domingo, 9 de outubro de 2016

Praça do Ferreira - As Justificativas para a Derrubada da Coluna da Hora

                                                      O Fatídico Dia


Raimundo Girão discursa a favor da remoção.
Prefeito José Walter na outra ponta.
(Foto Correio do Ceará)
 6 de julho de 1967. Frequentadores da Praça do Ferreira, coração de Fortaleza, assistem a movimentação de autoridades e operários em torno do seu marco. Parecia inacreditável, mas o que os jornais alardeavam estava se concretizando. O abandono, a sujeira e o descaso nos últimos anos vitimava o monumento orgulho do fortalezense. Para nova reforma do logradouro, a Coluna da Hora seria removida. Numa solenidade que contou com discursos e palmas, às nove horas ela, que desde o dia anterior fora cercada por madeira, era demolida. Um dos oradores, elogiando a decisão do prefeito José Walter, afirmava que a coluna já não fazia sentido prático, “motivo pelo qual, sem valor funcional, já não se justificava; se fosse prefeito agora concluiria pela mesma providência, pois o marco do provincianismo cearense, fora de moda, não tem valor histórico, cumpriu a sua tarefa funcional, acompanhando, às vezes atrasada, outras adiantadas, o compasso da cidade”. Poderia ter sido expressão de um bajulador político, um assessor, mas era a voz da pessoa que, há 34 anos, a inaugurara, do ex-prefeito Dr. Raimundo Girão

Cercada por madeira no dia anterior.
(Foto Gazeta de Notícia)
 A Coluna da Hora, de treze metros de altura, em estilo Art Dèco, e projetada pelo engenheiro José Gonçalves Justa, a cargo da construtora Clovis Janja, foi inaugurada no dia 31 de dezembro de 1933, virada da noite para 1934, pelo jovem prefeito Raimundo Girão (33 anos), que anunciara, com certa antecedência, o horário do festejo, na praça do povo cearense, ainda com o Jardim 7 de Setembro. Com todas as poupas, não poderia ter escolhido noite mais encantadora. Fato tão relevante que foi transmitido ao vivo aos lares fortalezenses pelas ondas da Ceará Rádio Clube. Custou, porém, a derrubada do coreto, de 1920, em cuja área surgiu um pequeno jardim. Após a chegada da Banda de Música do Corpo da Segurança Pública, começava, a partir da 20 horas, a animação para a população que lotava o logradouro. O prefeito, já estudioso sobre o Ceará, fez uso da palavra às 23 horas, discorrendo sobre a história da praça, dos antigos gestores e, obviamente, da sua administração. No primeiro segundo do novo ano o “Relógio da Cidade” deu a primeira badalada. Iniciava a mais rica fase do maior símbolo de Fortaleza.

                            Como era a Coluna da Hora (Nirez - O Povo)


1936 - Foto Salles (Arquivo Nirez)
 Conforme repassado pela firma, conta Nirez os detalhes da sua magnitude de então: Com porta de ferro, trata-se de uma “coluna em concreto armado, marca “Portland”, de traço 1 : 2 : 4 foi contraventada com seis contraventamentos. Os claros foram preenchidos com alvenaria de tijolo simples e argamassas de cal ao traço de 1 : 2,1/2, com uma parte de cimento. Fundação em radier de concreto ao traço 1 : 3:  6, sendo nela chumbados os ferros das colunas de modo a formar um só conjunto. A escadaria exterior (calçada), revestida de marmorite polida (mármore artificial) de cor em conjunto  com a coluna, é de alvenaria de tijolos forrados com argamassa de cal com traço 1 : 2,1/2 e uma parte de cimento, bem como as quatro pilastras que a circundam. A escada interior, de grampos de ferro, chumbados na coluna, sendo o seu revestimento feito de pó de pedra , rico em mica e tratado a ácido, perfeitamente alisado e seguindo todos os contornos. 

A Praça como José Walter recebeu (Foto O Povo - Arquivo Nirez)
O centro da escadaria, base da coluna, em elevação, é, exceto uma faixa de 0,30 m, correspondente a um degrau,de mosaicos de três cores. Os vidros assentados são raiados duplos repousando em caixilhos de chumbo. O relógio foi adquirido na América do Norte, por intermédio da firma Byington & Cia,é de fabricação da Zeth Thomaz Clock Co., de Nova York. É uma máquina eletromecânica que funciona com a energia da Ceará Light, tendo corda contínua que e renova constantemente por meio de dois motores. Tem dispositivo para garantir o funcionamento da energia elétrica por doze horas. Possui mostradores nas quatro faces, de vitrolite branca com algarismos gravados a esmalte em baixo relevo, sendo em algarismos  arábicos em duas faces e nas outras duas, algarismos romanos. O relógio custou, montado, funcionando, a quantia de 1.625,00 dólares”.

