em linhas de ferro, comportavam até 25
passageiros, e dali partiam a cada meia
hora, com boleeiro e condutor fardados, ao preço de 100 réis.
Segundo o
historiador Paulino Nogueira, “aquele homem feio, um pouco baixo, magro,
moreno, narigudo, cabelo quase à escovinha, trajava-se mal, inseparável de uma
luneta de ouro, que não tirava do olho direito”. Aquele homem trouxe para a sua
mesa o projeto urbanístico de Silva Paulet, em forma de xadrez, engavetado
desde a época do Governador Sampaio (1813). Mandou chamar o pernambucano Adolpho Herbster, engenheiro da província, que revolucionou a cidade com uma planta
detalhada, ajustando as ruas nos moldes da modernidade.
Os Quiosques
Café do Comércio. (Leitura para Todos) |
Na praça, por volta de 1896, os clubes elegantes, localizados
nas imediações, Clube Cearense e Clube Iracema, disputavam as melhores
alegorias durante os carnavais. Evidenciavam-se, assim, as discriminações, como
ocorria no Passeio Público: pretos e pobres nas laterais e os ricos no centro,
separados por gradis. Tempos após incorporam o “O Banco”, um assento público
restrito senhores da sociedade e intelectuais com suas vestimentas em linho
branco.
7 de Setembro
Cel. Guilherme Rocha. (O Malho) |
Em 1902, já na república, Nogueira Accioly comandava a
política cearense e o Partido Conservador ao estilo oligárquico, indicando como intendente de
Fortaleza o coronel Guilherme Rocha, seu antigo aliado e próspero comerciante,
enquanto Pedro Borges o governador. Processou-se na cidade o zelo com os bens,
embora os mesmos cada vez mais voltados aos ricos. Como a Marquez do Herval (José de Alencar), a
Praça dos Mártires foi reformada, tornando-se uma das belas do País, e a Praça
do Ferreira passou por uma mudança radical após proposta do vereador Casimiro
Montenegro, futuro intendente, de criação de um jardim que homenageasse a
Independência da República. E assim, na data histórica brasileira, foi
inaugurado o Jardim 7 de Setembro. A Praça do Ferreira, portanto, passou a ser
conhecida como Jardim ou Avenida 7 de Setembro, uma vez dividida em quatro.
Guilherme Rocha cercou a praça com gradis de ferro e no centro o jardim, em
formato de cruz, gradeado com um portão em cada face. Como iluminação, 38
lampiões internamente, enquanto fora 20 combustores auxiliares. O velho
logradouro decididamente estava reservado à classe social mais abastada.
Bondes elétricos
No dia 9 de outubro
de 1913 o prefeito Ildefonso Albano, também aliado do Comendador Accioly,
deposto após revolta popular no ano anterior, inaugurou o bonde elétrico. O
munícipe fez questão de pilotar o primeiro, em meio à curiosidade da multidão
que o acompanhou a partir da loja Crisântemo. Os bondes da Ceará Light & Power
permaneceram em atividade até 1945, passando os encargos para o governo e
prefeitura, que os extinguiram dois anos depois pressionados pelas empresas de
ônibus que cresciam junto com a população.
O Coreto
Uma nova reforma da
praça pôs fim aos quiosques. No dia 24 de maio de 1925 o prefeito Godofredo
Maciel, continuando a prioridade dos jardins, inaugurou, na Avenida 7 de
setembro, o coreto, onde a banda da
Polícia, a filarmônica, executou “allegros” e dobrados. Em sua volta, os
cinemas Polytheama, Majestic, e Moderno; a Casa Albano, o Emydgio, Foto
Ribeiro, entre tantos comércios apaixonantes, com o coreto atraindo multidões
que testemunharam comícios e discursos célebres como de Maurício Lacerda (pai
de Carlos Lacerda), Djacyr Menezes, Rachel de Queiroz, Dr. Morais Correia,
Demócrito Rocha e de Perboyre e Silva, eterno presidente da Associação Cearense
de Imprensa. Voltaria a ser chamada de
Praça do Ferreira.
1959. Centenário de morte do Boticário. Visita ao túmulo. (Tribuna do Ceará) |
Centenário do falecimento. 29 abril 1959. Programação em lembrança pelo falecimento do tenente-coronel Boticário Ferreira, tido como "a maior personalidade do Seculo XIX" (Tribuna do Ceará):
7:30: Missa na Ig. do Rosário, por Dom Almeida Lustosa.
9:00: Visita ao túmulo, Ginásio Municipal. (Cemitério S. João Batista)
12:00: Palestra do prefeito Cordeiro Neto. Pelas emissoras de rádio.
16:00: Sessão solene no Ginásio Municipal. Grêmio Joaquim Nogueira.
19:00: Palestra professora Geraldina Amaral, Waldery Uchoa e Mozart Soriano Aderaldo.
20:00: Retreta na Praça do Ferreira pela banda da Escola Preparatória de Fortaleza.
Obs: no seu testamente deixou os seus bens para o seu pai, caso estivesse vivo. Do contrário, para sua sobrinha.
Fontes: Jornais Cearense e Unitário. Artigos de Paulino Nogueira, Raymundo Menezes e de Gustavo Barroso.
1925. Com o coreto. (Fon Fon) |
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