O Passado de Saudade (Por Nirez - O Povo)


 A praça existe com esse nome desde 1871, após a destruição do Beco do Cotovelo pelo chefe municipal Boticário Ferreira. Antes era um terreno cheio de cajueiros ao redor de areias, cercado de casinhas e, desde 1825, os sobrados do Comendador Machado (hoje Hotel Excelsior) e do Pacheco, que virou sede da Municipalidade (daí o nome da rua Guilherme Rocha ter sido rua Municipal, ou da Municipalidade). Ela foi denominada de Feira Nova, Largo das Trincheiras, D. Pedro II, da Municipalidade, mantendo-se do Ferreira nos dias atuais.

1930. Velho coreto: célebre discurso do Dr. Morais Correia durante a campanha
que levou Fernandes Távora ao Governo Provisório, e a queda do prefeito
Cesar Cals ( Foto O Povo)

 Pelo lado da rua Major Facundo (antiga Palma), encontrávamos a Casa Almeida, o prédio do Majestic, Farmácia Pasteur, escritórios do Luiz Severiano Ribeiro, o Polytheama, o Menescal e, na esquina, a Pernambucana (anteriormente era a Agência de Loterias Nacional e, mais antigo, o Maison Art-Nouveau, de 1907).  Antes da Pernambucana funcionaram o Maison-Richie e o Restaurante Chic, e após, a Broadway, a Rouvanil, Tok Discos e hoje uma loja de bijuteria. Com poucas exceções, os bondes faziam ponto na praça.

1967: Pai João se despede da Coluna da Hora
(Gazeta de Notícias)
 O Jardim 7 de Setembro (ou Avenida 7 de Setembro) foi inaugurado em 1902, a primeira urbanização da praça, pelo intendente Guilherme Rocha, embelezado com pés de benjamins, cercado de grades e colunas, sendo que nas pontas passaram a existir os cafés, Java (nordeste), Restaurante Iracema (sudoeste), Elegante (sudeste) e do Comércio (norte), que perduraram por dezoito anos, quando, em 1920, Godofredo Maciel fez nova reforma, retirando os quiosques e colocando mosaicos por toda a sua extensão, surgindo o coreto, que em 1923 foi reformado e coberto. Entretanto, em 1914, dois anos após a fuga do Comendador Nogueira Accioly, vitimado pela insurreição popular (sendo a sua casa e empresas incendiadas), a mesma passou por nova intervenção, para colocação dos cabos subterrâneos, pelo prefeito Raimundo de Alencar Araripe. Os carros de aluguel que ficavam nos dois lados, sempre com os bancos de duas faces ao lado; os guardas elegantemente vestidos de túnicas de cores caqui, fivelas enormes nos grossos cintos e de capacetes perderam o serviço.

                                    Prefeito José Walter Justifica



A praça entregue por José Walter (Arquivo Nirez)
Conforme o próprio José Walter, a Coluna da Hora foi erguida sobre uma cacimba, e por conta disso a mesma estava cedendo, levando perigo aos transeuntes, além de afetar os relógios, fato que o relojoeiro Muratori se queixava da impossibilidade de os quatro funcionarem com a mesma hora. Fatos que justificaram o superintendente da SUMOV, Lauro Vinhas Lopes, a conveniência da retirada da coluna. “A praça que recebi estava acabada, quase nada restava a não ser o miolo, onde existia a Coluna da Hora. Nas laterais da Major Facundo e Floriano Peixoto havia espaço para carros, eram três pistas, onde se localizavam nada menos que nove postos de taxi. Os carros de aluguel faziam até manobras por cima da praça. Ali mesmo fui atropelado uma vez”, disse o ex-prefeito nos anos 80.

 Na época, 1967, afirmava anúncio nos jornais: “O fortalezense reconhece que o passado tem que ceder às exigências do presente e às perspectivas do futuro”. Com um plano originado de estudos de alunos da Escola de Arquitetura do Ceará, a frente o Dr. José Liberal de Castro, era intenção interditar o transito na área, que seria aumentada ao inserir a ela a extensão pertencente ao extinto Abrigo Central (inaugurado em 15/11/1949 pela gestão de Acrísio Moreira da Rocha, no antigo quarteirão, demolido em 1946, onde existia a Intendência Municipal, e em 1966 retirado por Murilo Borges) e os estacionamentos nas laterais (ruas Floriano Peixoto e Major Facundo): “temos certeza que o povo desta capital receberá com agrado a oportuna transformação porque o fortalezense de hoje já vê o progresso e o embelezamento de sua cidade com olhos de quem descortina horizontes mais largos para a sua terra”.

                   Murilo Borges Tentou Mas Faltou dinheiro 


 O projeto de demolição vinha da administração anterior, general Murilo Borges, inclusive com apresentação de maquete onde se via uma fonte luminosa, com a assinatura do engenheiro Marrocos Aragão. O que inviabilizou a sua realização foi a falta de recursos financeiros. José Walter, porém, resolver arriscar.

José Walter: "Meu Sucessor Não Concluiu a Reforma"


 O prefeito sempre se valeu da premissa de que, embora entregando o cargo em 1971, a praça não foi concluída, nem o seu sucessor, Vicente Fialho, deu prosseguimento, pois faltaram a fonte luminosa, o acabamento dos canteiros com lajes e o monumento ao Boticário Ferreira, serviços prejudicados pela descoberta de um forte lençol freático, conforme o urbanista responsável, Hélio Modesto (José Walter ao jornal O Povo, em 1984).

Eduardo Campos (Pres. da ACL e superintendente dos Diários
Associados) simboliza a destruição da coluna.
(Foto Correio do Ceará)
 O debate ficou entre os técnicos e os políticos, deixando o povo de lado. O ex-prefeito defendia a causa de uma equipe conceituada, que discutiu e ousou, pois o próprio chefe do executivo foi voto vencido quando os arquitetos sugeriram a retirada dos veículos ao redor da praça. Fortaleza crescia e o movimento na praça também, e assim um lugar com jardins não resistiria, num mesmo plano, com o agito de uma grande cidade. Era necessário um ambiente espaçoso para pedestres, com enormes bancos, lugares para grupos variados, e uma galeria de artes interna (Antônio Bandeira), ao mesmo tempo em que a parte mais elevada, próxima ao Cine São Luiz, voltar-se-ia para exposições.

                                       O Polêmico Raimundo Girão


 Raimundo Girão, nascido em 1900 em Banabuiú, pertencente, na época, à Morada Nova CE, criou-se num tempo de muita instabilidade, usufruindo da liberdade que todos os garotos idolatravam, como banhar-se nas águas do rio Jaguaribe, chamadas de “Rinaré” pelos índios jaguaribaras, e essa lembrança levou, entre muitas, para a capital onde foi estudar.

Raimundo Girão e o jornalista Dário Macedo
(Tribuna do Ceará - 1972)
 Em Fortaleza, na Faculdade de Direito do Ceará teve como professores Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, Leiria de Andrade, Moraes Correia, Menezes Pimentel, Antônio Augusto de Vasconcelos, Andrade Furtado, e outros grandes educadores.

 Conceituado advogado e admirado pelas autoridades, após a renúncia da candidatura de Matos Peixoto, seu ex-professor, acabou indicado interinamente para a prefeitura em meio, segundo ele, à “vitória da revolução” (Getúlio Vargas) contra o presidente Washington Luís. Mas na hora do voto, quando adotara estilo político conservador, durante as eleições de 1954, perdeu para Acrísio Moreira da Rocha, que foi para o segundo mandato. Culpou traições dentro do seu partido, a UDN. Durante a ditadura militar, foi secretário de Urbanismo do General Cordeiro Neto, tendo como uma das obras a demolição de parte do Palácio da Luz (1960) para prolongar a rua Guilherme Rocha por alguns metros. Consultado, deu o aval para a queda da Coluna da Hora ainda na gestão do general Murilo Borges.

 "Os que têm o poder nas mãos não se interessam pela Cultura"


 Segundo o pesquisador Miguel Ângelo de Azevedo (Filho), Nirez, a praça erguida na administração de José Walter “foi imposta na época da repressão, sem a consulta ao povo, porque era proibido. Uma praça sem alma, toda de cimento, sem arte, sem bancos de madeira, sem iluminação e com esconderijos para guerrilhas”. “Derrubar a Coluna da Hora sem consulta popular foi um ato insensato que pode ser comparado à derrubada do Pão de Açúcar”. “O que devia ser feito era uma reforma , mas o que foi feito foi a destruição de anos de tradição, a substituição de uma praça por um projeto  que nada tem a ver com Fortaleza, de nada funcional, sem diagonais, que nada se identifica com a nossa cultura”. “Nos apegamos às construções dos homens públicos. Mas os que têm o poder nas mãos não se interessam pela cultura”.

 Em 1991, o prefeito Juraci Magalhães entregou a atual praça, Marco Histórico e Patrimonial de Fortaleza (2001) com o monumento ao Boticário Ferreira e a volta da Coluna da Hora. Mas aquela do relojoeiro  Muratori se foi.  Resta-nos as lembranças.

Da nossa praça, esta triste lembrança. Adeus! (Foto: Manuel Lima - Gazeta de Notícias)

Pesquisas: Jornais O Povo e Tribuna do Ceará;  Gazeta de Notícias e Correio do Ceará (Diários Associados). 


                                                                    

                                                             

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